quarta-feira, abril 15, 2020

A Pedra Formosa do Castro das Eiras

Este artigo tem como objetivo principal despertar o interesse por um tipo de monumento arqueológico que deve merecer um maior investimento em termos de estudo, salvaguarda e divulgação – A Pedra Formosa do Castro das Eiras. Não é a maior maravilha do Mundo nem de Portugal, mas é um tesouro da identidade e referência de Vila Nova de Famalicão.
Este monumento, com forno do tipo construção hipogeia, com uma arquitetura original e complexa, apesar de possuir alguma uniformidade construtiva, apresenta uma variedade arquitetónica significativa, provavelmente associada a diversos modelos termais. Este é um exemplar de entre trinta, conhecidos e distribuídos por uma área geográfica que abrange o norte da Galiza, as Astúrias e que se prolonga até à margem sul do rio Douro, em Portugal. Estes monumentos são os mais antigos balneários existentes nesta área geográfica, são os percursores do termalismo atual e possuem um grande potencial turístico que urge desenvolver na criação de um roteiro turístico-cultural.
No caso da Pedra Formosa do Castro das Eiras, esta foi descoberta na década de 90 no âmbito das escavações do Castro Alto das Eiras, na freguesia de Pousada de Saramagos, pelo arqueólogo Francisco Queiroga, do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Na altura, o monumento do Alto das Eiras foi identificado como uma composição arquitetónica, datada do século I, composta por átrio, antecâmara, câmara e fornalha e elementos decorativos, tal como outros monumentos congéneres. No entanto, o maior destaque revelou ser a descoberta da riqueza ornamental da sua Pedra Formosa. 

Figura 1 - Reconstituição do Balneário Castrejo - Reconstituição do Balneário Castrejo do Castro das Eiras no Parque da Devesa. A Pedra Formosa original encontra-se em exposição na Casa do Território. Fotografia de Pedro Costa.

Passados 30 anos da descoberta deste monumento singular, esta riqueza continua a mostrar-se ao mundo, na Casa do Território, local identitário de Vila Nova de Famalicão, cumprindo um dever de cidadania. Com o intuito de conservar as marcas do passado, este espaço faz a ponte entre o presente e o futuro. Foi pensado para ser um espaço de divulgação, de participação e de aprendizagem sobre o território de Vila Nova de Famalicão e da região envolvente, valorizando elementos associados aos seus ativos e à sua identidade. Da mesma forma, o Parque da Devesa tem patente desde a sua inauguração uma reconstituição (réplica) do balneário do Alto das Eiras.  


A Pedra Formosa é um monólito de grandes dimensões, decorado com gravuras em baixo relevo, localizado no interior do balneário do Castro da Eiras, que permite o acesso ao compartimento dos banhos e vapores quentes através de uma pequena abertura. Trata-se de um monumento singular, batizado pelo povo há vários séculos devido à beleza da sua ornamentação, sendo um dos achados arqueológicos mais estudados. Ao longo de muitas décadas, o mistério que a envolvia alimentou um aceso debate entre os especialistas acerca da sua natureza e função. É um monólito de granito lavrado há uns três mil anos, com quase três metros de largura e mais de dois de altura. Apesar das suas dimensões e peso, calculado em mais de cinco toneladas, já foi objeto de várias trasladações.
A Pedra Formosa fazia parte da estrutura de um balneário composto por três espaços distintos: átrio com um tanque onde caía a água corrente (destinado a banhos frios), antecâmara de transição e câmara para banhos de vapor, tipo sauna. O vapor era produzido lançando água sobre seixos previamente sobreaquecidos num forno adjacente a esta última câmara. A Pedra Formosa erguia-se entre a antecâmara e o espaço da sauna, permitindo o acesso através da pequena abertura semicircular situada na sua base, concebida de modo a evitar a fuga de calor, mas suficiente para permitir a passagem de uma pessoa.
As pedras formosas são, pela sua importância material e simbólica, os tesouros mais valiosos que os arqueólogos podem achar nas ruínas dos velhos castros, constituindo uma das produções mais marcantes da arte de lavrar a pedra associada à cultura castreja.
O papel simbólico e cultural que teriam no seio da sociedade castreja da Idade do Ferro continua a suscitar muitas dúvidas. Numa perspetiva aproximada, estão associados ao culto das águas, à sacralidade do banho purificador, provavelmente com fins medicinais e, eventualmente, a rituais iniciáticos. Algumas destas caraterísticas estão plasmadas nas decorações frontais das pedras formosas, cuja mestria se deve aos escultores que as insculpiram, (provavelmente itinerantes), tipologia e interpretação simbólica.
Ainda que subsistam dúvidas sobre o que realmente motivou a construção destes balneários-sauna, não podemos deixar de os colocar como os primeiros exemplares de balneários termais, inseridos, desta forma, na história do termalismo da Península Ibérica. Também por isso refiro, ainda, as possibilidades da sua fruição como património cultural, relevando a importância dos projetos de valorização de que têm sido alvo e das necessidades que ainda se impõem no sentido da sua salvaguarda e divulgação, propondo, no plano teórico, um roteiro turístico cultural e arqueológico.
As instituições que gerem estes projetos de valorização já realizados pretendem, certamente, de variadas formas, converter estes sítios arqueológicos em polos de dinamização pedagógica, turística e cultural, integrando-os de forma sustentada no meio, na região. Há que continuar a insistir na melhoria desses projetos e, sobretudo, na sua divulgação e dinamização, pois quanto maior for o valor turístico sob o ponto de vista económico, proporcionando emprego e desenvolvimento a partir de atividades geradas, pela salvaguarda e valorização do património, mais importante será para a região onde se enquadram este tipo de sítios arqueológicos, normalmente afastados dos grandes centros.

Pedro Costa


Referências:

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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