domingo, maio 27, 2018

Um mergulho na aldeia submersa do Gerês

O Parque Nacional Peneda-Gerês (PNPG) foi criado pelo Decreto-Lei nº 187/71, de 8 de maio, com o intuito de realizar um planeamento capaz de valorizar as atividades humanas e os recursos naturais dessa área montanhosa do Norte de Portugal. Trata-se da primeira Área Protegida criada no nosso país e ainda permanece como a única com o estatuto de Parque Nacional. Mas se com esta classificação se pretendia preservar e defender esta área das alterações provocadas pela intervenção humana direta, a verdade é que, inusitadamente, foi também em 1971, através da construção de uma barragem, que as águas do Rio Homem “engoliram” para sempre a aldeia de Vilarinho da Furna, levando ao êxodo de 57 famílias.
Vilarinho da Furna era uma aldeia comunitária milenar situada no sopé da Serra Amarela, em pleno PNPG. Tal como é típico das populações das regiões de montanha, as suas gentes enfrentavam o ambiente hostil promovendo diferentes estratégias adaptativas, concretamente, o povo de Vilarinho, para além de acatar as leis vigentes no território nacional, tinha também as suas próprias leis internas, que eram escrupulosamente respeitadas por todos. Havia uma Junta composta por um Zelador que era acompanhado por seis membros e realizavam-se assembleias semanais com toda a comunidade. O Zelador era também o juiz de todos os crimes (exceto o homicídio, por ser da competência dos tribunais) e na aldeia existia um sentimento de solidariedade que envolvia todo o povo, o qual seguia o lema de “Todos por Todos”.
A construção da barragem afogou para sempre a aldeia de Vilarinho e com ela levou os pastos, os terrenos de cultivo, a paisagem, a herança de tempos imemoriais e de uma forma de organização comunitária rara e ímpar. Após a submersão da aldeia, que ficou imortalizada no poema “Requiem”, de Miguel Torga, surgiu o Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna, construído pela Câmara Municipal de Terras de Bouro, em 1981, e os seus antigos habitantes formaram a associação – AFURNA, com a missão de defesa do património etnográfico, cultural e ambiental desta zona.
Em períodos de seca extrema, quem por ali passa consegue vislumbrar o que resta da aldeia fantasma, nomeadamente os muros e caminhos fortemente romanizados, recordando o preço pago pela intervenção humana, sob os auspícios da modernidade e do progresso.
Nos últimos anos, provavelmente fruto do crescente interesse pelo Turismo de Aventura, têm sido organizadas atividades pontuais de Turismo de Mergulho na barragem de Vilarinho das Furnas, por entidades especializadas. Quem teve o privilégio de fazer esta viagem no tempo, refere que nas águas profundas do rio conseguiu sentir uma ligação à aldeia e ao seu povo. O profundo silêncio e calma das águas, a presença das ruas quase intactas, dos murados e das árvores outrora frondosas, permitiu vislumbrar os tempos idos de uma aldeia como já não há mais nenhuma, vivendo esta experiência como se se tratasse da descoberta de um tesouro.
Parece-nos que um maior investimento neste tipo de atividade turística-recreativa poderá conformar uma interessante estratégia de diversificação da oferta turística no PNPG, conciliando-a com a preservação da memória cultural e etnográfica da aldeia afundada. A atividade de mergulho, para além de aliar uma certa adrenalina pela atividade em si, permite uma viagem no tempo e na história e o acesso a um “mundo” desconhecido para a maioria das pessoas, o que de alguma forma pode ajudar a redimir a perda de Vilarinho.

Bruna Ferreira

Webgrafia:

Bibliografia:
Cunha, J. (2017). Turismo, Natureza, Património e Memória nas comunidades de montanha. Recursos e sustentabilidade no Parque Nacional da Peneda-Gerês. International Journal of Scientific Management and Tourism, 3(1), 339-355.
Rodrigues, C. (2001). Turismo de natureza - O desporto de natureza e a emergência de novos conceitos de lazer.   Disponivel em  http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:8Zg0uvVIX7gJ:www.geografia.uminho.pt/uploads/carla.doc+&cd=1&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

quinta-feira, maio 10, 2018

Passagem de ano na Ilha da Madeira

A Madeira é uma ilha repleta de tradições caraterísticas e de eventos peculiares, que cada vez mais são conhecidos nos quatro cantos do mundo. Um deles é a passagem de ano. Este espetáculo foi reconhecido oficialmente pelo livro de recordes do Guiness, em 2006, como o "O maior espetáculo de fogo-de-artifício do Mundo".
         Este evento fortalece a identidade da ilha visto que, nesta época, milhares de turistas visitam a região. No ano transato, chegaram à ilha cerca de 40 mil turistas entre o dia 28 e 31 de Dezembro por via aérea e cerca de 20 mil turistas por via marítima (num total de dez navios, sendo que há navios que ficam fundeados no porto, enquanto outros ficam ao largo) com o simples propósito de assistir à famosa passagem de ano. A administração dos portos da Madeira registou o maior movimento dos últimos dez anos na Pontinha no dia 31 de Dezembro.
         O governo regional investe a cada ano cerca de 1 milhão de euros em oito minutos de fogo-de-artifício, disparado de 37 postos, que envolve cerca de 132 mil disparos. Todos estes postos são colocados na cidade do Funchal, localizados na orla marítima e baixa citadina, no anfiteatro do Funchal, e no mar. Neste dia, a cidade está ainda com as deslumbrantes iluminações postas para a época festiva, o que atrai as pessoas para a realização de passeios, principalmente na avenida do mar, antes da meia-noite chegar.
         Tradicionalmente, a maioria das pessoas de toda a ilha deslocam-se para o Funchal para assistir a este grande evento. Umas optam por passá-lo em casa ou na casa de algum familiar, com vista propícia a ver o fogo-de-artificio, outras optam por ver do centro da cidade. Variam mesmo de ano para ano o local de onde presenciam a experiência, que pode ser vivida de diferentes maneiras dependendo do lugar de onde se encontram. Os oito minutos são vividos intensamente (cheios de sentimentos e emoções) devido ao céu iluminado das mais diversas cores e pelos ruídos intensos provenientes tanto do fogo-de-artifício como das buzinas dos navios. Na minha opinião, a principal razão que leva a este evento ser reconhecido mundialmente é, para quem participa, a facilidade com que somos envolvidos pela experiência, devido a não haver apenas uma frente de fogo-de-artifício mas sim em toda a volta da cidade.
         Posto isto, este evento é bastante apreciado tanto pelos residentes como pelos turistas provenientes de todas as partes do mundo, que vê as expetativas elevadas devido ao reconhecimento positivo do acontecimento. O governo regional empenha a sua força para que essas expetativas sejam superadas, com vista à promoção de novas visitas à ilha e a transmitir uma boa imagem.
         Concluo aconselhando a quem tiver a possibilidade de transitar de ano vivendo desta experiência que o faça, pois é inesquecível.

Diogo José Sousa Teixeira

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

terça-feira, maio 08, 2018

Turismo militar em Guimarães: um “campo” subaproveitado

Guimarães é uma cidade impregnada de um forte significado simbólico e cultural. Considerada a cidade “Berço da Nação”, por ser a cidade onde nasceu o primeiro rei de Portugal, detém uma componente histórica rica e notável. A acreditação do seu Centro Histórico como Património Cultural da Humanidade, em dezembro de 2011, pela UNESCO, veio aumentar ainda mais o seu potencial em termos turísticos. E a atribuição da menção de Cidade Europeia da Cultura, no ano de 2012, também permitiu, de forma exponencial, dar a conhecer o vasto património cultural desta cidade. Consequentemente, tem sido notório o crescimento do turismo no centro urbano de Guimarães.
O Turismo é um fenómeno global com acentuadas diferenciações e, no que concerne à cidade de Guimarães, sobressai o Turismo Cultural, que se tem vindo a revelar como uma mais-valia em termos de fatores de desenvolvimento local. Trata-se de um ato económico pois possibilita a satisfação de uma necessidade da parte do turista e, para além disso, contribui para o desenvolvimento alargado de vários setores da atividade económica, concretamente, no que se refere ao fornecimento de bens e serviços, contribuindo para a criação e manutenção de inúmeros postos de trabalho.
Porque os impactes criados pelo turismo têm uma tradução essencialmente local, importa que as diversas políticas de atuação, na área do turismo, sejam objeto de um planeamento estratégico capaz de criar cadeias de valor, e que permita a satisfação dos turistas, ou seja, que vá no sentido das suas necessidades.
Efetivamente, o turismo não é uma área estanque e as necessidades em termos de turismo vão sofrendo evoluções ao longo do tempo. Assim, não obstante a reconhecida importância da cidade de Guimarães e do seu inigualável património e valor histórico, urge refletir sobre as tendências atuais, a fim de responder às novas exigências e aspirações da parte dos turistas. 
Neste contexto, o Turismo Militar, como segmento do Turismo Cultural, criado em 2014 pelo Ministério da Defesa Nacional Português, tem-se vindo a assumir como um novo e promissor elemento que tem vindo a ser impulsionado especialmente na região centro. Descrito como um projeto cultural inovador, agregador e atrativo, tem um enorme potencial em termos de mercado interno e externo. Uma das abordagens do Turismo Militar consiste na valorização dos Campos de Batalha, nomeadamente através do “storytelling”.
No que concerne à cidade de Guimarães, esta “respira” história e no seu centro histórico existem monumentos de grande destaque, como por exemplo o Castelo de Guimarães ou o Paço dos Duques, que se tornaram locais de visita obrigatória. Contudo, a cerca de cinco quilómetros do centro, concretamente, em S. Torcato, existe um Campo de Batalha que muitos desconhecem – o Campo da Ataca. Terá sido nesse local que, em 24 de junho de 1128, D. Afonso Henriques venceu os espanhóis e conquistou a soberania do Condado, iniciando-se o processo de independência de Portugal.
Apesar de em 1996, ter sido inaugurado nesse local um arranjo artístico-monumental que celebra este importante acontecimento, com sete estátuas de cinco metros, muitos desconhecem a sua existência, situação para a qual contribuem a parca sinalização e as difíceis acessibilidades.
Inclusivamente, as festividades com cariz histórico, de que são exemplo as Festas Afonsinas e as Festas Gualterianas, circunscrevem-se sempre ao centro da cidade, deixando de parte este local tão rico de história. Parece-nos assim que o Campo da Ataca é um local promissor, mas subaproveitado, e que poderia vir a constituir um dos pontos-chave na exploração do Turismo Militar no Norte de Portugal.
Em jeito de desafio, compete aos agentes locais da cidade de Guimarães adotar uma atitude proativa face ao novo Turismo Militar, partindo dos recursos valiosos que a cidade já detém, e não só incrementar o turismo no centro histórico mas alargá-lo também à periferia.

Bruna Ferreira

Bibliografia
Coelho, J. (2011). Turismo Militar como segmento do Turismo Cultural: Memória, Acervos, Expografias e Fruição Turística. (Mestrado em em Desenvolvimento de Produtos de Turismo Cultural), Instituto Politécnico de Tomar. Disponivel em: file:///C:/Users/Asus/Downloads/Turismo%20Militar_JPCoelho.pdf

Marques, V. (2011). Turismo cultural em Guimarães : o perfil e as motivações do visitante. (Mestrado em Património e Turismo Cultural), Universidade do Minho. Disponivel em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/18041/1/Tese%20-%20Vitor%20Marques%20-%202011.pdf 

Webgrafia
http://visao.sapo.pt/exame/2016-04-14-Portugal-na-rota-do-turismo-militar


(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

sexta-feira, maio 04, 2018

TURISMO EM SÍTIOS DO PATRIMÓNIO MUNDIAL

       Com o advento do processo de globalização, tem-se obtido cada vez mais informação e uma grande facilidade para o turismo. Ao falarmos em turismo em sítios do Património Mundial, vale destacar a importância da compreensão destes tanto a nível mundial como para o local em que se encontram, e nas inúmeras possibilidades que geram em torno de si.
      A receita gerada pelo turismo nestes locais vem a fornecer um meio de sobrevivência para a manutenção e gestão desses sítios que, por vezes, carecem de apoio governamental e de uma divulgação maior para a preservação, salvaguarda e programas educacionais e de informações.
      O turismo nos dá a condição de aproximação e compreensão do património natural e cultural, como nos apresenta a Convenção do Património Mundial, promovendo suporte financeiro a longo prazo para a gestão do sítio, para as comunidades locais e para os operadores de turismo. Porém, o excesso de turistas e a falta de informação quanto à preservação podem acarretar problemas ao Valor Universal Excepcional[1] e degradar a experiência da qualidade da visita do turista ao local, quando da não adequação das instalações oferecidas.
      Os sítios de Património Mundial são destinos maravilhosos que atraem um grande número de visitantes, gerando benefícios econômicos através da marca Património Mundial e oferecendo grandes contribuições para as economias regionais e nacionais. Gestores dos bens de património mundial por vezes não se dão conta do retorno econômico do turismo para as atividades de gestão no campo. As pesquisas realizadas revelam que os visitantes não se incomodam de pagar taxas de visitação se uma parte substancial destas forem destinadas à manutenção, proteção e custos operacionais destes sítios. O desafio entretanto é respeitar os objetivos de conservação (material e imaterial) da Convenção do Património Mundial com fulcro em um turismo que seja  ao mesmo tempo sustentável e equitativo.
  Sítios de Património Mundial devem ser locais de importância, os quais transmitam conhecimento relacionado com os seus valores de maneira específica e também em expressão da perícia na gestação das áreas protegidas de modo a assegurar a continuidade da preservação do local e do bem.
   O artigo 27 da Convenção do Património Mundial[2] menciona de modo taxativo qual o papel dos programas  e informações educacionais :                    
                                        “ Artigo 27
1.Os Estados-partes da presente Convenção esforçar-se-ão por todos os meios apropriados, especialmente por intermédio dos programas de educação e de informação, em intensificar o respeito e o apreço de seu povo pelo património cultural e natural definido nos artigos 1 e 2 da Convenção”.

  Entretanto, para desenvolver projetos educacionais que possam vislumbrar êxito, faz-se necessário o empenho da equipe de gestão dos Sítios de Património Mundial juntamente com a comunidade local, pois esta interação aponta a importância do local, de suas necessidades, gerando um orgulho para os membros da comunidade e uma relevância do sítio, a nível nacional  e, se possível,  global.
    Os projetos educacionais nesses Sítios de Património Mundial são de extrema importância pois tratam dos chamados direitos de terceira geração, como classifica Bonavides[3], a saber: direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao património comum da humanidade.
   Encontra-se a plena afirmação desses direitos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos adotado pela Assembléia Geral da ONU, em 1966, cujo artigo 1º afirma: “Todos os povos têm direito à autodeterminação (...). Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”[4].
    Salvaguardar é um dever de todos para com todos. O património é um legado para as presentes e futuras gerações.
 
Andrea Caetano Moleirinho

Referências
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
Convenção para Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural. Disponível em: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/cc/ConvencaoparaaProteccaodoPatrimonioMundialCulturaleNatural.pdf.
COSTA, Beatriz Souza. A Proteção do Proteção Cultural como um Direito Fundamental: Património Cultural e sua Tutela Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009.
 Gestão do Patrimônio Mundial natural - Brasília: UNESCO Brasil, IPHAN, 2016.


[1] O VUE é descrito nas Diretrizes Operacionais como: “significado cultural e/ou natural que é excepcional a ponto de transcender as fronteiras nacionais e ser importantes para gerações presentes e futuras de toda a humanidade. Como tal, a proteção permanente deste património é da mais alta importância para toda comunidade internacional ( Parágrafo 49 ).
[2] Convenção para Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural. Disponível em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/media/uploads/cc/ConvencaoparaaProteccaodoPatrimonioMundialCulturaleNatural.pdf. Acesso em 18 de abril de 2018.
[3] BONAVIDES, Paulo. Ciência e Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.523.
[4] COSTA,Beatriz Souza. A Proteção do Património Cultural como um Direito Fundamental: Patrimònio Cultural e sua Tutela Jurídica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009. p.44-45.


(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)