quinta-feira, junho 23, 2011

Uma urgência do país entre muitas: a reorganização administrativa

Na sequência de uma iniciativa nesse âmbito tomada há uns meses em Lisboa, começou a falar-se da necessidade da realização de uma reforma profunda da organização do país a nível de municípios e freguesias. As circunstâncias críticas que se vivem em matéria de dívida externa e de défice das contas do Estado levaram também a que alguns olhassem para essa dimensão da gestão pública como uma em que importaria intervir com urgência, no sentido de impor um melhor uso dos recursos. A multiplicação das parcerias público-privadas empresariais no quadro local a que se vinha assistindo nos últimos anos, figura jurídica-organizacional agora sob suspeita, foi um dos elementos que serviu de alerta da opinião pública. A consagração no memorando elaborado pela Comissão Europeia, BCE e FMI, no quadro do “resgate” da dívida externa portuguesa, da exigência de se olhar para essa problemática constituiu o culminar desse processo de consciencialização da inevitabilidade de se fazer essa reforma e o “argumento” que faltava para que ela possa acontecer.
Valerá a pena dizer que a derradeira reforma da organização da Administrativa Local que foi efectuada ocorreu na década de 30 do século XIX, tendo tido por promotores Mouzinho da Silveira (1832/35) e Passos Manuel (1836). Desde aí, há apenas a assinalar a criação do Distrito de Setúbal e a criação avulsa de municípios e freguesias. Decorrente da dita reforma e das emendas casuísticas posteriormente operadas, temos nesta altura 4259 freguesias, das quais cerca de 35%, isto é 1522, têm menos de 600 eleitores. Por sua vez, o número de eleitos para as Juntas de Freguesia e suas Assembleias são, respectivamente, 13 263 e 34 697. Nos municípios, os eleitos cifram-se em 2016 e nas Assembleias Municipais em 6419.
No enquadramento antes referido, tomar como objectivo chegar às próximas eleições autárquicas, em 2013, com a reorganização concluída é uma meta tão ambiciosa quanto politicamente delicada. Não surpreenderá, por isso, que venhamos a assistir nos próximos tempos à prática tão conhecida de tentar “varrer para debaixo do tapete” o problema (Valdemar Machado).
Sendo suposto prestarem serviços básicos às populações e constituírem-se em agentes de desenvolvimento, as autarquias locais (municípios e freguesias) só serão capazes do fazer se possuírem estruturas mínimas e se se apresentarem dotadas de agentes suficientemente qualificados, o que, nas actuais circunstâncias se torna impraticável na maioria dos casos. A solução de fundir municípios e freguesias é pois a forma incontornável de lhes dar a necessária massa crítica.
Nas zonas urbanas, a fusão ou associação de freguesias não parece ser um problema, já que as questões de identidade terão relevância menor. Os passos já dados nesse sentido em Lisboa e Covilhã dão-nos esse sinal. Em concreto, em Lisboa, pretende passar-se de 53 freguesias para 24, não se tendo notado em razão disso algum tipo de protesto das populações ou fricção entre os partidos. Outro tanto aconteceu no caso da Covilhã, em que é proposto que se opere a fusão das 4 freguesias urbanas da cidade.
O processo será mais delicado nas freguesias rurais. Aí, de modo a tornear o problema da identidade, uma solução que tem sido equacionada será apostar-se em reunir as freguesias em associações, em que as freguesias associadas disporiam de um executivo e uma assembleia comuns, o que lhes possibilitaria o reforço de competências e, logo, também de capacidade de atendimento das necessidades das populações das respectivas circunscrições territoriais. Desta forma, garantir-se-ia igualmente a identidade das populações, a representatividade política e a proximidade entre eleitos e eleitores.
Podendo dizer-se que o contexto económico e social actual não é o mais indicado para a efectivação desta reorganização do Estado, pelo contrário, na medida da urgência e da premência que o país vive, este será um tempo de oportunidade impar para fazer uma reforma estrutural que a conjugação da evolução da demografia, da economia, e as exigências de relação dos eleitos com os “representados” há muito vinham impondo. Pese isso, não se fará sem haja quem levante volumosas cortinas de fumo e sem muita resistência, particularmente da parte de interesses políticos instalados.

J. Cadima Ribeiro

Nota: os dados sobre freguesias e eleitos locais que aqui se reportam foram coligidos por Valdemar Machado, no quadro de um trabalho produzido para uma unidade curricular do Curso de Economia que frequentou na EEG/UMinho

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Jornal de Leiria, no âmbito de colaboração regular)

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