terça-feira, maio 27, 2008

Da decisão à gestão da mobilidade

Na conjuntura actual do aumento de combustíveis e do uso excessivo do automóvel em detrimento do uso do transporte colectivo, as decisões políticas constituem marcos decisivos para o futuro. No entanto, o passado recente tem revelado decisões que pouco têm de sustentável na melhoria da mobilidade das populações.
O Livro Branco dos Transportes na União Europeia indica o caminho da gestão sustentável da mobilidade favorecendo o transporte ferroviário em detrimento dos transportes rodoviários, pelos conhecidos problemas ambientais e sociais.
No entanto, as decisões nacionais têm-se pautado por medidas que favorecem o transporte individual.
Veja-se o caso do Comboio de Alta Velocidade (AV), cujo traçado esteve dependente do traçado de uma rede externa à nossa (rede Espanhola para o comboio de alta velocidade) o que condiciona o futuro económico da região Norte. De facto, sabendo que o AV será um transporte vocacionado principalmente para o transporte de mercadorias, uma vez que não consegue competir em termos de tempo/custo com o transporte aéreo no que diz respeito ao transporte de passageiros para distancias superiores a 600km, a rede em formato “L” acaba por favorecer Lisboa, colocando-a mais perto da Europa. Em contrapartida, a Região Norte e Centro, onde a concentração de empresas e indústrias é maior, fica marginalizada face à rede ferroviária, o que favorece o transporte rodoviário para colocar os produtos na Europa.
Esta situação não se colocaria no caso do traçado do AV ser em formato “T” ligando Porto a Lisboa e ao mesmo tempo a Madrid mas por Salamanca e não por Badajoz como é o traçado actual. Neste cenário a rede de AV acabaria por servir uma área de potencial utilização muito maior do que a servida pela rede em “L” aprovada.
No entanto, mesmo com a estratégia assumida pelo governo parece-nos haver três situações que suscitam algumas dúvidas.
Comecemos pelo aeroporto de Alcochete; o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) prevê uma estação de AV para servir esta futura infra-estrutura aeroportuária. Na nossa opinião é uma opção errada, uma vez que a população da Área Metropolitana de Lisboa (AML) dificilmente tomará o Comboio AV para percorrer uma distância tão reduzida. Por seu turno a região do Alentejo não tem população potencial utilizadora do aeroporto suficiente que justifique a estação em Alcochete.
Badajoz verá o seu aeroporto remodelado e o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) não será um hub vocacionado para o público espanhol.
A população que se desloca desde o Norte de Portugal vinda de AV pode perfeitamente, na Estação de Lisboa Oriente, tomar um comboio convencional até ao NAL, desde que essa troca seja feita de forma eficiente.
A segunda situação prende-se com uma eventual linha entre Aveiro e Salamanca. Uma vez que a opção “T” não foi adoptada, não nos parece pertinente a construção desta linha, uma vez que Aveiro, Viseu e Guarda não tem massa critica suficiente para uma ligação a Salamanca por AV. Como alternativa a esta linha, para o escoamento de mercadorias, temos a Linha do Douro, que liga o Porto ao Pocinho (Concelho de Vila Nova de Foz Côa) mas que outrora ligava o Porto a Salamanca, sendo que o canal ainda existe, pelo que as obras de recuperação ficariam bem mais baratas do que a construção de uma nova linha.
A terceira situação está novamente ligada às questões aeroportuárias. O traçado inicial não contempla uma ligação ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro (ASC), o que na nossa óptica vai prejudicar gravemente esta infra-estrutura. Uma grande parte do catchement área deste aeroporto provém da Galiza, nomeadamente da zona sul e assim sendo parece-nos viável uma ligação ao ASC. Nos moldes previstos qualquer pessoa que se desloque ao ASC vinda de AV terá de se apear na Estação de Porto Campanhã e tomar o light rail da Metro do Porto, e terá assim de prolongar a sua viagem por mais 30 minutos (caso venha do Sul) ou mesmo 45, caso venha da Galiza.
O MOPTC, através da Secretária de Estado Ana Paula Vitorino, garantiu que fica reservado um canal entre Braga e o ASC para, assim que se justifique, lançar uma nova linha. Enquanto isso, entre Braga e o Porto o AV circula pela actual Linha do Minho.
Na nossa óptica, vai-se desenvolver o seguinte cenário: sem a possibilidade de ligação directa ao ASC o AV deixa de constituir uma mais valia para os espanhóis e assim perderá competitividade, e como tal, nunca se justificará a construção da ligação ao ASC, entrando-se assim num ciclo vicioso.
Temos também algumas dúvidas acerca da viabilidade da circulação do AV na actual Linha do Minho, uma vez que se trata duma linha altamente congestionada, nomeadamente entre Braga e Porto, aumentando este tráfego à medida que nos aproximamos do Porto.
Trata-se então de um exemplo em que a decisão política não avaliou devidamente as consequências na mobilidade e o impacto no desenvolvimento económico de uma região, pondo em causa as estratégias nacionais e os princípios consagrados a nível internacional quanto ao tema mobilidade.

Carlos Eiras
(artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular "Economia e Política Regional" do Mestrado em Geografia, do ICS/UMinho)

1 comentário:

António Alves disse...

Sobre este assunto ler trabalho por mim publicado nos seguintes sites:

http://norteamos.blogspot.com/2008/01/
integrao-do-asc-na-futura-linha-de.html

http://www.porto.taf.net/dp/node/3454

http://www.maquinistas.org/

Documento integral em PDF: http://www.maquinistas.org/alves/
asc_via_leixoes.pdf