sábado, novembro 17, 2018

“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático” (1ª parte)

Associação Intervenção Democrática – ID
Debate
“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático”
Hotel Roma, Lisboa, 17 de Novembro de 2018.

J. Cadima Ribeiro
NIPE, Universidade do Minho, Braga

A intervenção que farei sobre a problemática em debate estrutura-se do seguinte modo: numa primeira parte, farei algumas considerações sobre os princípios e motivação das políticas de descentralização de poderes/competências; referir-me-ei de seguida, brevemente, à Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, e enunciarei algumas preocupações de ordem geral que o diploma legal me suscita; na última parte, darei notícia de um levantamento sumário de notícias de imprensa que informam sobre a reação tida por diversos municípios à respetiva implementação imediata, e razões invocadas. De permeio, farei algumas considerações sobre a vontade e eficácia potencial do modelo de descentralizado adotado.

1.       Princípios e motivação das políticas de descentralização
Estando em causa um qualquer processo de descentralização político-administrativa, antes que se considerem as propostas concretas que estejam em cima da mesa, importa que se faça presente que existem diferentes razões e intenções que lhe podem estar subjacentes. Assim, é comum identificar três visões; a saber: a ´orgânica`; a ´funcionalista`; e a ´vitalista`. A escolha de um ou outro destes modelos de descentralização, ou de soluções de compromisso entre eles, tem particular acuidade quando estamos perante processos de regionalização, propriamente ditos, mas oferece-se-me relevante invocá-los mesmo no presente contexto.
Na visão orgânica, a partição geográfica de competências, isto é, a delegação de poder, pretende assegurar a permanência e a viabilidade da organização. Não interessa, deste ponto de vista, que a solução vá ao encontro das aspirações e do espaço natural de afirmação das comunidades existentes. Numa perspetiva de controlo político e/ou administrativo, pode mesmo pretender-se que isso não aconteça.
Na visão ´funcionalista`, a partição do poder procura fundamento na geografia dos recursos e atividades, e dos obstáculos físicos (naturais, acessibilidades, etc.). Trata-se de promover uma solução de organização territorial do poder que tire partido dos recursos e atividades para reforçar a eficiência do seu desempenho e, porventura, desenvolver ações corretores das desfuncionalidades e ineficiências socioeconómicas existentes.
A descentralização informada pela visão ´vitalista` funda-se na própria ideia de comunidade humana, isto é, procura estabelecer soluções de devolução de poder que coincidam com o sentimento de pertença (identidade) das comunidades estabelecidas. Nessa perspetiva, a identidade/coesão social é concebida como um instrumento essencial da mobilização dos agentes presentes no espaço geográfico de exercício do poder definido e, logo, de sucesso da própria solução político/administrativa adotada.
Quer dizer, sendo os processos de descentralização de poderes peças de estratégias de gestão dos territórios e dos países que jogam com
i)                   dimensões políticas (devolução do poder aos territórios/comunidades locais ou regionais, isto é, aproximação do poder dos cidadãos),
ii)                 dimensões económicas (conferir capacidade de gestão aos territórios que lhe otimizem o desempenho e/ou viabilizem intervenções corretoras de disfuncionalidades que questionam a respetiva eficiência socioeconómica), e
iii)               dimensões socioculturais (que permitam exercícios do poder coincidentes com a identidade histórico-cultural das comunidades, e, logo, também uma cidadania baseada em sentimentos de pertença),
os modelos que se possam adotar em cada caso podem fazer toda a diferença na adesão que possam suscitar por parte dos agentes presentes nos territórios (incluindo as populações, em geral) e na eficácia que daí possa derivar em matéria de gestão de recursos, capacidade de concertação interna de atores de diferentes áreas de atuação, mobilização das comunidades locais/regionais, e de identificação dos eleitores com os eleitos.
Obviamente, estando em causa uma descentralização para o nível local ou sub-regional, algumas destas dimensões poderão afigurar-se despiciendas, nomeadamente as que se referem à identidade das comunidades e à proximidade/identificação entre eleitores e eleitos, em geral. Noutras escalas (regional/supramunicipal), essas preocupações podem ter maior razão de ser.
Por contrapartida, havendo condicionantes tecnológicos e escalas críticas de dimensionamento de infraestruturas e equipamentos e respetiva gestão, sendo que muitos delas servem territórios mais vastos que os municípios que temos, a descentralização de base municipal só pode resultar insatisfatória, isto é, ineficiente do ponto de vista social e económico.


(Continua)

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