sexta-feira, maio 18, 2012

"A expressão ´capital de…` é um elemento distintivo de qualquer cidade ou território"

Resposta às questões do jornalista Arménio Santos, do Jornal+, quinzenário regional do Vale do Sousa, recebidas em 2012/05/09

[O meu contacto surge devido ao impacto do estudo feito pelo seu aluno de mestrado, Manuel Mendes, sobre as "capitais" do nosso país. Nesse trabalho, estão contemplados Paços de Ferreira, Paredes e Felgueiras, nomeadamente, pelo que teria todo o interesse em abordar algumas questões tendo-o como interlocutor, dado o seu domínio da área da economia e desenvolvimento regional.]


P: O recurso à chancela de "capital" é uma boa estratégia promocional dos municípios para valorizarem aquilo que os distingue? Porquê?
R: A expressão “capital de…” é um elemento distintivo de qualquer cidade ou território, isto é, tem uma conotação positiva no comum dos indivíduos. A essa luz, pode ser capitalizada como instrumento de marketing, É isso que muitos municípios têm vindo a fazer, uns de forma mais consistente e eficaz que outros. A eficácia tem também que ver com os recursos ou capacidades que se pretende relevar e com a forma e a qualidade da mensagem difundida.

P: Qual a melhor forma de conseguir esse desiderato?
R: Do meu ponto de vista, em primeiro lugar, a mensagem a passar deve ter fundamento na realidade local/regional e, se possível, fazer apelo de elementos que, de alguma forma, invoquem um certo imaginário que possa existir associado a esse território ou, alternativamente, ir ao encontro das referências presentes dos indivíduos. Por outro lado, como digo, é preciso saber veicular essa mensagem, o que leva a tê-la como peça de uma estratégia de promoção da imagem de um certo sítio, cidade ou município.

P: No caso da nossa região, Paços de Ferreira adoptou a Capital do Móvel. O que ganhou com isso?
R: Paços de Ferreira é exemplo de uma situação em que se pretendeu consagrar uma imagem claramente enfeudada na dinâmica e na tradição industrial local. A adopção da “marca” territorial foi uma forma de consagrar, trazer para o domínio do simbólico, esse saber-fazer e tradição. Adoptando a designação de Capital do Móvel terá pretendido também inibir outros municípios onde a actividade invocada também tem forte expressão de o fazerem, isto é, reclamarem para si essa designação. Paredes, por exemplo, teria legitimidade, igualmente, para adoptar essa “marca”.

P: Paredes, que até produz mais mobiliário, tentou, através da marca Rota dos Móveis, reposicionar-se. Já foi tarde?
R: Ter iniciativa, ser capaz de jogar na antecipação é um mérito. Paços de Ferreira foi-o, no domínio invocado. Ser capaz de reverter dados iniciais que se configuram negativos é expressão também de inteligência e de competência. Nesse sentido, creio que Paredes foi capaz de dar resposta adequada à dificuldade com que estava confrontada, isto é, capitalizar a imagem de relação com o sector e de vizinhança/complementaridade com Paços de Ferreira. A aposta na Rota dos Móveis é um dos elementos da resposta que encontrou. Outro foi, segundo julgo saber, a adopção da designação de “Capital do Design”, que não só pode ser imediatamente ligada à indústria do mobiliário como transmite a ideia de modernidade e de criatividade.

P: Já defendeu, no seu blogue, que os municípios devem procurar marcas distintivas para atrair visitantes e dinamizar a economia local. Este processo é - ou deveria ser - natural?
R: Durante muito tempo, os teóricos do desenvolvimento regional e local olharam para o desenvolvimento dos territórios como sendo o resultado do aporte externo de recursos e de orientações de política. Hoje tem-se uma leitura radicalmente diferente, da qual sobressaem as ideias de que são os recursos e competências locais, incluindo a capacidade de gerar e tornar efectivas lideranças internas, que estão na origem da maioria dos processos de desenvolvimento. Por isso, quando se fala em aproveitar e capitalizar os atributos locais não é doutra coisa que se está a falar senão da de dar corpo a estas novas visões da construção das políticas de desenvolvimento territorial e do desenvolvimento, de um modo geral. Entretanto, o desenvolvimento é um processo, não é um estádio. Como tal, carece de ser planeado e estimulado, de forma a tirar o melhor partido dos recursos ao dispor das comunidades. A qualidade da liderança faz diferença desse ponto de vista, maior, amiúde, que a dotação inicial de recursos.

P: Manuel Mendes refere, no seu estudo, que há casos como o de Felgueiras e São João da Madeira, que reclamam o "calçado". Como se resolve o problema?
R: Não penso que seja caso para dramatizar situações como a que assinala, se bem que já foram invocados os casos de Paços de Ferreira e de Paredes em que foi possível chegar a uma solução mutuamente satisfatória. Acredito que, da mesma forma, seja possível encontrar uma resposta para Felgueiras e S. João da Madeira que evite duplicação de “marcas”, sem que algum dos municípios tenha que abdicar de construir a sua a partir dos seus atributos identitários. 

P: Não deveria haver um mecanismo que orientasse a apropriação da nomenclatura comercial "Capital" por parte de um município?
R: Tanto quanto sei, aplicam-se a este caso as mesmas regras que às marcas comerciais, no sentido restrito (empresarial) do termo. É também verdade que muitas das designações adoptadas pelos municípios não foram ainda juridicamente formalizadas, pelo que a disputa que possa existir em torno de uma marca tem natureza diferente da que decorreria em sede formal. Essa opção por manter a marca no domínio do uso informal pode ser expressão da menor relevância que é atribuída a esse elemento de marketing da imagem ou de menor consciência da importância dele na valorização dos territórios e dos seus recursos com valia socioeconómica.
Não sou capaz de concluir que haveria vantagem em autonomizar este domínio de consagração formal da marca do que está institucionalmente definido. Em todo o caso, há uma instância que pode funcionar como instância de concertação entre os municípios também neste âmbito. Refiro-me à Associação Nacional de Municípios.


Braga, 13 de Maio de 2012

J. Cadima Ribeiro

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