quinta-feira, novembro 29, 2018

Leiria e o Investimento Direto Estrangeiro (4ª parte)

(Continuação)


8 - O que precisaria a região de fazer para alterar atrair outro tipo de investimento? 
A região precisaria de ser capaz de ganhar muito maior audição junto do governo central e de ter uma postura ativa no processo de captação de investimento externo, conforme já mencionado. A primeira dimensão prende-se com a reivindicação de novas infraestruturas e melhoria das existentes, a começar pela linha férrea e material circulante mas, também, em constituir-se como parceiro da mesma entidade nacional do processo de captação desse investimento. A segunda dimensão liga-se com a promoção da imagem do território e a definição de uma estratégia de desenvolvimento onde haja espaço para o reforço produtivo do território pela via de captação de IDE que seja estruturante, isto é, que permita dar força às apostas que se pretenda fazer. Neste enquadramento, mais uma vez, será necessário garantir apoios públicos e reforçar a capacidade de oferta de mão-de-obra qualificada e alguma capacidade endógena de inovação.


9 - O facto de não existir cá uma universidade, mas apenas um politécnico, pode retrair a vinda de novos investidores?
O problema não é ter-se ou não se ter uma universidade. O problema é a qualidade e solidez da instituição de ensino superior de que se dispõe e a sua presença no terreno, na relação com os agentes económicos e sociais, para além das funcionalidades de que dispõe, nomeadamente na dimensão formação, investigação e prestação de serviços à comunidade. Ora, o Instituto Politécnico de Leiria é uma instituição relativamente recente, que encetou um processo de qualificação dos seus quadros datado de há menos tempo e que, por força de enquadramentos legais e financeiros, encetou o processo de criação de estruturas de investigação ainda há menos tempo. De tudo isso resultam as fragilidades que eu enunciava acima, que condicionam o contributo que pode dar ao sistema socio-produtivo local, quer na dimensão formação de quadros quer na da produção de inovações e prestação de serviços de que o sistema produtivo local possa tirar efetiva vantagem. Estas coisas tomam tempo e é preciso assumir isso sem complexos. Está criado espaço para que a instituição tenha no futuro um protagonismo muito mais relevante.  

J. Cadima Ribeiro

(Reprodução parcial de respostas dadas, em 2 de novembro de 2018, a questões formuladas pela jornalista do Jornal de Leiria, Lurdes Trindade, no contexto de um dossiê jornalístico que estava a elaborar)

segunda-feira, novembro 26, 2018

Leiria e o Investimento Direto Estrangeiro (3ª parte)

(Continuação)


6 - "Leiria nunca teve uma estratégia de desenvolvimento para atrair novos investimentos". São palavras de mais um empresário. Pelo que conhece, pelo que lê nos jornais, se assim for, poderá ser mais difícil atrair investimento estrangeiro?
Subscrevo a leitura de situação a que alude. Aparte a dotação de atributos, são precisos negociadores e porta-vozes para negociar projetos e incentivos para o território, desde logo, na frente interna, com o governo. Na captação de IDE em volumes relevantes, direta ou indiretamente, o governo nacional está presente. Por outro lado, quando um investidor externo equaciona fazer um investimento em Portugal, sobretudo se for uma entrada no país, ele olha em primeiro lugar para a atratividade do país e só depois o elemento diferencial que lhe pode ser dado por uma localização específica. Aí entra a capacidade de “lobby” e de negociação da “região”, que tem que ter protagonistas, sob pena de não contar para o jogo.

7 - Que outras razões encontra para a falta de atractividade de Leiria, apesar de existirem cá muito boas empresas, técnicos qualificados, alguns centros de investigação com qualidade...? 
Em expressão geral, a resposta já foi dada. Sublinho que, havendo capacidade empresarial, a Região de Leiria tem ficado aquém do desejável em matéria de construção de uma afirmação e liderança coletivas. Houve quem, no passado recente, tivesse ensaiado esse percurso (como foi o caso do empresário e dirigente associativo José Ribeiro Vieira, falecido prematuramente). O projeto está por cumprir, tal qual o projeto de criação de uma liderança política local/regional, necessariamente agregadora de vontades e interesses. Na componente investigação, estão apenas dados os primeiros passos e não sei se terão continuidade, isto é, se se mobilizarão os recursos, financeiros e humanos, para lhe dar dimensão crítica, isto é, para fazer dela peça relevante da estratégia de projeção do território a partir de produtos e serviços inovadores, gerados internamente.

(Continua)

(Reprodução parcial de respostas dadas, em 2 de novembro de 2018, a questões formuladas pela jornalista do Jornal de Leiria, Lurdes Trindade, no contexto de um dossiê jornalístico que estava a elaborar)

domingo, novembro 25, 2018

Leiria e o Investimento Direto Estrangeiro (2ª parte)

(Continuação)

3 - Alguns empresários já ouvidos pelo Jornal de Leiria dizem preferir pequenas empresas - mas boas - do que grandes grupos. O que pensa disso, numa região onde, de facto, tem existido menos desemprego que em outras zonas do País?
Se olharmos para o desempenho económico da NUT Região de Leiria nas últimas décadas, temos que concordar que não é descabida a consideração que fazem os empresários a que se refere. Olhando para os diversos índices de desempenho que foram divulgados, incluindo uma recente, da Marktest, tratando-se de competitividade, emprego, exportações, o território tem-se situado sempre nas posições cimeiras em termos nacionais. A questão que se pode colocar é se não poderia ter ido mais longe se algum grande grupo económico aí emergisse ou se sedeasse.
Note-se que a formação de grupos económicos não acontece como a mesma probabilidade em todos os setores. A essa luz, questiono-me se o tipo de especialização produtiva industrial do território (moldes, vidro, cerâmica, madeiras, plásticos) não será um óbice à instalação de tais projetos empresariais.

4 - Considera que, por exemplo, o facto de não existir uma boa ligação de comboio entre o aeroporto de Lisboa e a região (Marinha Grande e Leiria, por exemplo), poderá condicionar a vinda de um grande grupo para a região?
As infraestruturas são uma peça central da competitividade e da estratégia de localização de muitas empresas estrangeiras, sobretudo se visam o mercado internacional e/ou se a sua cadeia de produção depende em grande medida de fornecimentos externos. O comboio é e será cada vez mais instrumental nesse acesso aos mercados. Que a situação existente é má, isso é inquestionável. Sem comboio, com o aeroporto e o porto de mar a 120 km, o transporte fica refém da logística rodoviária. Comparativamente com outras regiões do país, por exemplo, Porto, Aveiro, Braga, para não falar de Lisboa, nas acessibilidades, Leiria/a região tem uma posição desfavorável.

5 - Também se fala da falta de massa crítica. Concorda? 
A massa crítica, seja pensada em termos de mão-de-obra altamente qualificada, de estruturas e capacidade de inovação, de capitais financeiros e arrojo empresarial, seja em termos de habilidade para construir plataformas de concertação empresarial e entre atores económicos e sociopolíticos, é um instrumento central na construção de estratégias mais ousadas e sólidas nos territórios. A chegada tardia e algo fragilizada do ensino superior ao território e o desenvolvimento muito recente de alguma capacidade de investigação, aparte a ausência de espírito associativo empresarial e inexistência de uma liderança política visível têm que ser presentes quando se olha para Leiria e se confrontam potencialidades e realizações concretas.

(Continua)

(Reprodução parcial de respostas dadas, em 2 de novembro de 2018, a questões formuladas pela jornalista do Jornal de Leiria, Lurdes Trindade, no contexto de um dossiê jornalístico que estava a elaborar)

sexta-feira, novembro 23, 2018

Leiria e o Investimento Direto Estrangeiro

[Caro Professor Doutor José Cadima Ribeiro,

Sou jornalista no Jornal de Leiria e estou a contactá-lo pois gostaríamos muito de obter a sua opinião relativamente a um tema que estamos a tratar.
O tema em questão prende-se com a ausência de grandes grupos empresariais na região de Leiria, como acontece, por exemplo, com a Bosh e a Continental Mabor, em Braga, a Amorim, a Prio e a Renault, em Aveiro, ou a Autoeuropa e a Repsol em Setúbal, entre outras. Independentemente de ser uma vantagem ter este tipo de investimento nas regiões, haverá certamente razões para a região de Leiria nunca os ter sabido atrair.]

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Questões/tópicos.

1 - Na sua opinião, quais poderão ser as causas desta ausência?
Como aspeto prévio à questão colocada da “ausência de grandes grupos empresariais na região”, tenho que fazer notar que o conceito de Distrito nunca foi adequado para caraterizar a realidade económica de Leiria, em sentido amplo, mesmo enquanto existiu como instância de coordenação político-administrativa. Do ponto de vista da dinâmica socioeconómica, o conceito de região funcional oferece-se muito mais adequado. A região funcional é aquela que é definida a partir da interação social (intensa) e das trocas económicas que subsistem num certo território. Nessa perspetiva, as NUTS III, neste caso, a atual NUT III Região de Leiria, é muito mais apropriada para falar da dinâmica económica do território que tem sede principal em Leiria.
A ausência de grupos económicos importantes e, sobretudo, de investimento direto estrangeiro (IDE) significativo, prender-se-á com um conjunto de fatores que usualmente estão associados à sua captação, que vão desde fatores produtivos em abundância e a “bom preço”, infraestruturas e equipamentos públicos de boa qualidade, incluindo aqueles que se prendem com o acesso aos mercados internacionais, disponibilidade de espaço infraestruturado e/ou incentivos fiscais e financeiros, existência de potencial de criação de uma rede de fornecedores e outros agentes sociais e políticos, entre outros.
Sem desvalorizar a existência de alguns projetos empresais importantes noutros territórios, note-se que o principal destino do Investimento Direto Estrangeiro que tem chegado a Portugal tem sido, sempre, Lisboa, isto é, a Área Metropolitana de Lisboa. Se quisermos inquirir o porquê disso, facilmente identificaremos um conjunto de atributos que tem que não é replicado por mais nenhum outro território no país.
No caso dos grupos empresariais de origem nacional, a localização das suas sedes e estabelecimentos decorre, a maior parte das vezes, de motivações pessoais.

2 - O que exigem dos territórios estes grandes grupos que, na generalidade, são multinacionais?
Na sua expressão geral, a resposta a esta questão foi dada acima. Se quisermos olhar para casos concretos, por exemplo, a Autoeuropa, sabe-se que a sua localização ficou ligada, particularmente, às infraestruturas portuárias e viárias existentes na área metropolitana de Lisboa (a empresa é uma das nossas principais exportadoras), a uma mão-de-obra qualificada e relativamente barata, com alguma tradição no setor ou afins, a fortes incentivos fiscais e financeiros associados à implementação da unidade e à formação dos seus ativos, ao potencial existente em termos de constituição de uma rede local de fornecedores. A proximidade face às instâncias de poder político e económico-financeiro pode também não ter sido despicienda.
No caso da Bosh, em Braga, esta aproveitou a existência anterior de um complexo ligado às indústrias eletrónicas, onde se sedeou em termos físicos, e a uma reserva de mão-de-obra igualmente associada a esse complexo industrial, tira proveito da formação técnico-científica assegurada pela Universidade do Minho, nomeadamente nos domínios da informática e da engenharia de sistemas, e beneficia igualmente da proximidade física ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, na Maia, a 40 km de distância. Obviamente, os custos do trabalho (relativamente baixos) não serão um fator que o grupo tenha desvalorizado.
O caso da Continental, em Famalicão, Braga, não é muito diferente do da Bosch, posto que a Continental adquiriu e dei continuidade a um projeto empresarial pré-existente, que era a Mabor (produção de pneus). 

(Continua)


(Reprodução parcial de respostas dadas, em 2 de novembro de 2018, a questões formuladas pela jornalista do Jornal de Leiria, Lurdes Trindade, no contexto de um dossiê jornalístico que estava a elaborar)

quarta-feira, novembro 21, 2018

26th APDR Congress, 4-5 July 2019, Aveiro, Portugal


«Call for Papers and Special Session Proposals
It is our pleasure to announce the 26th APDR Congress, to be held at the University of Aveiro, Aveiro, Portugal, from July 4 to July 5, 2019.
Theme of the Conference:
Evidence-based territorial policymaking: formulation, implementation and evaluation of policy
The call for papers and Special Session Proposals are open and your participation is very welcome!
Themes of specific interest are:
RS01 - (Big) Data for regional science
RS02 - Agglomeration, clustering, and networking
RS03 - Climate change mitigation and adaptation
RS04 - Decision Support Systems
RS05 - Education and health
RS06 - Energy and environmental economics
RS07 - Financing of economic growth
RS08 - Geographic Information Systems and location modelling
RS09 - Governance and public policy
RS10 - Housing, rehabilitation and real estate
RS11 - Information and communication technology in regional sciences
RS12 - Infrastructure, transportation and accessibility
RS13 - Innovation, entrepreneurship and regional development
RS14 - Low density regions and development
RS15 - Models and methods in regional science
RS16 - Natural environment, resources and rural development
RS17 - Population, migration and labour markets
RS18 - Qualitative analysis in regional science
RS19 - Quality of life, wellbeing and happiness
RS20 - Regional and local development policies
RS21 - Regional resilience and crisis
RS22 - Services, tourism and culture
RS23 - Social innovation, integration, poverty and exclusion
RS24 - Spatial econometrics
RS25 - Sports and regional development
RS26 - Systems and General Interest Services: education, health
RS27 - Territorial Cohesion and asymmetries
RS28 - Theory in regional science
Deadline for Special Session proposals: February 29, 2019. Proposals should be sent by email to the secretariat of the Congress (apdr@apdr.pt).
Deadline for Abstracts submissions: April 16, 2019. Abstracts should be submitted electronically, using the platform available on the Conference website:https://events.digitalpapers.org/apdr2019  
All information at the congress website: http://www.apdr.pt/congresso/2019  
Looking forward to meeting you in Aveiro!
The Organizing Committee and the Board of APDR
26th APDR Congress »

(reprodução de mensagem que me caiu há poucos dias na caixa de correio eletrónico)

segunda-feira, novembro 19, 2018

“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático” (3ª parte)

(Continuação)

3.  Notícias de imprensa que informam sobre a reação dos municípios à implementação da Lei nº 50/2018
No período subsequente à aprovação da Lei da descentralização, os jornais foram dando notícia de variadas tomadas de posição dos municípios e de agentes políticos diversos sobre esta. Algumas das tomadas de posição surgiram no contexto formal e temporal estabelecido pela dita Lei no que se refere à vontade/disponibilidade para assumirem as competências a delegar já no ano de 2019.
Um exemplo disso foi o da Câmara Municipal de Cantanhede, que deliberou, por unanimidade, que no ano de 2019 não pretendia a transferência das competências previstas na lei. Como razões, invocou “a grande complexidade do processo e a falta de condições para a sua implementação” (notícia do jornal Campeão das Provincías, de 7 de novembro de 2018). A tomada de posição do executivo camarário, a referendar na Assembleia Municipal, aduzia as “repercussões […] imprevisíveis para as autarquias locais” da respetiva implementação, o que, em parte, pelo menos, se prendia com conhecerem-se “em detalhe os diplomas sectoriais de cada uma das áreas contempladas no processo de descentralização”.
Fazia-se, igualmente, menção ao facto de “não estar ainda constituída a comissão de acompanhamento da descentralização, com representantes dos grupos parlamentares, do Governo, da ANMP e da ANAFRE, cuja missão será avaliar a adequabilidade dos recursos financeiros de cada área de competências a transferir”. Adicionalmente, em menção expressa a algumas áreas, “a saúde e a educação“, “pela sua enorme relevância social”, sublinhava-se que era preciso “conhecer muito bem as implicações da transferência de competências” (notícia do jornal Campeão das Provincías, de 7 de novembro de 2018).
A invocação com algum detalhe desta tomada de posição sugere-se-me pertinente porque, por um lado, ela faz presente a complexidade do processo de reforma da organização do Estado que está em causa e, por outro, deixa patente que o alcance dessa reforma é devedora de diplomas regulamentares setoriais, que estavam por publicar na ocasião em que os municípios eram supostos fazer uma primeira tomada de posição sobre a implementação da lei; e, finalmente, denuncia alguma precipitação na aprovação da lei e definição de prazos de aplicação. Porque é que tal sucedeu deste modo, tratando-se de uma reforma com esta dimensão, escapa-me.
A dita invocação, do caso de Cantanhede, digo, justifica-se também porque, consultando as notícias sobre outras tomadas de posição, percebe-se que as questões de fundo são recorrentes e, portanto, não resultam, necessariamente, de disputas ou afirmações político/partidárias, o que não quer dizer que os termos ou as circunstâncias em que aconteceram não tenham essas dimensões presentes.
No mesmo sentido de adiar a assunção imediata das novas competências previstas na Lei n.º 50/2018, de 16 de Agosto, pronunciou-se a Assembleia Municipal de Loures, outro tanto tendo acontecido com Benavente, Cuba, Évora, Grândola, Montemor-o-Novo, Monforte, Mora, Moita, Palmela, Vidigueira, Santiago do Cacém, Alcácer do Sal, Alpiarça, Alvito, Arraiolos, Avis, Seixal, Sesimbra, Serpa, Setúbal, Silves, Sobral de Monte Agraço, Vila Viçosa, Espinho, Maia, Porto, Santa Maria da Feira, Vila do Conte e Beja, conforme foi divulgado em vários órgãos de informação. Esta listagem não pretende ser exaustiva. Suporta-se na informação noticiosa a que acedi no contexto da pesquisa efetuada. Na verdade, em termos formais, 31 municípios pronunciaram-se negativamente no que respeita à disponibilidade para assumirem já em 2019 as competências a delegar pela administração central.
Noutros casos, há notícias de tomadas de posição de forças políticas locais reclamando debates sérios sobre a matéria nas sedes próprias municipais, como foi o caso de Lagos e de Faro, por exemplo.
Como disse, o apanhado não pretende, de modo algum, ser exaustivo mas, tão só, sublinhar a controvérsia gerada em torno da Lei nº 50/2018, ou melhor, sobretudo da sua implementação a muito curto prazo e as consequências disso decorrentes. A esse propósito, foram muitos os interpelantes que fizeram questão de sublinhar que a sua tomada de posição não pretendia pôr em causa a defesa da descentralização mas, antes, visava alertar para a necessidade de se reunirem as condições mínimas para que o processo de transferência pudesse ser assumido de forma eficaz, transparente e responsável por todas as entidades envolvidas, ao invés de “um salto no escuro”. 

Nota final
Um processo com a complexidade e exigência deste suscitaria sempre controvérsia e preocupação, para além de espetativa e esperança pelo seu potencial contributo para a melhoria do serviço público prestado à população e de reforço da democraticidade do exercício do poder. Num tempo em que se fala tanto de reforma do Estado (ou, pelo menos, de reformas estruturais), esta é ou pode ser, de facto, uma reforma no sentido por excelência da expressão.
Mantendo embora isso presente, tenho dificuldade em entender a precipitação com que o processo foi conduzido, que vai desde o tempo e o modo de produção da Lei, ao calendário da sua implementação e ao seu desenho concreto, onde, manifestamente, falta a dimensão intermédia (a regionalização) e todo o acento fica colocado no nível municipal. Este, com sublinhei, tem falta de escala e, noutra dimensão, de competências para, de um ano para o outro, ser protagonista de um Estado descentralizado. Curioso é que o modelo de Estado descentralizado que se propõe seja descendente direto de um Estado altamente centralizado e concentrado.
Fazendo mea culpa, o próprio governo, na pessoa do Ministro da Administração Interna, admitiu em meados de agosto que iria ser dado mais tempo às autarquias para decidirem o grau de envolvimento que queriam assumir no ano de 2019 no âmbito do processo de descentralização (conforme notícia de ECO - Economia online, de 17 de agosto de 2018), mesmo porque os diplomas de âmbito setorial, que definirão, em concreto, o processo de transferência em causa para dar eficácia às decisões reclamadas dos municípios até 15 de setembro deste ano estariam por produzir.

domingo, novembro 18, 2018

“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático” (2ª parte)

(Continuação)

2.       A descentralização consagrada na Lei nº 50/2018
Sem ambiguidade, a Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, estabelece no seu artigo 1º que as transferências de competências que estão em causa se fazem em favor das “autarquias locais” e das “entidades intermunicipais”, que nesta altura são as comunidades intermunicipais existentes e as áreas metropolitanas (Lisboa e Porto) [artigo 42º].
Também se diz (artigo 3º) que a “transferência das competências tem caráter universal” e que essa transferência “se pode fazer de forma gradual até 1 de janeiro de 2021”, sendo que o processo de transferência é suposto iniciar-se já em 2019 (artigo 4º), estabelecendo-se um prazo (já ultrapassado) para que “as autarquias e comunidades intermunicipais que não pretendam a transferência das competências no ano de 2019” comuniquem essa decisão à Direção-Geral das Autarquias Locais (artigo 4º). O mesmo se estabelece para o ano de 2020. 
O artigo 5º refere-se ao “Financiamento das novas competências”, dando indicação de paralelismo entre competências transferidas e o acréscimo de recursos disponibilizar a favor das entidades que assumam as novas competências, se bem que “a natureza e forma de afetação dos respetivos recursos” sejam “concretizados através de diplomas legais de âmbito setorial” (artigo 4º), daí, gerando naturais hesitações e receios da parte das entidades a quem serão afetadas as novas competências e atribuições. Naturalmente, dado o carater muito recente e porventura algo precipitado no tempo de produção da Lei nº 50/2018, à presente data, quase nenhum desses diplomas reguladores foi ainda produzido. Se não estou em erro, acabou de ser publicado o primeiro desses diplomas: o que se refere à Educação.
As competências descentralizadas são extensas e exigentes, a maioria delas, indo da Educação, à Ação Social, Saúde, Proteção Civil, Cultura, Património, Habitação, Áreas Portuárias e áreas Urbanas de Desenvolvimento Turístico, Praias Marítimas e Fluviais, à Informação Cadastral, Transportes e Comunicações, Estruturas de Atendimento dos Cidadãos, Policiamento de Proximidade, Proteção e Saúde Animal, Segurança de Alimentos e Segurança Contra Incêndios, Estacionamento Público, Jogos de Fortuna e Azar.
É uma enorme revolução na organização do Estado o que está em jogo. Daí as perplexidades e as dúvidas que se têm vindo a levantar. De muito pouco descentralizado e desconcentrado, o país (refirmo-me à parte continental), descentraliza-se agora “tudo”, e “tudo” para instâncias administrativas da base, não se fazendo referência a instâncias intermédias, ainda que consagradas na Constituição da República.
Obviamente, aparte os recursos financeiros, em muitas destes domínios as entidades “beneficiárias” da descentralização não têm quaisquer competências técnicas, nem recursos humanos, embora em relação a estes se assuma também o princípio da respetiva transferência (artigo 8º) da administração central, igualmente dependente de diplomas legais de âmbito setorial. A Lei 50/2018, também assume que esse novo quadro de competências e obrigações obrigará à própria reorganização dos serviços das autarquias locais, bem como do estatuto do seu pessoal dirigente (artigo 8º).
Cabe aqui assinalar que a entidade sobre que incide o essencial do processo de descentralização que se pretende encetar é a autarquia local (Município), tendo as Comunidades Intermunicipais um papel subsidiário. Para estas, estão previstas competências nas áreas da Educação, Ação Social, Saúde, Proteção Civil, Justiça, Promoção Turística, Gestão de Portos e da Rede Hidrográfica, para além da  Gestão de Projetos Financiados com Fundos Europeus e Programas de Captação de  Investimento. Ainda assim, e consistentemente, a intervenção dessas entidades acontece em quadros supramunicipais ou de rede de serviços e equipamentos afetos aos territórios da jurisdição da comunidade intermunicipal.
Este papel secundário das comunidades intermunicipais, se se compreende em razão de não serem entidades com órgãos diretamente eleitos e, portanto, legitimados politicamente de forma direta, coloca problemas relevantes na sua eficácia e no papel de coordenação que deveriam assumir quando estão em causa a gestão de redes ou de equipamentos que exigem escalas de atuação supramunicipais para serem eficientes. Daí que se possa questionar se a lógica não resulta invertida, isto é, primeiro importaria equacionar a componente rede e estruturas supramunicipais e só depois a dotação e gestão à escala municipal.
Na ausência de estrutura intermédia, isto é, regional, percebe-se que seja atribuído às comunidades intermunicipais tal papel de coordenação, planeamento e gestão de recursos, embora, em muitos casos, essa escala resulte desadequada (sub-dimensionada) e, como sublinhado, falha de legitimidade política direta e, daí, dependente da capacidade de concertação interna dos municípios participantes. É melhor do que nada, obviamente.
O artigo 38º da Lei nº50/2018 estabelece as competências que são atribuídas às Freguesias e o artigo 39º as competências que podem ser transferidas ou delegadas pelos municípios. Dentro do princípio geral da subsidiariedade e na perspetiva da relação com o cidadão, não parece que se possam levantar grandes questões no que se refere a esta dimensão da Lei.


(Continua)

sábado, novembro 17, 2018

“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático” (1ª parte)

Associação Intervenção Democrática – ID
Debate
“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático”
Hotel Roma, Lisboa, 17 de Novembro de 2018.

J. Cadima Ribeiro
NIPE, Universidade do Minho, Braga

A intervenção que farei sobre a problemática em debate estrutura-se do seguinte modo: numa primeira parte, farei algumas considerações sobre os princípios e motivação das políticas de descentralização de poderes/competências; referir-me-ei de seguida, brevemente, à Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, e enunciarei algumas preocupações de ordem geral que o diploma legal me suscita; na última parte, darei notícia de um levantamento sumário de notícias de imprensa que informam sobre a reação tida por diversos municípios à respetiva implementação imediata, e razões invocadas. De permeio, farei algumas considerações sobre a vontade e eficácia potencial do modelo de descentralizado adotado.

1.       Princípios e motivação das políticas de descentralização
Estando em causa um qualquer processo de descentralização político-administrativa, antes que se considerem as propostas concretas que estejam em cima da mesa, importa que se faça presente que existem diferentes razões e intenções que lhe podem estar subjacentes. Assim, é comum identificar três visões; a saber: a ´orgânica`; a ´funcionalista`; e a ´vitalista`. A escolha de um ou outro destes modelos de descentralização, ou de soluções de compromisso entre eles, tem particular acuidade quando estamos perante processos de regionalização, propriamente ditos, mas oferece-se-me relevante invocá-los mesmo no presente contexto.
Na visão orgânica, a partição geográfica de competências, isto é, a delegação de poder, pretende assegurar a permanência e a viabilidade da organização. Não interessa, deste ponto de vista, que a solução vá ao encontro das aspirações e do espaço natural de afirmação das comunidades existentes. Numa perspetiva de controlo político e/ou administrativo, pode mesmo pretender-se que isso não aconteça.
Na visão ´funcionalista`, a partição do poder procura fundamento na geografia dos recursos e atividades, e dos obstáculos físicos (naturais, acessibilidades, etc.). Trata-se de promover uma solução de organização territorial do poder que tire partido dos recursos e atividades para reforçar a eficiência do seu desempenho e, porventura, desenvolver ações corretores das desfuncionalidades e ineficiências socioeconómicas existentes.
A descentralização informada pela visão ´vitalista` funda-se na própria ideia de comunidade humana, isto é, procura estabelecer soluções de devolução de poder que coincidam com o sentimento de pertença (identidade) das comunidades estabelecidas. Nessa perspetiva, a identidade/coesão social é concebida como um instrumento essencial da mobilização dos agentes presentes no espaço geográfico de exercício do poder definido e, logo, de sucesso da própria solução político/administrativa adotada.
Quer dizer, sendo os processos de descentralização de poderes peças de estratégias de gestão dos territórios e dos países que jogam com
i)                   dimensões políticas (devolução do poder aos territórios/comunidades locais ou regionais, isto é, aproximação do poder dos cidadãos),
ii)                 dimensões económicas (conferir capacidade de gestão aos territórios que lhe otimizem o desempenho e/ou viabilizem intervenções corretoras de disfuncionalidades que questionam a respetiva eficiência socioeconómica), e
iii)               dimensões socioculturais (que permitam exercícios do poder coincidentes com a identidade histórico-cultural das comunidades, e, logo, também uma cidadania baseada em sentimentos de pertença),
os modelos que se possam adotar em cada caso podem fazer toda a diferença na adesão que possam suscitar por parte dos agentes presentes nos territórios (incluindo as populações, em geral) e na eficácia que daí possa derivar em matéria de gestão de recursos, capacidade de concertação interna de atores de diferentes áreas de atuação, mobilização das comunidades locais/regionais, e de identificação dos eleitores com os eleitos.
Obviamente, estando em causa uma descentralização para o nível local ou sub-regional, algumas destas dimensões poderão afigurar-se despiciendas, nomeadamente as que se referem à identidade das comunidades e à proximidade/identificação entre eleitores e eleitos, em geral. Noutras escalas (regional/supramunicipal), essas preocupações podem ter maior razão de ser.
Por contrapartida, havendo condicionantes tecnológicos e escalas críticas de dimensionamento de infraestruturas e equipamentos e respetiva gestão, sendo que muitos delas servem territórios mais vastos que os municípios que temos, a descentralização de base municipal só pode resultar insatisfatória, isto é, ineficiente do ponto de vista social e económico.


(Continua)

sábado, novembro 10, 2018

IX Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento Regional: Santa Cruz do Sul, Brasil






















Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional - UNISC
(51) 3717-7392 - www.unisc.br/ppgdr