Num congresso organizada pela ADLEI (Associação para o Desenvolvimento de Leiria), em 2008, a dado passo da comunicação que apresentei, afirmei que “Falar de região é falar de uma unidade territorial no sentido subjectivo do termo, tendo implícito um sentimento de pertença e um sentido afectivo”. Quis, com isso, sublinhar que uma região é uma comunidade de pessoas, gente que se reconhece a partir da comunhão de um conjunto de valores e referências e da partilha de um certo território. Fi-lo, também, para trazer a dimensão administrativa-institucional para o seio do debate sobre o desenvolvimento, posto que o progresso dos territórios não se consegue só com o aporte de recursos financeiros e outros, pois as questões de organização e liderança são, amiúde, o factor que marca a distância estreita que medeia entre sucesso e insucesso.
Isto dizendo, tenho igualmente que deixar aqui salvaguarda a ideia de que as identidades dos territórios também se alteram e se renovam, fruto de laços sociais, culturais e económicos que se criam e/ou se esvanecem, mesmo porque as distâncias, os modelos de comunicação e as lógicas de estruturação dos tecidos económicos e institucionais se vão modificando, por força de mudanças tecnológicas e por força da vontade (precária) dos poderes públicos de traçarem novas “fronteiras” de planeamento e de gestão territorial.
Achei por bem fazer as considerações que antes aparecem para que fique claro que falar do Distrito de Leiria só por acaso é reportar uma realidade regional presente, sabido quão longínqua e precária foi a institucionalização da actual divisão político-administrativa do país. Essa é, aliás, razão forte para que o tema da reorganização administrativa à escala local tenha sido trazido para primeiro plano nos últimos meses. Se é pertinente que se questione a actual organização do país em matéria de municípios e freguesias, muito mais o é no que à divisão distrital se refere, dado o carácter residual que essa instância preserva na gestão pública do território. Conscientes disso, mais do que um governo, incluindo o que se encontra em funções, enunciaram a vontade de acabar com os governadores civis e, logo, com os Distritos.
Falou-se de recursos, que não têm que ser interpretados em sentido restrito. Falou-se de identidade. Falou-se de organização. Que fique claro que os territórios são alfobres de recursos e competências e que a sede primeira da respectiva afirmação económica e desenvolvimento são os seus recursos e competências, interpretadas estas como capacidade de transformar recursos de base em produtos e serviços negociáveis nos mercados, qualquer que seja a escala que se queira considerar, local, nacional, global. Curiosamente, quando o modelo de operação económica é o internacional, como é próprio dos tempos que correm, em face da procura de singularidade, de novidade, do que melhor responde à idiossincrasia do consumidor, os produtos dos territórios (sobretudo, produtos tradicionais mas também aqueles que são gerados no presente, bebendo na cultura, no saber-fazer dos lugares) ganham valia económica inesperada. Considere-se, a título de exemplo, as carnes de certas espécies animais, os azeites e os queijos com designação de origem protegida, o património natural e construído de alguns lugares, etc.
Entretanto, a operação económica em mercados alargados não se faz sem escala mínima e, muitas vezes, sem que, previamente, se desenvolvam dispendiosas campanhas de promoção dos produtos que estejam em causa. Daí se depreenderá a importância de organizar produtores, certificar produções e processos, fazer convergir vontades dos agentes presentes no terreno, actores económicos, agentes de desenvolvimento, actores políticos. Se reunidos em torno de desígnios comuns, de vontades irmanadas de fazer progredir a “sua terra”, muito mais fácil será ultrapassar egoísmos, diferenças de percepção de oportunidades configuradas no mercado, barreiras de comunicação entre agentes que intervêm nas diversas instâncias da vida dos territórios.
No quadro das disputas político-partidárias, na ânsia de adquirir protagonismo público, ou, simplesmente, por acharem que fica bem cavalgarem a onda do momento, há quem entenda que as reformas importam por si mesmas. Por contraponto, eu digo que vale a pena abraçar uma reforma se ela tiver potencial para ser instrumento de desenvolvimento, o que sempre implica tirar partido de (e/ou trabalhar) a identidade dos agentes dessas reformas e, logo, das entidades territoriais que estejam em causa. A essa luz, extinguir Distritos não é empobrecedor. Empobrecedor será continuar a construir divisões territoriais e instâncias de gestão político-administrativa suportados em divisões geográficas alheadas do sentimento de comunidade das populações abrangidas.
[texto produzido em resposta ao pedido de colaboração da jornalista Lurdes Trindade (JLeiria), de 12 de Agosto pp.]
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