O
Município de Vizela situa-se no Noroeste de Portugal continental, mais
precisamente na sub-região do Vale do Ave, entre as cidades de Braga e Porto. Este
território é sobejamente conhecido e reconhecido pelo seu forte perfil
industrial. No caso de Vizela, a sua identidade fabril é profundamente marcada
pelo têxtil e pelo calçado.
Figura 1 – Localização do concelho de Vizela em Portugal
Fonte: CAOP, 2010; Carta
Administrativa de Portugal, 2010
O
Plano de Urbanização de Vizela encomendado pela Câmara Municipal de Guimarães
para a então Vila de Vizela (à época pertencia ao concelho vimaranense) caraterizava
desta forma o seu perfil: “aspecto dominantemente oitocentista, de vila jovem”[1].
E por boas razões. A então Vila de Vizela conheceu o seu principal
desenvolvimento económico e, consequentemente, urbano com o advento da sua industrialização
na primeira década do século XIX. Posteriormente, surgem outras unidades
dispersas pelo município. Um novo surto industrial regista-se após 1976. O
fulgor industrial durará até à crise da indústria registada nos últimos anos do
século XX. Este problema que descrevemos é supranacional e longo. Muitos
territórios têm vindo a lidar com o acelerado processo de desindustrialização,
fruto da deslocação das empresas para outras zonas do globo à procura de
mão-de-obra mais barata e da terciarização da economia das cidades.
À
crise social que se seguiu, juntou-se a do urbanismo e da salvaguarda de um
potencial património memorial comum, pois a maior parte dos espaços fabris
foram votados ao abandono, algo especialmente problemático para aqueles que se
localizavam no espaço urbano, ou, num par de anos, substituídos por empreendimentos
comerciais ou imobiliários.
No
contexto do presente artigo no âmbito das políticas públicas importa perceber: i)
se o legado patrimonial deixado por uma das maiores transformações a que
humanidade assistiu e o seu forte impacte na paisagem e nos territórios foi alvo
de salvaguarda como instrumentos de ancoragem da memória e identidade da
comunidade; e ii) se ocorreram processos de reabilitação e revitalização que
permitissem a adaptação
ou reconversão dos equipamentos
para atividades que pudessem gerar algum tipo de retorno às populações.
O conceito do património industrial está
estabelecido entre nós. O interesse pela salvaguarda deste património surge na
década de 50, no Reino Unido, como sintoma da nostalgia causada pela destruição
massiva de unidades industriais durante a II Guerra Mundial. Enquanto
património construído, está internacionalmente reconhecido pela UNESCO e
nacionalmente protegido pela Lei de Bases do Património Cultural. A Direção-Geral
do Património Cultural define-o assim: “De uma forma muito sintética, pode
então dizer-se que o património industrial trata dos vestígios
técnico-industriais, dos equipamentos técnicos, dos edifícios, dos produtos,
dos documentos de arquivo e da própria organização industrial.”[2]
Uma
breve visita ao território vizelense é suficiente para perceber que o edificado
industrial passível de classificação e proteção foi demolido ou arrasado, tendo
sido substituído por outros edifícios contemporâneos. A zona ribeirinha é
particularmente ilustrativa, onde vemos unidades emblemáticas e caraterísticas
da era industrial esventradas ou destruídas para darem lugar a construções que
não fazem qualquer eco da identidade de outrora.
Vizela
seguiu as piores práticas no que concerne a gestão urbanística e patrimonial.
Os poderes locais não foram capazes de olhar para o património industrial e a
versatilidade de usos que permite como uma oportunidade para o desenvolvimento
dos territórios. Não tiveram a iniciativa de promover planos integrados que permitissem
recriar as suas funções, explorando áreas de atividade e práticas como o
comércio, os serviços, a cultura e o lazer, que representariam oportunidades de
desenvolvimento económico ao mesmo tempo que se salvaguardava a memória e a
identidade tão necessária à coesão das comunidades. A passividade municipal deu
lugar à venda dos imóveis ou à sua destruição, tendo sido substituídos por
superfícies comerciais, habitação ou, simplesmente, deixados ao abandono,
causando problemas de urbanismo.
Figura 2 – Fábrica Veleio (margem do
Rio Vizela)
Fonte: Digital de Vizela – DDV
O
concelho vizinho de Guimarães optou por uma política oposta. Percebendo a
necessidade de gerir o acelerado processo de desindustrialização, de decadência
patrimonial e de continuar a competir pela captação de visitantes no contexto
da globalização e de uma imprevisível nova ordem social e económica, viu no seu
legado patrimonial industrial uma forma de promover a sua imagem, diferenciando-se
das demais, com os olhos postos nas potencialidades turísticas e áreas satélite
(hotelaria, restauração, serviços, etc.) como forma de alavancar e transformar
a economia tradicional do seu território.
Um
dos excelentes exemplos de Guimarães é a Zona de Couros – local histórico das
indústrias de curtição que foi reabilitada e reconvertida (mantendo a sua
identidade sempre que possível) num novo campus de conhecimento e criatividade.
Numa parceira com a Universidade do Minho, foram criados novos equipamentos,
como o Instituto de Design, que vieram a ser instalados nas antigas
unidades fabris reabilitadas, aportando valor acrescentado aos espaços, para
além de se ter procedido à musealização dos antigos tanques dos curtumes para
visita ao público. Guimarães, assim, diversificou a sua oferta, potenciando a
atração de novos visitantes interessados neste tipo de património que, por sua
vez, podem gerar novas oportunidade de negócio nas áreas dos serviços e
comércio, ao mesmo tempo que promove a sua salvaguarda como ferramenta de ancoragem
da memória e identidade da comunidade. Foi após este trabalho que a edilidade
concorreu ao alargamento da zona classificada do centro histórico pela UNESCO
para incluir Couros, continuando o trabalho de promoção do seu território como
destino cultural de excelência, sob o selo de prestígio único e diferenciador
daquele organismo internacional.
Esta
poderia e deveria ter sido a prática seguida pelo Concelho de Vizela como
estratégia para a promoção e alteração da imagem do seu território e como
estratégia para a criação de uma oferta cultural de qualidade, que pudesse
alavancar uma economia sustentada no turismo cultural. Gozando já de um perfil
industrial definido pela sua inserção numa reconhecida sub-região (Vale do Ave),
a estratégia deveria passar por agregar valor, desenhando, por exemplo, um
projeto de avaliação e classificação do parque industrial sobrevivente,
inserido depois numa lógica supramunicipal, com ligação a outros patrimónios congéneres
da região, nomeadamente a Guimarães e Santo Tirso, pela proximidade geográfica
e fluvial.
A
solução poderia passar pela criação de um museu intermunicipal, no âmbito ou
liderado pela CIM AMAVE - Comunidade Intermunicipal do Vale do Ave, numa primeira
fase, de formato polinucleado, cujo objetivo fosse criar um projeto de
desenvolvimento económico sustendo no turismo cultural e em diálogo com todos stakeholders, ou seja, forte e
democraticamente participado pelas populações para que se reconheçam no
projeto, com parcerias entre a iniciativa pública e privada, com preocupações
ambientais e com uma avaliação à priori dos impactes positivos e negativos das atividades.
No
âmbito desta iniciativa, poderia, ainda, ser criado um roteiro de base temática
para o património industrial do Ave, a partir da capacidade instalada nos
vários municípios. Este roteiro poderia beneficiar e ser beneficiado por outras
atividades de lazer, como é o caso das termas existentes em Vizela, um plano de
pendor holístico, que interpretasse os seus públicos-alvo e lhes oferece uma experiência
única e autêntica e que, inspirada nas identidades locais, neles ecoasse
fazendo-os voltar, vez após vez.
Alexandre Reis
[1] Prata, Carlos
e Carvalho, Henrique (1986) «Plano de Urbanização de Vizela», Revista de Estudos Urbanos e Regionais –
Sociedade e Território, n.º 4, Porto.
[2] http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/itinerarios/industrial/
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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