terça-feira, junho 03, 2008

O perfil do criador de empresas do Entre Minho e Douro: alguns dados recentes

Por um acaso determinado pela vivência profissional, chegou-me às mãos há poucas semanas o estudo “Empreendedorismo e Empregabilidade: Que passado? Que Futuro?” (Dez. 2007, Braga), realizado e editado pela Expoente, uma empresa de serviços de consultoria sedeada em Braga. Se o tema do empreendorismo aí tratado é um dos que me cativa a atenção, mais me interessou o dito estudo por nele ser possível encontrar o perfil do criador de empresas de um território que coincide, grosso modo, com o Entre Minho e Douro. A propósito, anote-se que tive oportunidade de trabalhar sobre o perfil do empresário minhoto vai para uns 18 anos. Na altura, aproveitei a informação que era possível colher nas candidaturas a apoios públicos apresentadas ao IAPMEI.

Pese embora a precariedade estatística dos resultados obtidos, via inquérito, pela equipa que realizou o estudo e a não coincidência geográfica do território retido num e noutro estudos, há alguns dados do trabalho agora realizado que julgo valer a pena apresentar e comentar à luz dos resultados do meu trabalho de há 18 anos.

O perfil recente do criador de empresas do Entre Minho e Douro que se retira é o seguinte: i) estamos perante pessoas relativamente jovem (maioritariamente, entre os 26 e os 35 anos), do sexo masculino, casados e sem filhos; ii) são indivíduos detentores de curso superior (61% dos casos), não tendo formação em gestão (67% dos casos); iii) têm antecedentes empresariais (77% dos casos), nomeadamente no seio da família de que são originários (46% dos casos); iv) gozavam de uma situação económica confortável no período anterior à criação do seu negócio; v) em matéria de experiência profissional anterior, desempenhavam sobretudo funções técnicas (40,5% dos casos) ou comerciais (30% dos casos); ainda, vi) também em termos de vivência profissional precedente, provinham em 40% dos casos de PMEs, sendo que apenas 13% dos inquiridos terão arrancado para a criação da sua empresa após a conclusão dos estudos.

Com as limitações que decorrem da discutível representatividade estatística da amostra, estes dados são muito interessantes. São interessantes porque põem em evidência inércias sociais e culturas pessoais no despertar da iniciativa empresarial. São interessantes porque relativizam a formação inicial em gestão e a necessidade material no desenvolvimento do processo. São interessantes, finalmente, porque dão conta de uma evolução no sentido de um empresariado detentor de habilitações superiores.

A anotação de que a formação em gestão não é um pré-requisito não me surpreende, já que o mesmo dado saia evidenciado num estudo académico que li há uns meses sobre o espírito empreendedor dos alunos da Universidade do Porto (Aurora Teixeira, FEP). Se daí se não pode concluir que a atitude de empreender se aprende, também não deixa de se levantar a dúvida sobre se a formação proporcionada nas escolas de gestão (ou, pelo menos, na Universidade do Porto) é a adequada para fomentar esse espírito. De permeio estão as questões da receptividade do mercado aos habilitados com diferentes saberes técnico-científicos e a conjuntura do mercado de trabalho.

Em grande consonância com os resultados por mim obtidos, estão a circunstância das vivências profissionais anteriores serem um elemento essencial para perceber o perfil da empresa criada e a respectiva inserção sectorial e, também, a relevância que continuam a ter os agentes comerciais nessas iniciativas. Este aspecto sublinha a importância da relação com o mercado (clientes, fornecedores) na identificação de oportunidades de negócio.

Diferente do que obtive no dito estudo surge a importância assumida pelas qualificações técnicas, porventura resultado das novas exigências de qualificação (técnica) que está colocada às empresas para singrarem no mercado. Esta é, entretanto, uma questão a que o estudo da Expoente não dá resposta, a merecer ser aprofundada no futuro.

Um outro aspecto que este trabalho não capta é o da naturalidade (local de nascimento e/ou de residência) do empresário. No meu estudo, essa era peça central para sublinhar, como resultou confirmado, a opção de sedeação das pequenas e médias empresas de iniciativa local no mesmo ou em município vizinho daquele de onde é natural ou reside o empreendedor.

A última nota que quero deixar é-me sugerida pela constatação de que os indivíduos sobre que incidiu o estudo da Expoente “gozavam de uma situação económica confortável no período anterior à criação do seu negócio”. É que, a ser assim, são postos em causa os pressupostos de alguns programas públicos de incentivo à criação do próprio emprego e/ou de pequenos negócios.

Se as oportunidades de emprego são devedoras da iniciativa empresarial, o que os dados obtidos nos dizem é que o que importa apoiar é a iniciativa empresarial daqueles que a têm e que, fruto do conhecimento que adquiriram sobre os mercados, precisam do empurrão que os faça deixar o emprego “assalariado”, ao invés de tentar transformar desempregados em empresários. Aliás, os obstáculos à iniciativa empresarial mais referidos neste estudo são a dificuldade de dispor de capital inicial suficiente e o receio de pôr em risco o equilíbrio orçamental familiar ao avançar para um projecto empresarial.

J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado na edição de hoje do Suplemento de Economia do Diário do Minho, em coluna regular intitulada "Desde a Gallaecia")

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