domingo, maio 24, 2020

Turismo cultural durante e pós COVID-19: sinergias entre patrimónios para a retoma do setor

Se a cultura é o cimento que liga as sociedades contemporâneas, podemos olhar, novamente, para este denominador comum para a retoma do setor do turismo, ainda que repensando e reposicionando certas práticas e ofertas.

No âmbito das políticas públicas para o turismo, o presente artigo pretende defender: i) os recursos endógenos de um território, na sua componente cultural e natural, como a matéria-prima para a construção de uma oferta diferenciadora capaz de reconquistar visitantes durante e após pandemia; ii) o reposicionamento, diversificação e comunicação de uma oferta turística que atenda às necessidades das populações e visitantes afetados pelo confinamento físico e psicológico.

O conceito de património natural está assimilado entre nós, mas é importante relembrá-lo para percebermos o seu potencial no contexto da pandemia que vivemos. A UNESCO definiu-o, tendo sido integrado, nacionalmente, através do Decreto n.º 49/79, de 6 de Junho de 1979, com a seguinte redação: (...) «Les sites naturels ou les zones naturelles strictement délimitées, qui ont une valeur universelle exceptionnelle du point de vue de la science, de la conservation ou de la beauté naturelle»[1].


Figura 1 – Lagoa do Fogo, Ilha de S. Miguel

Uma estratégia de desenvolvimento económico assente na construção de sinergias entre os recursos culturais e a prática turística pode ser, novamente, chamada a construir soluções para atrair as populações e visitantes receosos, mas também cansados do isolamento, para o usufruto dos recursos de um território.

A Estratégica Turismo 2027, do Turismo de Portugal, é muito clara ao enumerar os recursos diferenciadores de que dispomos. No entanto, nos tempos em que vivemos temos de rapidamente repensar a nossa oferta e a forma como ela é disponibilizada por forma a garantir condições de segurança sanitária, fundamentais à recuperação da confiança. Nesse sentido, a recente criação do selo “Clean & Safe” pelo Turismo de Portugal é uma iniciativa fundamental para ajudar o setor a recuperar clientes, promovendo a confiança. A ideia é, obviamente, «promover Portugal como destino seguro do ponto de vista de cuidados com a propagação do vírus».[2], mas não é suficiente. Acresce, também, a necessidade de se repensar a estratégia nacional para o turismo. Olhar, por exemplo, para os recursos do património natural como uma oportunidade e uma solução para o relançamento do setor turístico, pelas condições de segurança que oferece e por envolver atividades não confinadas a espaços fechados.

Do ponto de vista da oferta, é também fundamental repensar os nossos produtos e a nossa comunicação cultural a partir destas ideias: i) apostar na promoção do património natural como alternativa na oferta turística, pois representa baixos riscos de contaminação e a gestão de grupos é mais fácil; ii) fomentar o turismo em territórios de baixa densidade populacional (e por isso mais seguros, tal com os números da DGS atestam); iii) desenhar pacotes de turismo cultural direcionados ao segmento “famílias” que tendo, muito provavelmente, passado o confinamento juntos, sentir-se-ão seguros para viajarem em grupo e ao segmento LGBT, que pelo seu perfil de viajante frequente e fortemente atraído pela cultura dos outros países, serão dos primeiros a viajar; iv) na comunicação da oferta cultural temos a oportunidade, talvez irrepetível, de reposicionar esta área como uma excelente forma de “entretenimento” para as famílias, por oposição à ideia de conhecimento obrigatório (pouco atrativo para os mais novos), uma vez que as opções clássicas, como os parques de diversão, arenas futebolísticas, etc., estão fortemente condicionadas no acesso, conquistando os tão necessários públicos para o setor.

A estas atividades podem ser associadas outras ofertas e serviços, como é o caso das termas, dos SPA e práticas de bem-estar. Portugal, pela oferta de que dispõe nestas áreas, pode estruturar pacotes que conjuguem o turismo cultural, o natural e o do bem-estar para atrair as populações e os visitantes ansiosos por recuperarem do período de confinamento de uma forma holística. A provar esta oportunidade está um recente artigo da seção Fugas, do jornal Público, onde se reporta que no topo das escolhas de destino estão as praias e os espaços ao ar livre e, quanto aos locais, surgem os Açores e a Serra da Arrábida[3]. São invocadas razões como a perceção de segurança, as paisagens singulares, a imersão na natureza, a riqueza vegetal e possuirmos algumas das mais bonitas praias da Europa.

Com a imprevisibilidade da duração da COVID-19, o país pode usar esse tempo para se promover como um destino socialmente consciente e responsável. Esta estratégia e posicionamento pode ajudar à recuperação de empregos perdidos (e à criação de novos) e a impulsionar as áreas satélite da indústria turística (hotelaria, restauração, etc.). Porém, e talvez mais do que em outros momentos, este processo deverá ser implementado a partir um modelo de governança fortemente democrático e participado, entre iniciativa pública, privada e populações, que promova a solidariedade e, sobretudo, a tão necessária confiança.

Alexandre Reis




[3] https://www.publico.pt/2020/03/28/fugas/noticia/onde-ir-acores-arrabida-top-internacional-viajantes-pospandemia-1909843 consultado em 16/05/20

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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