Resposta às questões do jornalista
Arménio Santos, do Jornal+,
quinzenário regional do Vale do Sousa, recebidas em 2012/05/09
[O meu contacto
surge devido ao impacto do estudo feito pelo seu aluno de mestrado, Manuel
Mendes, sobre as "capitais" do nosso país. Nesse trabalho, estão
contemplados Paços de Ferreira, Paredes e Felgueiras, nomeadamente, pelo que
teria todo o interesse em abordar algumas questões tendo-o como interlocutor,
dado o seu domínio da área da economia e desenvolvimento regional.]
P: O recurso à chancela de "capital" é
uma boa estratégia promocional dos municípios para valorizarem aquilo que os
distingue? Porquê?
R: A expressão “capital de…”
é um elemento distintivo de qualquer cidade ou território, isto é, tem uma
conotação positiva no comum dos indivíduos. A essa luz, pode ser capitalizada
como instrumento de marketing, É isso que muitos municípios têm vindo a fazer,
uns de forma mais consistente e eficaz que outros. A eficácia tem também que
ver com os recursos ou capacidades que se pretende relevar e com a forma e a
qualidade da mensagem difundida.
P: Qual a melhor forma de conseguir esse
desiderato?
R: Do meu ponto de vista, em
primeiro lugar, a mensagem a passar deve ter fundamento na realidade
local/regional e, se possível, fazer apelo de elementos que, de alguma forma,
invoquem um certo imaginário que possa existir associado a esse território ou,
alternativamente, ir ao encontro das referências presentes dos indivíduos. Por
outro lado, como digo, é preciso saber veicular essa mensagem, o que leva a
tê-la como peça de uma estratégia de promoção da imagem de um certo sítio,
cidade ou município.
P: No caso da nossa região, Paços de Ferreira
adoptou a Capital do Móvel. O que ganhou com isso?
R: Paços de Ferreira é
exemplo de uma situação em que se pretendeu consagrar uma imagem claramente
enfeudada na dinâmica e na tradição industrial local. A adopção da “marca” territorial
foi uma forma de consagrar, trazer para o domínio do simbólico, esse
saber-fazer e tradição. Adoptando a designação de Capital do Móvel terá
pretendido também inibir outros municípios onde a actividade invocada também
tem forte expressão de o fazerem, isto é, reclamarem para si essa designação.
Paredes, por exemplo, teria legitimidade, igualmente, para adoptar essa
“marca”.
P: Paredes, que até produz mais mobiliário,
tentou, através da marca Rota dos Móveis, reposicionar-se. Já foi tarde?
R: Ter iniciativa, ser capaz
de jogar na antecipação é um mérito. Paços de Ferreira foi-o, no domínio
invocado. Ser capaz de reverter dados iniciais que se configuram negativos é
expressão também de inteligência e de competência. Nesse sentido, creio que Paredes
foi capaz de dar resposta adequada à dificuldade com que estava confrontada,
isto é, capitalizar a imagem de relação com o sector e de
vizinhança/complementaridade com Paços de Ferreira. A aposta na Rota dos Móveis
é um dos elementos da resposta que encontrou. Outro foi, segundo julgo saber, a
adopção da designação de “Capital do Design”, que não só pode ser imediatamente
ligada à indústria do mobiliário como transmite a ideia de modernidade e de
criatividade.
P: Já defendeu, no seu blogue, que os municípios
devem procurar marcas distintivas para atrair visitantes e dinamizar a economia
local. Este processo é - ou deveria ser - natural?
R: Durante muito tempo, os
teóricos do desenvolvimento regional e local olharam para o desenvolvimento dos
territórios como sendo o resultado do aporte externo de recursos e de
orientações de política. Hoje tem-se uma leitura radicalmente diferente, da
qual sobressaem as ideias de que são os recursos e competências locais,
incluindo a capacidade de gerar e tornar efectivas lideranças internas, que
estão na origem da maioria dos processos de desenvolvimento. Por isso, quando
se fala em aproveitar e capitalizar os atributos locais não é doutra coisa que
se está a falar senão da de dar corpo a estas novas visões da construção das
políticas de desenvolvimento territorial e do desenvolvimento, de um modo
geral. Entretanto, o desenvolvimento é um processo, não é um estádio. Como tal,
carece de ser planeado e estimulado, de forma a tirar o melhor partido dos
recursos ao dispor das comunidades. A qualidade da liderança faz diferença
desse ponto de vista, maior, amiúde, que a dotação inicial de recursos.
P: Manuel Mendes refere, no seu estudo, que há
casos como o de Felgueiras e São João da Madeira, que reclamam o
"calçado". Como se resolve o problema?
R: Não penso que seja caso
para dramatizar situações como a que assinala, se bem que já foram invocados os
casos de Paços de Ferreira e de Paredes em que foi possível chegar a uma
solução mutuamente satisfatória. Acredito que, da mesma forma, seja possível
encontrar uma resposta para Felgueiras e S. João da Madeira que evite
duplicação de “marcas”, sem que algum dos municípios tenha que abdicar de
construir a sua a partir dos seus atributos identitários.
P: Não deveria haver um mecanismo que
orientasse a apropriação da nomenclatura comercial "Capital" por
parte de um município?
R: Tanto quanto sei,
aplicam-se a este caso as mesmas regras que às marcas comerciais, no sentido
restrito (empresarial) do termo. É também verdade que muitas das designações
adoptadas pelos municípios não foram ainda juridicamente formalizadas, pelo que
a disputa que possa existir em torno de uma marca tem natureza diferente da que
decorreria em sede formal. Essa opção por manter a marca no domínio do uso informal
pode ser expressão da menor relevância que é atribuída a esse elemento de
marketing da imagem ou de menor consciência da importância dele na valorização
dos territórios e dos seus recursos com valia socioeconómica.
Não sou capaz de concluir
que haveria vantagem em autonomizar este domínio de consagração formal da marca
do que está institucionalmente definido. Em todo o caso, há uma instância que
pode funcionar como instância de concertação entre os municípios também neste
âmbito. Refiro-me à Associação Nacional de Municípios.
Braga, 13 de Maio de
2012
J. Cadima Ribeiro
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