sábado, abril 12, 2025

Guimarães: um olhar sobre a respetiva dinâmica urbana, cultural e turística numa perspetiva de longo-prazo


1. O início da história

A minha relação com a realidade Vimaranense começou quando cheguei ao Minho, no final de 1982, para iniciar uma carreira como professor e investigador universitário.

Nesse contexto, desde então, desloquei-me a Guimarães muitas vezes para dar aulas, primeiro, no Palácio Vila Flor, e, depois, no Campus de Azurém. Obviamente, também realizei muitas visitas à cidade para desfrutar do seu património e vida cultural e cívica.

No quadro da minha atuação como investigador e técnico de planeamento, fui o primeiro académico que propôs que se trabalhasse na materialização de um projeto de articulação de interesses e estratégias de promoção económica, social e cultural entre Barcelos, Braga, Guimarães e V. N. Famalicão, o chamado Quadrilátero Urbano do Baixo Minho.

Isso (a formulação de uma estratégia centrada no projeto do Quadrilátero) aconteceu em 1996, tendo ficado enunciada no Plano Estratégico de Desenvolvimento do Vale do Cávado.

Mais tarde, já depois de materializada a associação para fins específicos Quadrilátero, estive ligado a alguma investigação que pretendeu destacar a valia de tal estratégia para potenciar a melhoraria da competitividade, da inovação e o reforço da internacionalização da região, e concorrer com as posturas não-solidárias e centralistas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Continuo a defender essa estratégia, lamentando a falta de empenho na última dezena de anos de vários potenciais atores desse projeto.

Ironicamente, nestes últimos meses dos mandatos de vários presidentes de câmara dos municípios “interessados”, o Quadrilátero parece está a virar um Pentágono Urbano, com a incorporação de Viana do Castelo.

A dúvida é se estamos perante um reconhecimento tardio das virtualidades de um tal projeto ou, simplesmente, de um salto para diante de quem poderá ter má consciência da forma como se posicionou ao longo do tempo.

O primeiro estudo que elaborei (em parceria com a minha mulher, Paula Remoaldo) sobre a dinâmica cultural e turística da cidade de Guimarães foi publicado em 2011, como capítulo de livro, tendo sido tratado o tema “Tourism development policies of a U.N.E.S.C.O world heritage city: the case of Guimarães” (As políticas de desenvolvimento turístico de uma cidade Património Cultural da Humanidade, da UNESCO).

Nos anos seguintes dediquei a minha investigação ao acolhimento por Guimarães da Capital Europeia da Cultura, abordando o tema centrando a atenção no período antecedente, durante a realização do evento, e no legado da CEC 2012.

Sobre esta última dimensão, isto é, do legado, existe um livro publicado em português, datado de 2017, sugestivamente intitulado O legado de Guimarães Capital Europeia da Cultura de 2012: a leitura dos residentes e dos visitantes (Porto: Edições Afrontamento).

 

2.    O legado da CEC 2012 na perspetiva de alguns dos seus protagonistas

O livro sobre o legado da CEC, escrito em coautoria, também, com a minha mulher, professora do Departamento de Geografia do ICS, Campus de Azurém, Universidade do Minho, incluiu um capítulo onde constam testemunhos de vários dos seus protagonistas, a vários níveis, entre eles o Presidente da Câmara por altura da CEC, Dr. António Magalhães, e várias outras personalidades, como foi o caso do Doutor Francisco Teixeira.

Do que nos disse o Dr. António Magalhães, entre outras coisas, retive o seguinte:

“Não há nenhuma dúvida que a CEC valeu a pena, mas não é fácil alimentar a dinâmica cultural então criada. A CEC foi uma rampa de lançamento. Nunca mais teremos outra”.

Antes, tinha-nos também dito: “O que começou a dar um sinal qualitativo a nível de atração turística foi a reabilitação urbana que vamos [fomos] fazendo a nível do centro histórico”.

Por sua vez, da leitura do legado da CEC feito então pelo Doutor Francisco Teixeira gostaria de lembrar aqui a afirmação seguinte:

“A CEC foi um evento turístico, isto é, a projeção da imagem turística de Guimarães. Também teve sucesso do ponto de vista da projeção política […]. Isso não quer dizer que tenha correspondido à qualificação cultural do município”.

Acrescentando que “Um modelo que oriente [orientasse] a economia para as indústrias criativas e para a cultura é [era] bonito”.

No último texto que publiquei sobre Guimarães e a CEC, foi feito um estudo comparativo de Guimarães 2012 e de Košice 2013, na Eslováquia, em termos de modelos organizativos e de legados.

Em termos de resultados dessa investigação, gostaria de sublinhar três coisas; a saber:

i)            os resultados conseguidos evidenciaram ser significativamente diferentes - enquanto Guimarães conseguiu melhorar a sua posição como atração turística, e a visibilidade do seu património histórico, a cidade industrial de Košice seguiu uma forma de desenvolvimento mais radical e dinâmica, liderada pela cultura;

ii)          Košice levou alguns anos a ser descoberta pelos turistas; a mudança geracional e o desenvolvimento de uma forte indústria de Tecnologias de Informação e Comunicação levaram ao rejuvenescimento da cidade e à mudança da sua imagem;

iii)         Aí (Košice), muitas pessoas qualificadas surgiram como organizadores, facilitadores e influenciadores. No dizer de um entrevistado local, “Estamos diante de um certo tipo de efeito Bilbao ou uma transformação urbana liderada pela cultura”. 

Acrescente-se, a propósito, que Košice (em leitura abrangente) tinha mais população que Guimarães, 240 000 habitantes, segundo dados de 2016. Isso poderá ter ajudado na criação de massa crítica para dar corpo ao projeto de desenvolvimento que foi implementado.

 

3.    A diferença pode estar nos detalhes: algumas considerações finais

Fiz antes referência à circunstância do crescimento do turismo em Guimarães ter acompanhado o acolhimento da CEC, isto é, a CEC teve um efeito imediato nesse crescimento.

Ora, o que vale a pena acrescentar, como resultou de estudos que também fizemos sobre o perfil e motivação dos visitantes, comparando dados de antes e depois da CEC, é que

i)            o motivo da escolha da cidade se alterou, por exemplo, a circunstância da cidade ser Património Cultural da Humanidade era consideravelmente superior antes de 2012, e, por outro lado,

ii)          os perfis dos visitantes sofreram também alteração, com (em 2015) um maior equilíbrio entre homens e mulheres, uma descida de visitantes mais jovens e um aumento de visitantes dotados de habilitações académicas mais baixas. 

Isso parece indiciar um processo de normalização da imagem do destino Guimarães com a média nacional, isto é, o crescimento turístico que se deu aparece alinhado com a dinâmica genérica nacional, com esboço de um modelo apontando para uma lógica de turismo de massas e, logo, abrindo espaço para que se possa considerar a saturação do destino a um certo prazo, como já acontece noutros destinos nacionais (Lisboa e Porto, por exemplo).

Voltando ao legado da CEC 2012, como nos disse um dos membros da equipa oficial de avaliação do impacte do evento, “em termos de

investimento […] a componente imaterial teve algum efeito, mas poderiam ter sido conseguidos melhores resultados com os recursos investidos” (JC).

Um outro membro da dita equipa, defendeu, por sua vez, que “Onde se pode identificar algum tipo de mudança é em termos de capacidade de organização. Aí, parece haver algum tipo de legado” (FCC).

Como nota final, deixo o sentimento de que, com a mudança de protagonistas políticos locais, parece ter havido uma certa rotura de estratégia da gestão municipal, com algum esquecimento do elemento informador que conduziu à acreditação do centro histórico da cidade como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO e ao acolhimento da CEC 2012, entre outros marcos desse percurso.

Isso não seria um drama se tivesse sido construído um paradigma de desenvolvimento alternativo, porventura baseado em apostas (mais) radicais. Ora, estou firmemente convencido que isso não aconteceu, e os resultados alcançados deixam isso patente.


Guimarães, 12 de abril de 2025

J. Cadima Ribeiro