Situado no interior
norte do distrito de Aveiro, caraterizado pela ruralidade, Arouca era até há não
muito tempo um território afamado por um mosteiro edificado durante o século X,
mas ignorado na consciência nacional. Em 2009, o panorama inverteu-se: da
ignorância nacional, Arouca passou para a ribalta do património mundial. A aposta
numa estratégia de desenvolvimento sustentado no património geológico revelou-se
uma vantagem competitiva para a região. Foi, precisamente, o valor da história
que as rochas protegem, tantas vezes negligenciado, e a importância da ciência
nas decisões políticas que suscitou o tema para o desenvolvimento do presente
artigo.
Pode dizer-se
que a história começou há cerca de 100 anos, com o Sr.
Joaquim Valério, um homem simples mas muito curioso, que dizia ter voltado
do serviço militar em Angola uma pessoa mais instruída. Os fósseis não lhe
passaram despercebidos.
Durante o
seu trabalho na pedreira de Canelas, a lascar a pedra de ardósia, o Sr. Joaquim
encontrava frequentemente rochas com relevo de figuras de animais. Com muito
carinho, ia guardando os exemplares que lhe pareciam mais bonitos. Sempre que recebia
uma visita na pedreira, ele exibia a sua coleção como se de algo sobrenatural
se tratasse; algo bíblico. Ele acreditava que aqueles animais eram vestígios do
dilúvio (episódio bíblico da Arca de Noé). Ainda que sendo um homem sem
conhecimentos científicos, o Sr. Joaquim compreendeu que aquelas eram figuras
de animais marinhos e socorreu-se das suas referências para explicar o
fenómeno. Parece pertinente.
Foi nos anos
50, através do professor Décio Tadeu, que a comunidade científica teve
conhecimento do gigantismo dos fósseis de Canelas. Aquando de uma visita do
professor à pedreira, o Sr. Joaquim ofereceu-lhe os fósseis que tinha reservado
num cantinho privilegiado. Foi neste encontro com o professor que o Sr. Joaquim
compreendeu que aqueles eram fósseis de trilobites. Atualmente, estes fósseis encontram-se
no Instituto Superior Técnico, em Lisboa.
As
trilobites foram animais marinhos que habitaram os mares durante 300 milhões de
anos e que evoluíram no decorrer da era do Paleozóico, entre os períodos
Câmbrico e Pérmico, ou seja, foram das primeiras formas complexas de vida que
surgiram no planeta há mais de 500 milhões de anos, numa altura em que a
configuração dos mares e dos continentes diferia em larga escala da
configuração da atual.
É fácil encontrar fósseis de trilobites em todas as regiões
do planeta mas, geralmente, são de pequenas dimensões, até 10 cm. Canelas é um
dos raros sítios do mundo onde é frequente encontrar trilobites com dimensões
superiores a 50 cm, algumas chegam até aos 90 cm, o que confere a este
território um valor especial.
Trilobites não são os únicos fósseis
que afloram na região, é igualmente frequente o achado de fósseis de gastrópodes,
cefalópodes, braquiópodes, bivalves, fósseis vegetais, entre outros.
Na inspiração do trabalho do seu avô,
Manuel Valério deu continuidade à pedreira, sempre no intuito de preservar os
fósseis que fosse encontrando e de dar a conhecer ao mundo esse valioso património.
Em 2006, com a ajuda de geólogos e paleontólogos, Manuel Valério criou o Museu
das Trilobites - Centro de Interpretação Geológica de Canelas.
Os achados fósseis da família Valério
foram os responsáveis pelo despertar da curiosidade científica naquele território.
Entretanto, várias formações geológicas de relevante interesse foram
descobertas na região de Arouca. São exemplo disso as Pedras Parideiras ou as
Pedras Boroas. Em 2005, é bem recebida pela autarquia a ideia levantada pelo
paleontólogo Artur Abreu Sá da criação de um geoparque no município de Arouca.
41 geosítios foram referenciados e vários outros requisitos foram cumpridos. No
Dia da Terra, a 22 de abril de 2009, é anunciado a integração do Arouca Geopark na Rede Europeia de Geoparques.
O tamanho das trilobites encontradas em Canelas constituiu um fortíssimo
argumento que conduziu a esta realidade. Atualmente, o Arouca Geopark está classificado
como Geoparque Mundial da UNESCO.
Depois desta classificação, muito
mais haveria para dizer sobre Arouca, desde o prestígio nacional e
internacional que o território alcançou e todo o desenvolvimento turístico,
económico e social que daí adveio, os vários galardões obtidos, as centenas de
pessoas que todos os dias percorrem os Passadiços do Paiva ou a maior ponte suspensa do mundo, que será inaugurada
ainda este ano, o que seguramente fará as delícias dos mais audazes (fica a
sugestão para consulta do sítio http://aroucageopark.pt). Portanto, em torno do património geológico criou-se e valorizou-se todo
um património cultural que faz de Arouca um exemplo de boas-práticas,
reconhecido pelas mais prestigiadas entidades.
E porque a humanidade só conserva
aquilo que valoriza, retém-se a história de um homem simples que desde cedo
compreendeu a importância de conservar um património produzido pela natureza e perpetuado
na pedra, que veio a revelar-se uma aposta estratégica no desenvolvimento e na
valorização do território.
Eliana Veiga
Referências
Arouca
Geopark. (s.d.). Obtido de http://www.aroucageopark.pt.
Museu das Trilobites - Centro de Interpretação
Geológica de Canelas. (s.d.). Obtido de https://museudastrilobites.pt.
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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