Na
primeira ocasião em que ouvi o termo Uberlândia (cidade de), a imagem que me
ocorreu à mente foi a de parque temático, por analogia com a de Disneylândia, tão
lembrada entre nós portugueses e europeus. A pouco e pouco, fui tentando
acostumar-me à ideia daquele lugar como cidade igual a tantas outras. A
criatividade linguística dos brasileiros seria a resposta para a excentricidade
do nome encontrado.
A
coisa mudou de enfoque, e a minha curiosidade adensou-se quando, do alto, noite
dentro, vislumbrei as luzes do alinhamento urbanístico que dá estrutura à
cidade. Nunca vislumbrara algo tão estruturado, tão geometricamente regular e
tão belo, enquanto desenho urbano. No solo, percorrendo os arruamentos, um após
outro, tão bem alinhados, pude entender a razão da minha surpresa mas, também,
verificar que a homogeneidade configurada pelas luzes não se materializava na analogia
da qualidade estética e construtiva do edificado, se bem que, trazendo à
memória visitas passadas a outras paragens brasileiras, a impressão positiva
inicial não se desvaneceu, de todo. Eram outros lugares e, sobretudo, o Brasil
vivia outros tempos (invoco visitas realizadas há 15 anos ou, mesmo, há 10
anos), na sua materialidade económica e social.
Encontrei
alguns elementos de resposta para a curiosidade gerada sobre a história e o
“desenho” da cidade da Uberlândia numa monografia que, por acaso, me chegou às
mãos, oferecida por um professor da Universidade Federal da Uberlândia, José Santos
Rosselvelt, obra de que foi cocoordenador e coautor. Abaixo, deixo a referência
completa da obra. Acrescente-se que a cidade em causa, situada no interior do
Estado de Minas Gerais, tem nesta altura uma população da ordem dos 700.000
habitantes, embora exista formalmente como cidade há pouco mais de um século,
os primeiros 37 anos dos quais com uma denominação distinta da atual (Rosselvelt e Alves,
2005).
Na verdade, segundo
os autores da obra antes invocada, “A origem do topónimo é datada de 1929 […],
trinta e sete anos depois da elevação de São Pedro de Uberabinha â categoria de
cidade” (Rosselvelt e Alves,
2005, p.72), tendo a nova denominação sido sugerida por João de Deus Faria e
aprovada pela população, em plebiscito. Acrescenta-se na mesma obra que o termo
resulta “da união de duas palavras – Uberis, que é de origem latina e significa
fértil, e ´Land`, que provém do
germânico e significa terra” (Rosselvelt e Alves, 2005, pp.72/73). Não é
sublinhado mas talvez devesse sê-lo que a designação anterior da povoação colhe
no atravessamento do território em casa pelo Rio Uberabinha, pelo que a
fertilidade de solos que se invoca terá em grande medida a sua razão de ser na
existência deste curso de água, donde me parece ser de inteira justiça que
tenha dado nome à cidade.
Muito mais remotamente,
a fundação da cidade surge associada aos nomes de João Pereira da Rocha e de
Felisberto Alves Carrejo, entre outros. O primeiro chegou às margens de um
curso de água denominado Ribeirão São Pedro, em 1818, tendo em 1821 recebido
uma carta de ´sesmeiro` que o habilitou a administrar um esaço que media “três
léguas de comprimento por uma légua de largura, entre os rios Uberabinha e
Araguari” (Rosselvelt e Alves,
2005, p.20). Anote-se que o Ribeirão São Pedro coincide hoje, em grande medida,
com o traçado de um dos principais arruamentos da cidade (Avenida Rodon
Pacheco), “convivendo” com ele encanado. O segundo fundou, em 1835, a primeira
escola para alfabetizar menores, “escrevendo ele mesmo as lições e os
exercícios para o ensino da leitura e da escrita” (Rosselvelt e Alves,
2005, p.21). Acrescentam os autores cuja obra venho citando que a instalação da
escola e o seu contínuo funcionamento terão dado contributo decisivo para o
robustecimento progressivo do povoado e a sua transformação, mais tarde, em
cidade.
Vital para o
progresso da cidade foi também a chegada da ´estrada de ferro`, que teve a sua
estação ferroviária inaugurada em 21 de Dezembro de 1895 (Rosselvelt e Alves, 2005). Ironicamente, naquele que era o
trajeto de penetração na localidade então, existe hoje uma via rodoviária larga
onde, nas faixas esquerdas em cada sentido, que presumo que coincidam com a
inserção pré-existente dos carris da linha, existe hoje uma via reservada a
autocarros.
O traçado atual da
cidade toma como referência originária um plano urbanístico datada de 1909
(primeiro plano urbanístico), da autoria do engenheiro Mellor Ferreira Amado.
“O traçado reto e a padronização de quarteirões em malha de xadrez vinha ao
encontro das aspirações dos políticos locais, que queriam ter representado, no
espaço urbano, a modernização apresentada pela cidade” (Rosselvelt e Alves,
2005, p.22).
A propósito do
traçado de Uberlândia, cumprirá que se diga que este vem na linha de modelos
urbanísticos usados precedentemente na envolvente, nomeadamente em Araguari,
onde teve protagonismo central a figura do “alinhador”, personagem encarregue
pela Câmara Municipal, aquando da elevação daquela povoação a cidade, em 1888,
de estabelecer o seu traçado, e que exerceu essa função até 1895. A partir dessa
data, “o engenheiro Achiles Widulick, responsável pelo trecho em construção da
Cia. Mogiana de Estrada de Ferro, percurso Araguari-São Pedro do Uberbinha
(Uberlândia), elaborou a primeira planta projetando a delimitação urbana”.
Resultado do esforço pioneiro
do “alinhador” ou do trabalho continuado do “alinhador” e do engenheiro da
empresa responsável pela construção da ´estrada de ferro`, o que é certo é que
o modelo urbanístico fez escola, ao ponto de informar o desenho urbano até aos
dias de hoje.
Nem todos, digo, os
responsáveis pelo planeamento urbanístico feito hoje em dia, se reverão nesse
modelo urbanístico. O que é certo, no entanto, é que apresenta inúmeras
virtualidades, a menos notável das quais mas nem por isso pouco impressiva será
a imagem noturna que projeta, pontoada pelos candeeiros da iluminação púbica.
J. Cadima Ribeiro
Referência: Rosselvelt, José Santos e Alves, Kelen Borges [Coord.] (2005),
Registro do património cultural edificado
das áreas diretamente afetadas, do entorno e de influência das usinas
hidrelétricas de Capim I e II, Composer, Uberlândia.
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