terça-feira, abril 22, 2025

Discorrendo brevemente sobre a realidade transmontana

1.1 Como caracteriza atualmente o mercado de trabalho em Trás-os-Montes?

A nível nacional, o mercado de trabalho tem apresentado uma taxa de desemprego que é geralmente considerada boa, pouco acima dos 6%, que, todavia, não permite perceber dois problemas maiores: por um lado, a escassez de trabalhadores que se regista nalguns setores de serviços (restauração e alojamento, particularmente), na construção civil, indústria transformadora e agricultura; e, por outro, as dinâmicas muito diferenciadas vividas em diferentes parcelas do território nacional.

Da primeira vertente decorre a necessidade geralmente reconhecida de se recorrer à imigração para dar resposta à procura de mão-de-obra existente. No que se reporta à segunda dimensão há que sublinhar que no caso da oferta de trabalho para algumas funções mais qualificadas ela só existe num número restrito de lugares, com especial destaque para a área metropolitana de Lisboa.

Trás-os-Montes sofre pela dimensão limitada do seu mercado de trabalho e pela fragilidade do seu tecido empresarial na indústria e serviços. Isso não dizer que a realidade seja a mesma em todo o território da região, parecendo ser que a parte mais a sul se apresenta menos dinâmica que a parte mais a norte, isto é, aquela que se usa designar por terra quente transmontana. Isso dever-se-á a alguma maior capacidade empreendedora e ao aproveitamento que vai sendo feito de alguns recursos desse território (azeite, castanhas, produtos da agro-pastorícia, tradições culturais locais e recursos ambientais potenciadores de aproveitamento turístico, nomeadamente), complementados pela maior capacidade de captação de estudantes por parte das estruturas de ensino superior aí sedeadas.

 

1.2 Quais considera serem os principais desafios económicos estruturais que esta região enfrenta, em especial na atração e fixação de emprego qualificado?

Não será fácil reverter as tendências de longo-prazo instaladas no território num quadro tendencial de perda demográfica e fragilização do tecido social e empresarial que lhe andam associados. A resposta, com dificuldades indiscutíveis de implementação e sempre demorada nos seus efeitos, deveria passar por políticas ligadas ao robustecimento da rede urbana regional, conforme propôs, entre outros, um antigo Secretário-de-Estado do ordenamento do território (Prof. João Ferrão), e pela alteração do modelo de governação da região, com criação de reais capacidades de decisão política-administrativa próprias.

Obviamente, isso também implicaria que se alterasse a estratégia de organização/gestão económica e política do território nacional continental, como um todo, e implicaria, nesse mesmo contexto, que se implantassem políticas de solidariedade territorial que fossem além do discurso público. Com essa estratégia, poder-se-ia tirar muito melhor partido dos recursos endógenos da região, que os tem, indubitavelmente.

 

2. Que fatores identificaria como determinantes para explicar o facto de Trás-os-Montes apresentar persistentemente um PIB per capita cerca de 20% abaixo da média nacional, bem como baixos salários e uma fraca taxa de atividade económica?

A resposta à questão agora enunciada foi, em grande medida, dada antes. Os salários pagos num território têm relação estreita com a procura de emprego aí registado e com o tipo de atividades que se desenvolvem, isto é, com a qualificação da mão-de-obra empregue. Sublinhe-se que não só os diferentes setores de atividade não pagam os mesmos salários como as atividades de topo em matéria de qualificações não estão uniformemente distribuídas por todo o país. Pelo contrário, estas últimas tendem a concentrar-se em poucas cidades do país, como já foi dito. O que se disse sobre a necessidade de alteração do modelo de governação e sobre a capacidade de atrair e fixar mais recursos humanos e económicos são peças basilares dessa alteração estrutural que se desejaria ver concretizar.

 

3. Que estratégias económicas ou políticas públicas considera essenciais para inverter ou atenuar a contínua saída de jovens formados da região transmontana?

Como procurei já deixar claro, as dimensões demográficas, sociais, económicas, políticas e, até, culturais têm estreita ligação entre si. Não é por acaso que Vila Real e Bragança elegem tão poucos deputados para a Assembleia da República. Elegendo poucos deputados, as realidades destes distritos eleitorais têm pouca auscultação nas instâncias de poder público nacionais e a respetiva capacidade reivindicativa sai muito enfraquecida. É sobre isso que importa atuar estruturalmente, conforme avancei antes. A saída contínua dos jovens é um sintoma não a causa do problema existente.   

 

4.  Identifica oportunidades concretas que poderiam ser aproveitadas para impulsionar o desenvolvimento económico sustentável nesta região, especialmente ao nível da valorização dos recursos locais?

Eu não subscrevo a ideia muitas vezes repetida que os problemas de fragilidade económica enfrentados por muitas regiões do país são resultado da ausência de recursos. Pelo contrário, em múltiplos casos, os recursos e as oportunidades de valorização económica desses recursos endógenos existem, o que não existe é capacidade empreendedora ou de projeto, e lideranças sociais e políticas, neste caso, pensando na necessidade da definição de estratégias para os territórios, no seu todo.

No caso de Trás-os-Montes, tive antes oportunidade de me referir a recursos como o azeite, a castanha, produtos da agro-pastorícia vários, tradições culturais locais e recursos ambientais potenciadores de aproveitamento turístico, assim  como à existência de instituições de ensino superior com capacidade de serem peça central na qualificação de recursos humanos e instrumentos de potenciação do aproveitamento e valorização dos recursos da região. Podia referir-me, também, ao vinho e ao enoturismo, à gastronomia tradicional, em muitos casos esquecida/desvalorizada, aos espaços naturais e respetivos potenciais económicos, se explorados dentro de princípios de sustentabilidade ambiental, económica e social, etc. Isto não se faz, no entanto, sem projeto e sem liderança (coletiva).

Para se chegar a esse projeto e a essa liderança importa, entretanto, mobilizar vontades e gente de diversas instâncias de intervenção social e, daí, partir para o ataque aos problemas existentes no território, percebidos a partir desse mesmo território.

 

5. Como vê o papel dos media regionais, especialmente dos meios digitais (jornais online, redes sociais locais), na promoção do desenvolvimento económico e social das regiões interiores como Trás-os-Montes? Considera que têm sido eficazes na valorização económica, cultural e territorial?

Eu não acompanho quotidianamente os media regionais de Trás-os-Montes e, portanto, não estou capaz de me referir à sua ação no levantamento dos problemas sentidos e no contributo que têm dado para a sua discussão e solução. Não tenho, no entanto, dúvida sobre o papel essencial que podem dar no trazer a público esses problemas e no espaço que podem reservar para um debate público alargado e continuado sobre como podem ser potenciados económica e socialmente os recursos existentes e, claro está, também a ajuda que podem dar para a visibilidade dos protagonismos e projetos que vão existindo e, daí, ajudar à formação de lideranças sociais e políticas locais e regionais.

Acresce que um projeto para o território, com a respetiva liderança social, tem que ter suporte num projeto de comunicação sólido e eficaz com os atores locais e populações do território, sob pena de lhes faltar a amarragem social de que precisam e, portanto, também, o alcance em matéria de contributo potencial para o desenvolvimento de Trás-os-Montes.  


Braga, 20 de abril de 2025

J. Cadima Ribeiro

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