Associação Intervenção Democrática – ID
Debate
“Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder
Local Democrático”
Hotel Roma, Lisboa, 17 de Novembro de 2018.
J. Cadima Ribeiro
NIPE, Universidade do Minho, Braga
A intervenção que farei sobre a problemática em debate estrutura-se do
seguinte modo: numa primeira parte, farei algumas considerações sobre os
princípios e motivação das políticas de descentralização de
poderes/competências; referir-me-ei de seguida, brevemente, à Lei nº 50/2018,
de 16 de agosto, e enunciarei algumas preocupações de ordem geral que o diploma
legal me suscita; na última parte, darei notícia de um levantamento sumário de
notícias de imprensa que informam sobre a reação tida por diversos municípios à
respetiva implementação imediata, e razões invocadas. De permeio, farei algumas
considerações sobre a vontade e eficácia potencial do modelo de descentralizado
adotado.
1.
Princípios e motivação das políticas de
descentralização
Estando em causa um
qualquer processo de descentralização político-administrativa, antes que se
considerem as propostas concretas que estejam em cima da mesa, importa que se
faça presente que existem diferentes razões e intenções que lhe podem estar
subjacentes. Assim, é comum identificar três visões; a saber: a ´orgânica`; a
´funcionalista`; e a ´vitalista`. A escolha de um ou outro destes modelos de
descentralização, ou de soluções de compromisso entre eles, tem particular
acuidade quando estamos perante processos de regionalização, propriamente
ditos, mas oferece-se-me relevante invocá-los mesmo no presente contexto.
Na visão orgânica, a
partição geográfica de competências, isto é, a delegação de poder, pretende
assegurar a permanência e a viabilidade da organização. Não interessa, deste
ponto de vista, que a solução vá ao encontro das aspirações e do espaço natural
de afirmação das comunidades existentes. Numa perspetiva de controlo político e/ou
administrativo, pode mesmo pretender-se que isso não aconteça.
Na visão ´funcionalista`,
a partição do poder procura fundamento na geografia dos recursos e atividades,
e dos obstáculos físicos (naturais, acessibilidades, etc.). Trata-se de
promover uma solução de organização territorial do poder que tire partido dos
recursos e atividades para reforçar a eficiência do seu desempenho e,
porventura, desenvolver ações corretores das desfuncionalidades e ineficiências
socioeconómicas existentes.
A descentralização
informada pela visão ´vitalista` funda-se na própria ideia de comunidade
humana, isto é, procura estabelecer soluções de devolução de poder que
coincidam com o sentimento de pertença (identidade) das comunidades
estabelecidas. Nessa perspetiva, a identidade/coesão social é concebida como um
instrumento essencial da mobilização dos agentes presentes no espaço geográfico
de exercício do poder definido e, logo, de sucesso da própria solução
político/administrativa adotada.
Quer dizer, sendo os
processos de descentralização de poderes peças de estratégias de gestão dos
territórios e dos países que jogam com
i)
dimensões políticas (devolução do poder
aos territórios/comunidades locais ou regionais, isto é, aproximação do poder
dos cidadãos),
ii)
dimensões
económicas (conferir capacidade de gestão aos territórios que lhe otimizem o
desempenho e/ou viabilizem intervenções corretoras de disfuncionalidades que
questionam a respetiva eficiência socioeconómica), e
iii)
dimensões
socioculturais (que permitam exercícios do poder coincidentes com a identidade
histórico-cultural das comunidades, e, logo, também uma cidadania baseada em sentimentos
de pertença),
os
modelos que se possam adotar em cada caso podem fazer toda a diferença na
adesão que possam suscitar por parte dos agentes presentes nos territórios
(incluindo as populações, em geral) e na eficácia que daí possa derivar em
matéria de gestão de recursos, capacidade de concertação interna de atores de
diferentes áreas de atuação, mobilização das comunidades locais/regionais, e de
identificação dos eleitores com os eleitos.
Obviamente, estando em
causa uma descentralização para o nível local ou sub-regional, algumas destas
dimensões poderão afigurar-se despiciendas, nomeadamente as que se referem à
identidade das comunidades e à proximidade/identificação entre eleitores e
eleitos, em geral. Noutras escalas (regional/supramunicipal), essas
preocupações podem ter maior razão de ser.
Por contrapartida,
havendo condicionantes tecnológicos e escalas críticas de dimensionamento de
infraestruturas e equipamentos e respetiva gestão, sendo que muitos delas
servem territórios mais vastos que os municípios que temos, a descentralização
de base municipal só pode resultar insatisfatória, isto é, ineficiente do ponto
de vista social e económico.
(Continua)
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