2.
A descentralização consagrada na Lei nº 50/2018
Sem ambiguidade, a Lei nº 50/2018, de 16 de agosto,
estabelece no seu artigo 1º que as transferências de competências que estão em
causa se fazem em favor das “autarquias locais” e das “entidades
intermunicipais”, que nesta altura são as comunidades intermunicipais existentes
e as áreas metropolitanas (Lisboa e Porto) [artigo 42º].
Também se diz (artigo 3º) que a “transferência das competências tem
caráter universal” e que essa transferência “se pode fazer de forma gradual até
1 de janeiro de 2021”, sendo que o processo de transferência é suposto
iniciar-se já em 2019 (artigo 4º), estabelecendo-se um prazo (já ultrapassado)
para que “as autarquias e comunidades intermunicipais que não pretendam a
transferência das competências no ano de 2019” comuniquem essa decisão à
Direção-Geral das Autarquias Locais (artigo 4º). O mesmo se estabelece para o
ano de 2020.
O artigo 5º refere-se ao “Financiamento das novas competências”, dando
indicação de paralelismo entre competências transferidas e o acréscimo de
recursos disponibilizar a favor das entidades que assumam as novas
competências, se bem que “a natureza e forma de afetação dos respetivos
recursos” sejam “concretizados através de diplomas legais de âmbito setorial”
(artigo 4º), daí, gerando naturais hesitações e receios da parte das entidades
a quem serão afetadas as novas competências e atribuições. Naturalmente, dado o
carater muito recente e porventura algo precipitado no tempo de produção da Lei
nº 50/2018, à presente data, quase nenhum desses diplomas reguladores foi ainda
produzido. Se não estou em erro, acabou de ser publicado o primeiro desses
diplomas: o que se refere à Educação.
As competências descentralizadas são extensas e exigentes, a maioria
delas, indo da Educação, à Ação Social, Saúde, Proteção Civil, Cultura,
Património, Habitação, Áreas Portuárias e áreas Urbanas de Desenvolvimento
Turístico, Praias Marítimas e Fluviais, à Informação Cadastral, Transportes e
Comunicações, Estruturas de Atendimento dos Cidadãos, Policiamento de
Proximidade, Proteção e Saúde Animal, Segurança de Alimentos e Segurança Contra
Incêndios, Estacionamento Público, Jogos de Fortuna e Azar.
É uma enorme revolução na organização do Estado o que está em jogo. Daí
as perplexidades e as dúvidas que se têm vindo a levantar. De muito pouco descentralizado
e desconcentrado, o país (refirmo-me à parte continental), descentraliza-se
agora “tudo”, e “tudo” para instâncias administrativas da base, não se fazendo
referência a instâncias intermédias, ainda que consagradas na Constituição da
República.
Obviamente, aparte os recursos financeiros, em muitas destes domínios as
entidades “beneficiárias” da descentralização não têm quaisquer competências
técnicas, nem recursos humanos, embora em relação a estes se assuma também o
princípio da respetiva transferência (artigo 8º) da administração central,
igualmente dependente de diplomas legais de âmbito setorial. A Lei 50/2018,
também assume que esse novo quadro de competências e obrigações obrigará à
própria reorganização dos serviços das autarquias locais, bem como do estatuto
do seu pessoal dirigente (artigo 8º).
Cabe aqui assinalar que a entidade sobre que incide o essencial do
processo de descentralização que se pretende encetar é a autarquia local
(Município), tendo as Comunidades Intermunicipais um papel subsidiário. Para
estas, estão previstas competências nas áreas da Educação, Ação Social, Saúde,
Proteção Civil, Justiça, Promoção Turística, Gestão de Portos e da Rede
Hidrográfica, para além da Gestão de
Projetos Financiados com Fundos Europeus e Programas de Captação de Investimento. Ainda assim, e
consistentemente, a intervenção dessas entidades acontece em quadros supramunicipais
ou de rede de serviços e equipamentos afetos aos territórios da jurisdição da
comunidade intermunicipal.
Este papel secundário das comunidades intermunicipais, se se compreende
em razão de não serem entidades com órgãos diretamente eleitos e, portanto,
legitimados politicamente de forma direta, coloca problemas relevantes na sua
eficácia e no papel de coordenação que deveriam assumir quando estão em causa a
gestão de redes ou de equipamentos que exigem escalas de atuação
supramunicipais para serem eficientes. Daí que se possa questionar se a lógica
não resulta invertida, isto é, primeiro importaria equacionar a componente rede
e estruturas supramunicipais e só depois a dotação e gestão à escala municipal.
Na ausência de estrutura intermédia, isto é, regional, percebe-se que
seja atribuído às comunidades intermunicipais tal papel de coordenação,
planeamento e gestão de recursos, embora, em muitos casos, essa escala resulte
desadequada (sub-dimensionada) e, como sublinhado, falha de legitimidade
política direta e, daí, dependente da capacidade de concertação interna dos
municípios participantes. É melhor do que nada, obviamente.
O artigo 38º da Lei nº50/2018 estabelece as competências que são
atribuídas às Freguesias e o artigo 39º as competências que podem ser
transferidas ou delegadas pelos municípios. Dentro do princípio geral da
subsidiariedade e na perspetiva da relação com o cidadão, não parece que se
possam levantar grandes questões no que se refere a esta dimensão da Lei.
(Continua)
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