Diz a lenda que quando não conseguimos dormir à noite é porque estamos acordados no sonho de alguém. Esta é uma ideia que parece simpática à primeira vista e relaciona duas (ou mais) pessoas em um cenário de especial proximidade. Entretanto, não representa uma relação win-win. Ao fim das contas, quem é que vai levantar-se mais bem disposto?
Portugal tem sido aclamado como um dos destinos preferidos do turista europeu. Em 2014, a cidade do Porto foi escolhida como o "Melhor Destino Europeu de 2014", galardão atribuído pela "European Consumers Choice". Lisboa foi considerada em 2013 a segunda melhor cidade para visitar, de acordo com a mesma organização sem fins lucrativos localizada em Bruxelas, ficando à frente de maravilhas como Viena, Barcelona, Amsterdão, Madrid, Milão e Estocolmo, cidades cujos países saem-se bem melhor que Portugal em todos os indicadores turísticos. Ainda assim, em junho de 2013, a CNN colocou-nos no topo dos “Top Spots in Europe”.
Isso significa uma coisa: os turistas, em especial os europeus, estão a visitar-nos. E com relativa frequência. Aliás, o crescimento do turismo receptivo mantém-se estável. Em 2011, foram 7,2 milhões de chegadas (overnight tourists), um crescimento de quase 10% em relação a 2010, segundo o Banco Mundial. Porém, ainda bem abaixo dos 56,7 milhões dos nossos vizinhos espanhóis e 11,3 milhões dos Países Baixos ou 17,4 milhões da Grécia, este último um país de estatura econômica similar à nossa e que serve bem para termos comparativos.
Entretanto, no que se refere ao impacto econômico do turismo, ainda navegamos por águas pouco tranquilas. Segundo o WTTC, organismo internacional que catalisa as principais empresas do setor, o impacto do turismo no PIB de Portugal ainda não é tão significativo, apesar da vocação do país como destino turístico e de estarmos dentro da média mundial. Para se ter uma ideia, em 2013, a contribuição direta do turismo para o PIB (a contribuição das indústrias que lidam diretamente com os turistas) foi da ordem de 5,7%, um crescimento de 2.7 pontos percentuais em relação a 2012. Apesar de estarmos bem em termos proporcionais, a nossa receita direta de €9,5 mil milhões (mM) é bastante inferior quando comparada a países como França (€79,3 mM), Itália (€64,8 mM), Espanha (€58,6 mM), Alemanha (€46,2 mM), Áustria (15,3 mM), Holanda (€12,3 mM) e Grécia (€11,2 mM). Ficamos contudo no mesmo patamar da Bélgica (€8,7 mM).
Os turistas deixaram em Portugal €12 mM em 2013. Nossos vizinhos imediatos embolsaram de turistas estrangeiros €49 mM, os franceses €44,2 mM, e os holandeses €16,4 mM. E para complicar, em Portugal o crescimento dessas receitas tem estado menor que nos últimos 4 anos. Vamos esperar para ver os dados de 2014, diante do impulso dado pela mídia aos encantos do pastel de Belém.
Até mesmo o turismo doméstico tem encolhido: foram €5,6 mM que lançámos na nossa economia em 2013 contra €6,6 mM em 2008. E a redução tem-se mantido constante, infelizmente. Os italianos, por comparação, regaram €84,2 mM no seu país. Até os belgas saíram-se melhor do que nós, despejando €7,03 mM nas suas cervejarias (Vai aí uma Hoegaarden?).
Mas o pior mesmo é que em termos globais viajamos pouco. Ainda segundo o Banco Mundial, as companhias aéreas que saem do país registraram, em 2012, 154 mil embarques, contra 436 mil na Espanha; 174 mil na Áustria; 655 mil na França; e 1,03 milhões na Alemanha.
O ponto positivo é que nota-se em 2013 uma tendência geral de recuperação dos indicadores econômicos relacionados com o turismo. De novo, resta-nos esperar 2014 e ver se isso se mantém.
Há muito ainda a ser feito. Para começar, a economia em geral precisa de respirar melhor, e os portugueses ganharem novo fôlego e estímulo. É imperativo que Portugal esteja na mira das operadoras turísticas e marque maior presença nas feiras internacionais do setor. Há inúmeros países com poder econômico que ainda não nos descobriram como um espaço receptivo de qualidade, com imensa diversidade e interesses culturais.
Isso sem falar na profissionalização do setor. O que sabemos fazer, temos de fazer com excelência. Cuidar da nossa identidade. Projetar os nossos valores. Valorizar a nossa herança cultural. É isso que temos de melhor, e é isso que os turistas procuram.
Os nossos irmãos da UE andam certamente a dormir mais tranquilos; e nós às voltas com uma insónia dos diabos... Isso não tem lá muita piada! A não ser que, ao acordar, essa pessoa nos prepare um delicioso brunch com vistas para o Rio Sena ou numa deliciosa praia em alguma varanda idílica da Córsega, ou ainda no aconchego de uma ensolarada manhã de inverno no Tirol... Aí sim, mon ami, pode continuar, à vontade, nos braços de Morfeu.
Fábio Montez
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo” do curso de Mestrado em Economia Social, da EEG/UMinho]
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