Desde os anos 80 do século XX que é relativamente consensual entre os estudiosos do desenvolvimento que as grandes empresas não constituem o único motor do crescimento económico. Este resultado decorre, em grande medida, da constatação de que havia/há um número crescente de pequenas empresas de iniciativa local, algumas vezes localizadas em regiões rurais, que laboram produtos regionais de elevada qualidade, que colocam nos mercados nacionais e externos. O sucesso dessas empresas tira proveito, amiúde, da preservação de certas tradições em matéria de produtos típicos desses territórios (produtos regionais), isto é, a diferenciação da sua oferta e a competitividade que conseguem vêm-lhes da singularidade dos produtos que produzem e/ou comercializam.
Quer isso dizer que as especificidades
das regiões, associadas às suas histórias, geografias e culturas, podem ser
mobilizadas para qualificar os bens e serviços que oferecem. Assim sendo, é
expectável que as empresas locais usem as referências territoriais para
incrementar o valor dos seus produtos e sustentar a respectiva diferenciação
face aos competidores. Para que essa estratégia obtenha sucesso é necessário
que a procura, (isto é, os consumidores) valorize(m) a qualidade desses produtos
e que, a nível de oferta, haja quem perceba a oportunidade de negócio que esses
bens encerram e seja capaz de estruturar o projecto empresarial que a
materialize.
Tal também significa que não basta ter
ideias. É preciso que as ideias sejam secundadas por capacidade de realização e
de estabelecimento de uma estratégia de mercado conveniente. A este nível,
note-se que estão longe de ser despiciendas aspectos aparentemente tão elementares
quanto o são a embalagem, a etiqueta e a marca que se usam.
Peça basilar neste processo é a
possibilidade de tirar partido de Designações de Origem Protegida ou figuras
legais similares, que protegem certos produtos típicos regionais de usos
abusivos. Essa protecção, aparte impedir a apropriação por operadores externos ao
território do produto em causa, garante-lhes a reputação (imagem) junto dos
consumidores, ao obrigar os respectivos produtores ao uso dos ingredientes e dos
procedimentos de fabrico e de conservação configurados pela tradição.
Um exemplo de aproveitamento comercial
de um produto típico de uma das regiões portuguesas é o da Queijos Matias. Este caso também ilustra a relevância da estratégia
de negócio e do funcionamento em rede.
A empresa de cariz familiar Queijos
Matias, Lda., localizada em Seia, é um pequeno produtor de queijo da
Denominação de Origem Protegida (DOP) Serra da Estrela, que comercializa os
seus produtos sob a marca Casa Matias, sobretudo. Esta actividade faz parte de
uma tradição de família, que há mais de dois séculos se dedica à produção de
queijo da Serra.
Este tipo de queijo é produzido a partir de leite de
ovelha, por processos tradicionais, o que lhe confere características próprias.
Além da preservação dos métodos
tradicionais de fabrico do queijo, os rebanhos da empresa são constituídos
exclusivamente por ovinos da raça Bordaleira, que é conhecida por ser “a raça
nacional de melhor aptidão leiteira”. Todos os dias efectuam a ordenha, da qual
é feita uma selecção criteriosa do leite.
O crescimento da empresa tem sido prosseguido através da
conquista de pequenos nichos de mercado, baseado na aquisição, em 1992, do
certificado de produto oriundo de região com Denominação de Origem Protegida. Hoje em dia, no mercado nacional, a Queijos
Matias, coloca a sua produção sobretudo em super e hipermercados (Carrefour,
Continente, Makro e El Corte Inglês, entre outros), sob as suas próprias marcas
ou as das cadeias retalhistas com que opera. A relação mantida com o Grupo
Carrefour, “que comercializa 40% da produção total”, viabilizou que a firma pudesse
vender o seu queijo também nos mercados externos, nomeadamente em Espanha,
França e Brasil. Actualmente, comercializa o seu produto também nos Estados
Unidos, em Itália, no Luxemburgo, na Suiça e no Japão.
Em 2001, na sequência do crescimento
do negócio, a Queijos Matias decidiu estabelecer uma parceria com 25 outros
produtores da região DOP, por forma a ter acesso à respectiva produção
leiteira, o que lhe permitiu alcançar, no ano de 2004, uma produção do queijo
Serra da Estrela de 50 toneladas.
Um impulso importante para a expansão
da empresa e a divulgação dos seus produtos no mercado internacional foi a
participação em várias feiras e concursos internacionais. Além disso, “a Casa
Matias foi a primeira empresa portuguesa a aderir ao movimento Caseus Montanus, entidade com sede em
Itália e que se dedica a preservar, manter e divulgar os queijos de montanha
europeus”.
A diversificação do negócio está a ter
lugar através da abertura de uma casa de Turismo no Espaço Rural. Para além de
albergar os turistas, a Casa Matias
possibilita o contacto com a actividade pastorícia e com o processo de fabrico
de queijo.
J. Cadima Ribeiro
(Texto publicado no Diário do Minho, em 2007/06/25)
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