A criatividade é um conceito cuja
popularidade tem-se associado a vários termos, tais como ‘creative cities’, ‘creative
class’ e ‘creative clusters’ (Tan
et al., 2013). Estes novos modelos de
desenvolvimento assentes na indústria criativa têm influenciado as práticas em
matéria de turismo. Com efeito, o turismo criativo identifica-se, atualmente,
como um fenómeno que reage ao turismo cultural tradicional, cada vez mais massificado
(Richards & Raimond, 2000). Em 2009, 40% das viagens realizadas a nível
mundial enquadravam-se no segmento do turismo cultural (OECD, 2009).
O turismo criativo surge, assim,
como uma alternativa para os consumidores que procuram novas experiências, mais
interativas, que possibilitem o desenvolvimento pessoal e o aumento do capital
criativo. À tradicional procura de património edificado, de museus e
monumentos, os visitantes tentam adquirir conhecimentos, habilidades, tradições
e qualidades indivisíveis dos locais que visitam.
O turismo criativo tornou-se num
segmento estratégico em países como a Áustria, Canadá, Espanha ou Nova Zelândia.
Em Portugal, não nos parece que exista um enfoque no turismo criativo, embora o
último PENT, com horizonte 2013-2015, comece a diagnosticar as falhas e
incertezas identificadas nas práticas deste segmento.
Neste contexto,
Óbidos é um caso paradigmático da aposta em turismo criativo. Não é apenas
identificado pelo seu património histórico, que se multiplica em souvenirs, como os postais, a ginja ou
os bordados, a par de um conjunto de outros elementos caraterizadores do
restante território nacional, dos quais são exemplos o galo de Barcelos ou a
loiça de Caldas da Rainha, mas também na valorização de diversos recursos
intangíveis, abrangentes da cultura, que valorizam as vertentes da experiência
e da co-criação, designadamente no desenvolvimento de conteúdos ricos em
multimédia e em narrativas. As comunidades virtuais e a presença nas redes
sociais insere-se em estratégias de marketing,
que se movem cada vez mais por certos valores, emoções, centrados na dimensão
interpessoal que se querem transmitir. Neste cômputo, identificam-se, em
Óbidos, eventos temáticos que têm ganhado visibilidade a nível nacional e
internacional, tais como o ‘Festival Internacional de Chocolate de Óbidos’, ‘Óbidos
Vila Natal’, ‘Festival de Ópera’, ‘Junho das Artes’ e o ‘Mercado Medieval’.
Este território é uma referência
nacional da unicidade, pelas suas caraterísticas históricas, culturais,
humanas, sociais e arquitetónicas, bem como pela sua localização. A ligação
entre o património e a contemporaneidade e a localização num corredor
rodoviário de ligação da Área Metropolitana de Porto à de Lisboa, nomeadamente
através do nó de entrada/saída da A8, permitem-lhe afirmar a excecionalidade,
que se repercute no sucesso das iniciativas que têm sido desenvolvidas no
âmbito da criatividade. Apesar da localização a Norte de Lisboa, a modernização
da linha do Oeste pode reforçar as suas potencialidades, tal como aconteceu com
os suburbanos do Porto, que permitem, atualmente, ligar lugares distantes de
Aveiro, Braga, Guimarães ou Póvoa de Varzim.
Apesar do município de Óbidos
apresentar níveis de especialização e qualificação da população relativamente
baixos (9,8% da população sem qualquer nível de ensino e taxa de analfabetismo
de 7,2%) e baixa densidade da estrutura
territorial (11 772 residentes e 3,2% da população da NUT III Oeste) (INE,
2012), parece, na nossa perspetiva, que soube desenvolver uma rede de massa
crítica que ultrapassa várias escalas e que mitiga o efeito de descontinuidade
espacial que carateriza todo o Oeste. Além disso, a imagem de Óbidos é fruto de
uma construção de algumas décadas, que é criada durante o Estado Novo e que
emana a portugalidade, que encontra a posição histórica na própria Reconquista
Cristã.
Os turistas que visitam Óbidos
pernoitam, em média, 2,9 noites e o município apresenta uma proporção de
hóspedes estrangeiros de 59,2%, em 2013 (INE, 2014). Para isso, contribui o
crescimento da oferta (capacidade de alojamento), que tem acompanhado a
tendência da procura (nº de dormidas), que entre 2009 e 2013 se cifrou numa
taxa de crescimento de 54,4% e 57,8%, respetivamente. Como é óbvio, existe uma
correlação muito forte entre as duas variáveis (r2= 0,94*),
para o período entre 2002 e 2013.
No entanto, a crescente procura
turística incrementa o risco de Óbidos se tornar numa ‘imagem demasiado atraente’ (Kotler et al., 1993), pois é certo que se trata de um território com uma
grande quantidade de visitantes, que se repercute em níveis de trânsito
bastante elevados ao longo do ano.
Podemos concluir que a recolocação
da procura turística em novos segmentos advém de públicos-alvo cada vez mais
exigentes e da necessidade de garantir a sustentabilidade territorial.
Arriscaríamos a dizer que é necessário que as linhas estratégicas em turismo se
redefinam em novas áreas temáticas e territoriais, projetadas a médio e longo
prazo, que incrementem a participação dos visitantes nas iniciativas locais.
Hélder Lopes
Bibliografia
INE,
I.P. (2012). Censos 2011 Resultados Definitivos – Região Centro. Instituto
Nacional de Estatística: Lisboa.
INE,
I.P. (2014). Estatísticas do Turismo 2013. Instituto Nacional de Estatística:
Lisboa.
Kotler, P.,
Haider, D., & Rein, I. (1993). Marketing
Places. Attracting Investment, Industry and Tourism to Cities, States and
Nations. Free Press: New York.
OECD (2009). The Impact of Culture on Tourism. OECD:
Paris.
Richards, G.,
& Raymond, C. (2000). Creative tourism. ATLAS
News, 23,
16-20.
Tan, S., Kung, S., & Luh, D. (2013). A model of
‘creative experience’in creative tourism. Annals of Tourism Research, 41, 153-174.
(*) Nível de significância de 5%.
Nota: foto da Vila de
Óbidos, tirada pelo autor, em 25.08.2014.
(artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular "Economia e Política Regional" do Mestrado em Geografia, do ICS/UMinho)