O concelho de Miranda do
Douro, situado em Trás-os-Montes e no Douro Superior, é um dos concelhos com
menor densidade populacional do país,1 tendo como atividades
económicas principais a agricultura, a pecuária, a carpintaria, o artesanato e a
construção civil, o comércio e alguma indústria. É uma região desertificada e
pobre, que deve procurar nos escassos recursos disponíveis oportunidades de
gerar riqueza. Assim, à semelhança da maioria dos concelhos de Portugal, também
o de Miranda do Douro possui recursos passíveis de serem explorados
turisticamente, onde se destaca o seu património natural e etnográfico. O presente artigo de opinião debruçar-se-á
sobre um recurso cujo incontestável valor cultural e potencial turístico contrastam
flagrantemente com o crescente descaso a que tem sido votado – o Conjunto da
Barragem do Picote.
No período pós-Segunda
Guerra Mundial, Portugal encontrava-se, em confronto com outros países europeus,
num estado de considerável atraso tecnológico. Reconhecendo o papel crucial da
industrialização na melhoria do nível de vida da população e dando continuidade
à política de eletrificação do país, o I Plano de Fomento para os anos de 1953
a 1958 incluiu a construção de uma “Central no Douro”. Com esse objetivo, em
1953, é fundada a Hidro-Elétrica do Douro, S.A.R.L., posteriormente designada
EDP, sendo-lhe concedida a exploração do aproveitamento da energia das águas do
rio Douro e o encargo de terminar o estudo do “Douro Master Plan”, executado
pela Knappen-Tippets-Abbet-McCarthy, em 1951, a pedido do Governo Português.
Assim, em 1953/54, os
jovens arquitetos João Archer de Carvalho (1928), Manuel Nunes de Almeida
(1924-2014) e Rogério Ramos (1927-1976),
recém-formados na Escola Superior de Belas Artes do Porto, integrariam o corpo
técnico da Hidroelétrica do Douro, elaborando os projetos das intervenções do
Picote, Miranda do Douro e Bemposta.
A construção das Centrais
Hidroelétricas do Douro Internacional constituiu uma solução estrategicamente ponderada,
por meio da qual se procurava dar resposta à crescente pressão política para estimular
o incremento industrial, contribuindo assim para atenuar o endémico atraso
tecnológico português.
É neste enquadramento
cronológico, social e económico que se assiste ao surgimento, na freguesia do
Picote, de um conjunto homónimo, constituído pela barragem e pelas instalações
técnicas a ela associadas, a área habitacional com centro comercial, assim como
por uma escola, igreja, casa dos operários, casa dos engenheiros, pousada,
piscina e campo de ténis – bairro do Barrocal do Douro. É neste território
pobre e agreste que o projeto nasce e toma forma, fundindo-se “com a paisagem,
com um admirável sentido de ligação à terra e às pessoas que dela fazem parte”.2
O conjunto da Barragem do Picote constitui-se, deste modo, como uma das
obras cimeiras do Movimento Moderno em Portugal, tendo no bairro do Barrocal do
Douro a materialização da ideia de “cidade industrial”, sendo este o único
exemplo existente em território português. São quatro as obras do conjunto que,
pela sua excelência, constituem um marco do Modernismo Nacional: a igreja, da autoria
de Manuel Nunes de Almeida; as casas dos engenheiros e a pousada, de Rogério
Ramos, e a piscina e campo de ténis, de João Archer de Carvalho.
Não
cabe aqui relatar as vicissitudes a que o local se encontrou sujeito, culminando
no estado de abandono de parte dos equipamentos construtivos que o compõem.
Urge dar novos usos a esses equipamentos, com o intuito de os valorizar e
conservar. Um dos passos no sentido de conservar e valorizar o lugar foi já dado
em 2011, com a classificação da Central Hidroelétrica do Picote como Conjunto
de Interesse Público. Esperemos que outros se lhe sucedam, ainda que o percurso,
cujos resultados não serão decerto visíveis a curto prazo, se adivinhe longo e
pontuado de obstáculos diversos.
Não
cremos que o Turismo Rural se revele adequado àquele enquadramento, sob pena de
se desvirtuar a leitura do conjunto. Contudo, não deve ser afastada a
possibilidade de fomentar um turismo que retire vantagem, de forma harmoniosa e
estrategicamente concertada, de uma aproximação às questões do Modernismo em
Portugal e dos valores do lugar – em cujo âmbito se assumem especial destaque a
cultura local, de tipo rural, a geografia, o clima, as espécies vegetais e
animais e o próprio Homem. Estamos perante um lugar de memória, evocativo de uma
fase de industrialização, levada a cabo num sítio remoto e pobre, mas que,
inquestionavelmente, merece ser dado a conhecer. O Conjunto da Barragem do Picote é um “museu a
céu aberto” que usufrui de uma localização privilegiada, por se situar num dos
mais belos segmentos do rio e pertencer ao Parque Natural do Douro
Internacional.
Importa, em qualquer
caso, não ignorar o risco real de um lugar desta natureza se revelar capaz de atrair
apenas um público restrito, convertendo-se, deste modo, em destino turístico
especializado para visitantes interessados em arquitetura moderna. Por forma a obviá-lo,
devem ser estudadas estratégias de apresentação do lugar que valorizem o envolvimento
da comunidade local e apostem na reutilização sustentável dos edifícios, com o
objetivo de proporcionar a plena fruição cultural do sítio, tornando-o num
complemento aos recursos existentes já explorados pelo concelho.
Bairro do Barrocal do Douro. Fotografias
de Ricardo Gonçalves
Luís
Filipe Marinho Leite
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1 -
https://www.cm-mdouro.pt/uploads/writer_file/document/976/Diagn_stico_Social_2018_-_Atualiza__o_de_Dados.pdf
, acedido a 02-04-2020
2 -
http://overdete.blogspot.com/2008/01/o-complexo-habitacional-de-picote-surge.html,
acedido a 02-04-2020
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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