1.1 Como caracteriza atualmente o mercado de trabalho em Trás-os-Montes?
A nível nacional, o mercado de trabalho
tem apresentado uma taxa de desemprego que é geralmente considerada boa, pouco
acima dos 6%, que, todavia, não permite perceber dois problemas maiores: por um
lado, a escassez de trabalhadores que se regista nalguns setores de serviços
(restauração e alojamento, particularmente), na construção civil, indústria
transformadora e agricultura; e, por outro, as dinâmicas muito diferenciadas
vividas em diferentes parcelas do território nacional.
Da primeira vertente decorre a necessidade
geralmente reconhecida de se recorrer à imigração para dar resposta à procura
de mão-de-obra existente. No que se reporta à segunda dimensão há que sublinhar
que no caso da oferta de trabalho para algumas funções mais qualificadas ela só
existe num número restrito de lugares, com especial destaque para a área
metropolitana de Lisboa.
Trás-os-Montes sofre pela dimensão limitada
do seu mercado de trabalho e pela fragilidade do seu tecido empresarial na
indústria e serviços. Isso não dizer que a realidade seja a mesma em todo o território
da região, parecendo ser que a parte mais a sul se apresenta menos dinâmica que
a parte mais a norte, isto é, aquela que se usa designar por terra quente
transmontana. Isso dever-se-á a alguma maior capacidade empreendedora e ao
aproveitamento que vai sendo feito de alguns recursos desse território (azeite,
castanhas, produtos da agro-pastorícia, tradições culturais locais e recursos
ambientais potenciadores de aproveitamento turístico, nomeadamente), complementados
pela maior capacidade de captação de estudantes por parte das estruturas de
ensino superior aí sedeadas.
1.2 Quais
considera serem os principais desafios económicos estruturais que esta região
enfrenta, em especial na atração e fixação de emprego qualificado?
Não será fácil reverter as tendências de
longo-prazo instaladas no território num quadro tendencial de perda demográfica
e fragilização do tecido social e empresarial que lhe andam associados. A
resposta, com dificuldades indiscutíveis de implementação e sempre demorada nos
seus efeitos, deveria passar por políticas ligadas ao robustecimento da rede
urbana regional, conforme propôs, entre outros, um antigo Secretário-de-Estado
do ordenamento do território (Prof. João Ferrão), e pela alteração do modelo de
governação da região, com criação de reais capacidades de decisão política-administrativa
próprias.
Obviamente, isso também implicaria que se
alterasse a estratégia de organização/gestão económica e política do território
nacional continental, como um todo, e implicaria, nesse mesmo contexto, que se
implantassem políticas de solidariedade territorial que fossem além do discurso
público. Com essa estratégia, poder-se-ia tirar muito melhor partido dos
recursos endógenos da região, que os tem, indubitavelmente.
2. Que
fatores identificaria como determinantes para explicar o facto de
Trás-os-Montes apresentar persistentemente um PIB per capita cerca de 20% abaixo da média nacional, bem
como baixos salários e uma fraca taxa de atividade económica?
A resposta à questão agora enunciada foi,
em grande medida, dada antes. Os salários pagos num território têm relação
estreita com a procura de emprego aí registado e com o tipo de atividades que
se desenvolvem, isto é, com a qualificação da mão-de-obra empregue. Sublinhe-se
que não só os diferentes setores de atividade não pagam os mesmos salários como
as atividades de topo em matéria de qualificações não estão uniformemente
distribuídas por todo o país. Pelo contrário, estas últimas tendem a
concentrar-se em poucas cidades do país, como já foi dito. O que se disse sobre
a necessidade de alteração do modelo de governação e sobre a capacidade de
atrair e fixar mais recursos humanos e económicos são peças basilares dessa
alteração estrutural que se desejaria ver concretizar.
3. Que
estratégias económicas ou políticas públicas considera essenciais para inverter
ou atenuar a contínua saída de jovens formados da região transmontana?
Como procurei já deixar claro, as
dimensões demográficas, sociais, económicas, políticas e, até, culturais têm
estreita ligação entre si. Não é por acaso que Vila Real e Bragança elegem tão
poucos deputados para a Assembleia da República. Elegendo poucos deputados, as
realidades destes distritos eleitorais têm pouca auscultação nas instâncias de
poder público nacionais e a respetiva capacidade reivindicativa sai muito
enfraquecida. É sobre isso que importa atuar estruturalmente, conforme avancei
antes. A saída contínua dos jovens é um sintoma não a causa do problema
existente.
4. Identifica oportunidades concretas que poderiam ser
aproveitadas para impulsionar o desenvolvimento económico sustentável nesta
região, especialmente ao nível da valorização dos recursos locais?
Eu não subscrevo a ideia muitas vezes repetida que os problemas
de fragilidade económica enfrentados por muitas regiões do país são resultado
da ausência de recursos. Pelo contrário, em múltiplos casos, os recursos e as
oportunidades de valorização económica desses recursos endógenos existem, o que
não existe é capacidade empreendedora ou de projeto, e lideranças sociais e
políticas, neste caso, pensando na necessidade da definição de estratégias para
os territórios, no seu todo.
No caso de Trás-os-Montes, tive antes oportunidade de
me referir a recursos como o azeite, a castanha, produtos da agro-pastorícia
vários, tradições culturais locais e recursos ambientais potenciadores de
aproveitamento turístico, assim como à
existência de instituições de ensino superior com capacidade de serem peça
central na qualificação de recursos humanos e instrumentos de potenciação do
aproveitamento e valorização dos recursos da região. Podia referir-me, também,
ao vinho e ao enoturismo, à gastronomia tradicional, em muitos casos esquecida/desvalorizada,
aos espaços naturais e respetivos potenciais económicos, se explorados dentro
de princípios de sustentabilidade ambiental, económica e social, etc. Isto não
se faz, no entanto, sem projeto e sem liderança (coletiva).
Para se chegar a esse projeto e a essa liderança
importa, entretanto, mobilizar vontades e gente de diversas instâncias de
intervenção social e, daí, partir para o ataque aos problemas existentes no
território, percebidos a partir desse mesmo território.
5. Como vê o papel dos media regionais,
especialmente dos meios digitais (jornais online, redes sociais locais), na
promoção do desenvolvimento económico e social das regiões interiores como
Trás-os-Montes? Considera que têm sido eficazes na valorização económica,
cultural e territorial?
Eu não acompanho quotidianamente os media regionais de Trás-os-Montes e, portanto,
não estou capaz de me referir à sua ação no levantamento dos problemas sentidos
e no contributo que têm dado para a sua discussão e solução. Não tenho, no
entanto, dúvida sobre o papel essencial que podem dar no trazer a público esses
problemas e no espaço que podem reservar para um debate público alargado e
continuado sobre como podem ser potenciados económica e socialmente os recursos
existentes e, claro está, também a ajuda que podem dar para a visibilidade dos
protagonismos e projetos que vão existindo e, daí, ajudar à formação de
lideranças sociais e políticas locais e regionais.
Acresce que um projeto para o território, com a
respetiva liderança social, tem que ter suporte num projeto de comunicação
sólido e eficaz com os atores locais e populações do território, sob pena de
lhes faltar a amarragem social de que precisam e, portanto, também, o alcance em
matéria de contributo potencial para o desenvolvimento de Trás-os-Montes.
Braga, 20 de abril de 2025
J. Cadima Ribeiro
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