1. O início da história
A minha relação com a realidade Vimaranense
começou quando cheguei ao Minho, no final de 1982, para iniciar uma carreira
como professor e investigador universitário.
Nesse contexto, desde então, desloquei-me a
Guimarães muitas vezes para dar aulas, primeiro, no Palácio Vila Flor, e,
depois, no Campus de Azurém. Obviamente, também realizei muitas visitas à
cidade para desfrutar do seu património e vida cultural e cívica.
No quadro da minha atuação como investigador e
técnico de planeamento, fui o primeiro académico que propôs que se trabalhasse
na materialização de um projeto de articulação de interesses e estratégias de
promoção económica, social e cultural entre Barcelos, Braga, Guimarães e V. N. Famalicão,
o chamado Quadrilátero Urbano do Baixo Minho.
Isso (a formulação de uma estratégia centrada
no projeto do Quadrilátero) aconteceu em 1996, tendo ficado enunciada no Plano Estratégico de Desenvolvimento do Vale
do Cávado.
Mais tarde, já depois de materializada a
associação para fins específicos Quadrilátero,
estive ligado a alguma investigação que pretendeu destacar a valia de tal
estratégia para potenciar a melhoraria da competitividade, da inovação e o
reforço da internacionalização da região, e concorrer com as posturas não-solidárias
e centralistas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Continuo a defender essa estratégia, lamentando
a falta de empenho na última dezena de anos de vários potenciais atores desse
projeto.
Ironicamente, nestes últimos meses dos
mandatos de vários presidentes de câmara dos municípios “interessados”, o
Quadrilátero parece está a virar um Pentágono
Urbano, com a incorporação de Viana do Castelo.
A dúvida é se estamos perante um
reconhecimento tardio das virtualidades de um tal projeto ou, simplesmente, de
um salto para diante de quem poderá ter má consciência da forma como se
posicionou ao longo do tempo.
O primeiro estudo que elaborei (em parceria
com a minha mulher, Paula Remoaldo) sobre a dinâmica cultural e turística da
cidade de Guimarães foi publicado em 2011, como capítulo de livro, tendo sido
tratado o tema “Tourism development policies of a U.N.E.S.C.O world heritage
city: the case of Guimarães” (As políticas de desenvolvimento turístico de uma
cidade Património Cultural da Humanidade, da UNESCO).
Nos anos seguintes dediquei a minha
investigação ao acolhimento por Guimarães da Capital Europeia da Cultura,
abordando o tema centrando a atenção no período antecedente, durante a realização
do evento, e no legado da CEC 2012.
Sobre esta última dimensão, isto é, do legado,
existe um livro publicado em português, datado de 2017, sugestivamente
intitulado O legado de Guimarães Capital
Europeia da Cultura de 2012: a leitura dos residentes e dos visitantes
(Porto: Edições Afrontamento).
2. O legado da CEC 2012 na perspetiva de alguns dos seus
protagonistas
O livro sobre o legado da CEC, escrito em coautoria,
também, com a minha mulher, professora do Departamento de Geografia do ICS, Campus
de Azurém, Universidade do Minho, incluiu um capítulo onde constam testemunhos
de vários dos seus protagonistas, a vários níveis, entre eles o Presidente da
Câmara por altura da CEC, Dr. António Magalhães, e várias outras
personalidades, como foi o caso do Doutor Francisco Teixeira.
Do que nos disse o Dr. António Magalhães,
entre outras coisas, retive o seguinte:
“Não há nenhuma dúvida que a CEC valeu a pena,
mas não é fácil alimentar a dinâmica cultural então criada. A CEC foi uma rampa
de lançamento. Nunca mais teremos outra”.
Antes, tinha-nos também dito: “O que começou a
dar um sinal qualitativo a nível de atração turística foi a reabilitação urbana
que vamos [fomos] fazendo a nível do centro histórico”.
Por sua vez, da leitura do legado da CEC feito
então pelo Doutor Francisco Teixeira gostaria de lembrar aqui a afirmação
seguinte:
“A CEC foi um evento turístico, isto é, a
projeção da imagem turística de Guimarães. Também teve sucesso do ponto de
vista da projeção política […]. Isso não quer dizer que tenha correspondido à
qualificação cultural do município”.
Acrescentando que “Um modelo que oriente
[orientasse] a economia para as indústrias criativas e para a cultura é [era]
bonito”.
No último texto que publiquei sobre Guimarães
e a CEC, foi feito um estudo comparativo de Guimarães 2012 e de Košice 2013, na
Eslováquia, em termos de modelos organizativos e de legados.
Em termos de resultados dessa investigação,
gostaria de sublinhar três coisas; a saber:
i)
os
resultados conseguidos evidenciaram ser significativamente diferentes - enquanto
Guimarães conseguiu melhorar a sua posição como atração turística, e a
visibilidade do seu património histórico, a cidade industrial de Košice seguiu uma
forma de desenvolvimento mais radical e dinâmica, liderada pela cultura;
ii)
Košice
levou alguns anos a ser descoberta pelos turistas; a mudança geracional e o
desenvolvimento de uma forte indústria de Tecnologias de Informação e
Comunicação levaram ao rejuvenescimento da cidade e à mudança da sua imagem;
iii)
Aí
(Košice), muitas pessoas qualificadas surgiram como organizadores,
facilitadores e influenciadores. No dizer de um entrevistado local, “Estamos
diante de um certo tipo de efeito Bilbao ou uma transformação urbana liderada
pela cultura”.
Acrescente-se, a propósito, que Košice (em
leitura abrangente) tinha mais população que Guimarães, 240 000 habitantes,
segundo dados de 2016. Isso poderá ter ajudado na criação de massa crítica para
dar corpo ao projeto de desenvolvimento que foi implementado.
3. A diferença pode estar nos detalhes: algumas considerações
finais
Fiz antes referência à circunstância do
crescimento do turismo em Guimarães ter acompanhado o acolhimento da CEC, isto
é, a CEC teve um efeito imediato nesse crescimento.
Ora, o que vale a pena acrescentar, como
resultou de estudos que também fizemos sobre o perfil e motivação dos
visitantes, comparando dados de antes e depois da CEC, é que
i)
o
motivo da escolha da cidade se alterou, por exemplo, a circunstância da cidade
ser Património Cultural da Humanidade era consideravelmente superior antes de
2012, e, por outro lado,
ii)
os
perfis dos visitantes sofreram também alteração, com (em 2015) um maior
equilíbrio entre homens e mulheres, uma descida de visitantes mais jovens e um
aumento de visitantes dotados de habilitações académicas mais baixas.
Isso parece indiciar um processo de
normalização da imagem do destino Guimarães com a média nacional, isto é, o
crescimento turístico que se deu aparece alinhado com a dinâmica genérica
nacional, com esboço de um modelo apontando para uma lógica de turismo de
massas e, logo, abrindo espaço para que se possa considerar a saturação do
destino a um certo prazo, como já acontece noutros destinos nacionais (Lisboa e
Porto, por exemplo).
Voltando ao legado da CEC 2012, como nos disse
um dos membros da equipa oficial de avaliação do impacte do evento, “em termos
de
investimento […] a componente imaterial teve
algum efeito, mas poderiam ter sido conseguidos melhores resultados com os
recursos investidos” (JC).
Um outro membro da dita equipa, defendeu, por
sua vez, que “Onde se pode identificar algum tipo de mudança é em termos de
capacidade de organização. Aí, parece haver algum tipo de legado” (FCC).
Como nota final, deixo o sentimento de que,
com a mudança de protagonistas políticos locais, parece ter havido uma certa
rotura de estratégia da gestão municipal, com algum esquecimento do elemento
informador que conduziu à acreditação do centro histórico da cidade como
Património Cultural da Humanidade pela UNESCO e ao acolhimento da CEC 2012,
entre outros marcos desse percurso.
Isso não seria um drama se tivesse sido
construído um paradigma de desenvolvimento alternativo, porventura baseado em
apostas (mais) radicais. Ora, estou firmemente convencido que isso não
aconteceu, e os resultados alcançados deixam isso patente.
Guimarães, 12 de abril de 2025
J.
Cadima Ribeiro