Se a cultura é o
cimento que liga as sociedades contemporâneas, podemos olhar, novamente, para
este denominador comum para a retoma do setor do turismo, ainda que repensando
e reposicionando certas práticas e ofertas.
No âmbito das
políticas públicas para o turismo, o presente artigo pretende defender: i) os
recursos endógenos de um território, na sua componente cultural e natural, como
a matéria-prima para a construção de uma oferta diferenciadora capaz de reconquistar
visitantes durante e após pandemia; ii) o reposicionamento, diversificação e
comunicação de uma oferta turística que atenda às necessidades das populações e
visitantes afetados pelo confinamento físico e psicológico.
O conceito de
património natural está assimilado entre nós, mas é importante relembrá-lo para
percebermos o seu potencial no contexto da pandemia que vivemos. A UNESCO definiu-o,
tendo sido integrado, nacionalmente, através do Decreto n.º 49/79, de 6 de
Junho de 1979, com a seguinte redação: (...) «Les sites naturels ou les zones naturelles strictement
délimitées, qui ont une valeur universelle exceptionnelle du point de vue de la
science, de la conservation ou de la beauté naturelle»[1].
Figura 1 – Lagoa do Fogo, Ilha de S. Miguel
Uma estratégia de
desenvolvimento económico assente na construção de sinergias entre os recursos
culturais e a prática turística pode ser, novamente, chamada a construir
soluções para atrair as populações e visitantes receosos, mas também cansados
do isolamento, para o usufruto dos recursos de um território.
A Estratégica Turismo
2027, do Turismo de Portugal, é muito clara ao enumerar os recursos
diferenciadores de que dispomos. No entanto, nos tempos em que vivemos temos de
rapidamente repensar a nossa oferta e a forma como ela é disponibilizada por
forma a garantir condições de segurança sanitária, fundamentais à recuperação
da confiança. Nesse sentido, a recente criação do selo “Clean & Safe” pelo Turismo de Portugal
é uma iniciativa fundamental para ajudar o setor a recuperar clientes,
promovendo a confiança. A ideia é, obviamente, «promover Portugal como destino
seguro do ponto de vista de cuidados com a propagação do vírus».[2],
mas não é suficiente. Acresce, também, a necessidade de se repensar a
estratégia nacional para o turismo. Olhar, por exemplo, para os recursos do património
natural como uma oportunidade e uma solução para o relançamento do setor
turístico, pelas condições de segurança que oferece e por envolver atividades não
confinadas a espaços fechados.
Do ponto de vista
da oferta, é também fundamental repensar os nossos produtos e a nossa
comunicação cultural a partir destas ideias: i) apostar na promoção do
património natural como alternativa na oferta turística, pois representa baixos
riscos de contaminação e a gestão de grupos é mais fácil; ii) fomentar o
turismo em territórios de baixa densidade populacional (e por isso mais
seguros, tal com os números da DGS atestam); iii) desenhar pacotes de turismo
cultural direcionados ao segmento “famílias” que tendo, muito provavelmente,
passado o confinamento juntos, sentir-se-ão seguros para viajarem em grupo e ao
segmento LGBT, que pelo seu perfil de viajante frequente e fortemente atraído
pela cultura dos outros países, serão dos primeiros a viajar; iv) na comunicação
da oferta cultural temos a oportunidade, talvez irrepetível, de reposicionar
esta área como uma excelente forma de “entretenimento” para as famílias, por
oposição à ideia de conhecimento obrigatório (pouco atrativo para os mais novos),
uma vez que as opções clássicas, como os parques de diversão, arenas
futebolísticas, etc., estão fortemente condicionadas no acesso, conquistando os
tão necessários públicos para o setor.
A estas atividades
podem ser associadas outras ofertas e serviços, como é o caso das termas, dos
SPA e práticas de bem-estar. Portugal, pela oferta de que dispõe nestas áreas,
pode estruturar pacotes que conjuguem o turismo cultural, o natural e o do
bem-estar para atrair as populações e os visitantes ansiosos por recuperarem do
período de confinamento de uma forma holística. A provar esta oportunidade está
um recente artigo da seção Fugas, do jornal Público, onde se
reporta que no topo das escolhas de destino estão as praias e os espaços ao ar
livre e, quanto aos locais, surgem os Açores e a Serra da Arrábida[3].
São invocadas razões como a perceção de segurança, as paisagens singulares, a
imersão na natureza, a riqueza vegetal e possuirmos algumas das mais bonitas
praias da Europa.
Com a
imprevisibilidade da duração da COVID-19, o país pode usar esse tempo para se promover
como um destino socialmente consciente e responsável. Esta estratégia e
posicionamento pode ajudar à recuperação de empregos perdidos (e à criação de
novos) e a impulsionar as áreas satélite da indústria turística (hotelaria,
restauração, etc.). Porém, e talvez mais do que em outros momentos, este processo
deverá ser implementado a partir um modelo de governança fortemente democrático
e participado, entre iniciativa pública, privada e populações, que promova a
solidariedade e, sobretudo, a tão necessária confiança.
Alexandre
Reis
[3] https://www.publico.pt/2020/03/28/fugas/noticia/onde-ir-acores-arrabida-top-internacional-viajantes-pospandemia-1909843
– consultado em
16/05/20
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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