Meus senhores,
Minhas senhoras,
Caros(as) amigos(as),
1. As
derradeiras décadas do século XX e as primeiras do século XXI, até à crise
sanitária da COVID-19, foram marcadas pela aceleração da globalização, nas suas
distintas materializações (trocas de bens e serviços, movimentos de capitais,
movimentos de turistas, mobilidade do trabalho, entre outras).
Um resultado porventura inesperado desse
movimento foi a atenção que certos recursos e dinâmicas locais passaram a
merecer da parte das autoridades públicas, incluindo a Comissão Europeia.
No caso particular da União Europeia, foram
estabelecidos programas financeiros destinados a combater a acentuação das
assimetrias entre regiões, e os Estados-membros foram encorajados a materializar
políticas de descentralização.
Deve entender-se como descentralização a
devolução pelos governos nacionais de funções específicas, a governos regionais
e locais autónomos, com todas as atribuições administrativas, políticas e
económicos que essa transferência de competências implica.
2. Falando
de descentralização, em geral, esta ocorreu em praticamente todo o mundo.
Pelo menos na intenção, muitos dos processos
de descentralização visaram reformar o modelo de governo dos países,
substituindo lógicas hierárquicas e burocráticas de gestão de cima para baixo
por sistemas de autogoverno caraterizados pela participação, cooperação e
transparência na prestação de contas.
É neste contexto que se fala de
descentralização como um processo de devolução de poder aos cidadãos.
No caso de Portugal, um dado que chama
particularmente a atenção, (comparativamente com os demais países do Ocidente
Europeu) é a ausência de um nível intermédio entre o governo central e os
governos locais (Municípios e Freguesias), excluídas as regiões autónomas dos
Açores e da Madeira.
Acresce que o aumento das competências e
responsabilidades que foi sendo atribuído aos municípios, no contexto de processos
de descentralização que foram sendo implementados, nem sempre foi acompanhado
pelo conveniente reforço de autonomia de decisão, de capacitação institucional
e de recursos financeiros que lhes permitissem fazer face às exigências daí
decorrentes.
3. Tal
como nos processos de descentralização, em geral, há duas dimensões que são
centrais em qualquer processo de regionalização.
A primeira é a da devolução do poder aos
cidadãos, isto é, aproximar o poder dos cidadãos e criar contexto para uma
melhor perceção por parte dos atores políticos das realidades dos territórios.
Dessa proximidade há-de resultar a capacidade
de melhor olhar para os recursos e capacidades, e desenhar políticas, e pode
conseguir-se também um nível mais elevado de mobilização dos atores e das
comunidades para o ataque aos problemas.
A segunda dimensão é a do desenvolvimento, na
medida em que se perceba os territórios e os seus agentes como sede primeira de
recursos, capacidades e iniciativas que ditarão a afirmação económica de
lugares e regiões.
É por estas razões que Mozzicafreddo (em 2003)
entendia que um processo de descentralização era, também, uma peça essencial de
modernização politica, social e institucional, e um instrumento de
desenvolvimento regional e de mobilização social e territorial.
Estas dimensões não são, de facto,
problemáticas disjuntas na própria medida em que dificilmente há iniciativa e,
sobretudo, projeto económico e social sem liderança e sem algum nível de
institucionalização.
Os processos de descentralização e de
regionalização supõem a existência de atores que possam ser o sujeito e o
objeto da devolução de poder, e protagonistas das estratégias de desenvolvimento
dos territórios.
4. O
antecedente mais remoto do livro aqui apresentado, com o título “Regionalização
e Descentralização em Portugal”, foi a participação que tive num Debate sobre a
temática “Descentralizar ou Transferir? Defender o Poder Local Democrático”,
organizado em Lisboa, a 17 de novembro de 2018.
A organização
do evento prendeu-se com a implementação da Lei nº 50/2018, que estabeleceu a
transferência, gradual, de um conjunto alargado de competências para as
“autarquias locais” e as “entidades intermunicipais”, e prendeu-se, igualmente,
com as sequelas daí derivadas.
Na
intervenção que então fiz sublinhei que a escolha das entidades sobre as quais
incidia o essencial do processo de descentralização que se pretendeu
concretizar ao abrigo da Lei nº 50/2018, os Municípios, e, complementarmente, as
Comunidades Intermunicipais, apresentava uma dificuldade inultrapassável, que
era a ausência de estrutura intermédia, isto é, regional.
No
contexto da dita Lei, percebe-se que tenha sido atribuído às comunidades
intermunicipais o papel de coordenação, planeamento e gestão de recursos
necessário.
Em
todo o caso, em muitas situações, essa escala oferece-se inadequada
(subdimensionada), para além da entidade em causa ser desprovida de
legitimidade política direta, e, daí, estar dependente da capacidade de
concertação interna dos municípios participantes, o que nem sempre é garantido,
também.
5. Uma
outra razão para a produção deste livro foi o retomar do debate da regionalização
do país que se esboçou entretanto, no quadro do passar dos 25 anos da
realização do referendo sobre a regionalização do Continente, de 8 de novembro
de 1998.
Como é sabido, os resultados do referendo
significaram a criação de um bloqueio substantivo à institucionalização da
instância regional de governo.
Por detrás desse retomar do debate está, igualmente,
a inclusão dessa temática no Programa do XXIII Governo, definindo-se aí o
objetivo de realizar um novo referendo num futuro próximo.
6. Tendo
presente o que enunciei, entre outras razões, entendi que importava refletir aprofundadamente
sobre a oportunidade e os fundamentos para se avançar no processo de
regionalização em Portugal, e sobre aquilo que pode estar em causa quando se
encetam iniciativas de descentralização do poder suportadas apenas nas
instâncias locais.
São essas problemáticas e este debate que este
livro coletivo se propôs retomar, reclamando para tanto o contributo de um
conjunto de académicos de várias formações científicas e sensibilidades
político-sociais, e trabalhando em universidades de diversas regiões do país.
Os destinatários da publicação são, também, os
académicos mas, igualmente, os decisores públicos, e todos aqueles que,
comprometidos com o desenvolvimento do país, olham para a reforma da sua
organização político-administrativo como a grande reforma estrutural de que
Portugal carece.
7. Deixo-vos
o desafio de que leiam este livro e se assumam como agentes de cidadania. O
livro não pretendeu esgotar o debate da temática.
É, antes, como é explicitado na Introdução que
escrevi, um fórum de discussão envolvendo múltiplos autores, e um potenciador
de um debate mais alargado e melhor informado.
Em nome dos autores do livro, quero deixar-vos
a indicação de disponibilidade de todos nós para ajudarem a dinamizar outros
fóruns sobre a temática que queiram organizar.
Renovo agradecimento pela vossa presença e
pelo interesse expresso no livro que aqui se apresenta.
Muito obrigado!
J.
Cadima Ribeiro