Em Novembro de 1998 uma pergunta foi feita aos portugueses recenseados. A essa pergunta, 1 458 132 responderam sim, 2 530 802 responderam não e 4 465 743, mais de metade dos interrogados, não responderam, optaram por ficar calados. No entanto, neste caso, quem calou não consentiu.
A pergunta, “Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?”, pretendia saber se os portugueses concordavam com a regionalização de Portugal. Mais concretamente e de acordo com o dicionário da língua portuguesa pretendia-se saber se concordavam com a atribuição de competências (administrativas, políticas ou de ambas as naturezas) a órgãos de soberania de âmbito regional. Era proposta a criação de oito regiões: Entre-Douro e Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Litoral, Beira Interior, Estremadura e Ribatejo, Região de Lisboa e Setúbal, Alentejo e, por último, Algarve. No entanto, tal como indicado pelos números em cima apresentados, a tentativa de descentralização foi frustrada – tanto por uma assustadora abstenção de 51,71%, como por uma proporção de respostas negativas de 60,67%. Feitas as contas, o referendo foi não vinculativo. Contudo, mesmo que a abstenção tivesse ficado aquém dos 50%, o não teria saído vencedor. Assim, ficou tudo como estava e a regionalização prevista na Constituição Portuguesa permaneceu negligenciada. A questão que se coloca é o que conduziu a este resultado, o que levou os portugueses a dizerem não a algo que, utilizando as palavras do “Livro Branco sobre a Regionalização”, atenuaria os desequilíbrios de desenvolvimento entre as diferentes regiões, aumentaria a eficiência e eficácia da administração pública e estimularia a participação das populações nas decisões?
Portugal apresentava em 1998 – e hoje continua a apresentar – grandes disparidades a nível de desenvolvimento regional. Seja entre Lisboa e as restantes cidades, seja entre grandes e pequenas cidades em geral, seja entre litoral e interior, as assimetrias são palpáveis: enquanto as primeiras têm mais população activa, mais actividades de maior valor acrescentado, mais jornais, mais cultura, mais verbas para Investigação e Desenvolvimento (I&D) e mais PIB, as segundas têm mais analfabetismo, mais mortes, mais condições sanitárias assustadoras e mais desemprego. Apesar de não haver um índice concreto para quantificar o nível de centralização de um país, a conjugação de vários dados – como os acima enunciados – é capaz de constituir um indicador adequado e, no caso de Portugal, esse indicador aponta para uma forte centralização. Perante este cenário, torna-se ainda mais difícil perceber o porquê de um não claramente vincado e, é na tentativa de o desmistificar, que passo a analisar alguns dos argumentos da defesa do não que marcaram presença nos “debates” que antecederam o referendo.
Um dos argumentos que foi várias vezes referido dizia respeito ao medo que se verificasse um aumento dos impostos. Relativamente a este argumento é primeiramente necessário notar que as regiões administrativas propostas não teriam capacidade de criar impostos. Em segundo lugar, a despesa pública e, como consequência, a carga fiscal aumentariam apenas se sectores da Administração Central não colaborassem com a regionalização e procurassem conservar atribuições e meios que passariam a pertencer às regiões. Ora, este argumento ataca-se a si mesmo – apenas reforça a necessidade de atribuir um ponto final à centralização e de combater abusos de uma posição dominante.
Foi também dito que Portugal, sendo um país pequeno, era já suficientemente coeso e que, como tal, a divisão em regiões não faria sentido e que poderia mesmo acabar por contribuir para retirar parte dessa coesão ao país. Olhando para o caso de países como a Dinamarca e a Suíça, países pequenos em que a regionalização teve um saldo positivo, somos levados a desacreditar este argumento. Aliás, mais do que a existência de diferentes regiões, são as disparidades entre as várias regiões que ameaçam essa dita coesão. Foi ainda defendido que a divisão apenas conduziria a mais burocracia, contudo, mais plausível é pensar que as regiões conduziriam a uma reorganização do território e contribuiriam antes para a redução da burocracia – pedidos já não teriam de viajar até Lisboa, tempos de espera seriam menores e dezoito governos civis de distrito desapareceriam para darem lugar a oito governadores regionais.
Quanto ao argumento mais afamado, aquele que dizia respeito ao número de regiões que seriam criadas e à delimitação de cada uma delas, muito foi dito, muito foi escrito e, algures no meio de tanta palavra, o debate transformou-se em pura discussão irracional. Assim, tanto em relação a esta questão como em relação aos restantes argumentos apresentados e a todos os outros que aqui não tive oportunidade de incluir, o problema é sempre o mesmo: não é uma questão do modelo A ou B, é uma questão de vontade e atitude. Por mais argumentos que sejam apresentados, mesmo aqueles que possam fazer sentido de um ponto de vista lógico, não há justificação lícita para se rejeitar um aprofundamento da democracia, algo que tem como objectivo a redução das iniquidades inter-regionais num país em que são palpáveis. Além disso, a regionalização nos outros países e o aumento do poder local em Portugal levam-nos a crer que é um bom passo para o abandono da estagnação e para um maior desenvolvimento. Muitos dizem que se poderiam adoptar outras vias para atingir os mesmos objectivos ou que a regionalização deveria ser feita de forma diferente, todavia, o que importa perceber é que a decisão que tinha de ser tomada era entre a regionalização oferecida e ficar tudo na mesma, não havia uma terceira opção. Ficou tudo na mesma.
A pergunta, “Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?”, pretendia saber se os portugueses concordavam com a regionalização de Portugal. Mais concretamente e de acordo com o dicionário da língua portuguesa pretendia-se saber se concordavam com a atribuição de competências (administrativas, políticas ou de ambas as naturezas) a órgãos de soberania de âmbito regional. Era proposta a criação de oito regiões: Entre-Douro e Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Beira Litoral, Beira Interior, Estremadura e Ribatejo, Região de Lisboa e Setúbal, Alentejo e, por último, Algarve. No entanto, tal como indicado pelos números em cima apresentados, a tentativa de descentralização foi frustrada – tanto por uma assustadora abstenção de 51,71%, como por uma proporção de respostas negativas de 60,67%. Feitas as contas, o referendo foi não vinculativo. Contudo, mesmo que a abstenção tivesse ficado aquém dos 50%, o não teria saído vencedor. Assim, ficou tudo como estava e a regionalização prevista na Constituição Portuguesa permaneceu negligenciada. A questão que se coloca é o que conduziu a este resultado, o que levou os portugueses a dizerem não a algo que, utilizando as palavras do “Livro Branco sobre a Regionalização”, atenuaria os desequilíbrios de desenvolvimento entre as diferentes regiões, aumentaria a eficiência e eficácia da administração pública e estimularia a participação das populações nas decisões?
Portugal apresentava em 1998 – e hoje continua a apresentar – grandes disparidades a nível de desenvolvimento regional. Seja entre Lisboa e as restantes cidades, seja entre grandes e pequenas cidades em geral, seja entre litoral e interior, as assimetrias são palpáveis: enquanto as primeiras têm mais população activa, mais actividades de maior valor acrescentado, mais jornais, mais cultura, mais verbas para Investigação e Desenvolvimento (I&D) e mais PIB, as segundas têm mais analfabetismo, mais mortes, mais condições sanitárias assustadoras e mais desemprego. Apesar de não haver um índice concreto para quantificar o nível de centralização de um país, a conjugação de vários dados – como os acima enunciados – é capaz de constituir um indicador adequado e, no caso de Portugal, esse indicador aponta para uma forte centralização. Perante este cenário, torna-se ainda mais difícil perceber o porquê de um não claramente vincado e, é na tentativa de o desmistificar, que passo a analisar alguns dos argumentos da defesa do não que marcaram presença nos “debates” que antecederam o referendo.
Um dos argumentos que foi várias vezes referido dizia respeito ao medo que se verificasse um aumento dos impostos. Relativamente a este argumento é primeiramente necessário notar que as regiões administrativas propostas não teriam capacidade de criar impostos. Em segundo lugar, a despesa pública e, como consequência, a carga fiscal aumentariam apenas se sectores da Administração Central não colaborassem com a regionalização e procurassem conservar atribuições e meios que passariam a pertencer às regiões. Ora, este argumento ataca-se a si mesmo – apenas reforça a necessidade de atribuir um ponto final à centralização e de combater abusos de uma posição dominante.
Foi também dito que Portugal, sendo um país pequeno, era já suficientemente coeso e que, como tal, a divisão em regiões não faria sentido e que poderia mesmo acabar por contribuir para retirar parte dessa coesão ao país. Olhando para o caso de países como a Dinamarca e a Suíça, países pequenos em que a regionalização teve um saldo positivo, somos levados a desacreditar este argumento. Aliás, mais do que a existência de diferentes regiões, são as disparidades entre as várias regiões que ameaçam essa dita coesão. Foi ainda defendido que a divisão apenas conduziria a mais burocracia, contudo, mais plausível é pensar que as regiões conduziriam a uma reorganização do território e contribuiriam antes para a redução da burocracia – pedidos já não teriam de viajar até Lisboa, tempos de espera seriam menores e dezoito governos civis de distrito desapareceriam para darem lugar a oito governadores regionais.
Quanto ao argumento mais afamado, aquele que dizia respeito ao número de regiões que seriam criadas e à delimitação de cada uma delas, muito foi dito, muito foi escrito e, algures no meio de tanta palavra, o debate transformou-se em pura discussão irracional. Assim, tanto em relação a esta questão como em relação aos restantes argumentos apresentados e a todos os outros que aqui não tive oportunidade de incluir, o problema é sempre o mesmo: não é uma questão do modelo A ou B, é uma questão de vontade e atitude. Por mais argumentos que sejam apresentados, mesmo aqueles que possam fazer sentido de um ponto de vista lógico, não há justificação lícita para se rejeitar um aprofundamento da democracia, algo que tem como objectivo a redução das iniquidades inter-regionais num país em que são palpáveis. Além disso, a regionalização nos outros países e o aumento do poder local em Portugal levam-nos a crer que é um bom passo para o abandono da estagnação e para um maior desenvolvimento. Muitos dizem que se poderiam adoptar outras vias para atingir os mesmos objectivos ou que a regionalização deveria ser feita de forma diferente, todavia, o que importa perceber é que a decisão que tinha de ser tomada era entre a regionalização oferecida e ficar tudo na mesma, não havia uma terceira opção. Ficou tudo na mesma.
Goreti Faria
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Regional” do 3º ano do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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