Quantas vezes já esteve preso no trânsito? E quanto tempo da sua vida foi passado dentro de um carro, no meio de uma fila formada pelo seu e por muitos outros carros, todos a darem passos tímidos e incrivelmente esporádicos? Demasiado tempo para ser possível contabilizá-lo. Esta seria certamente a resposta dos 48.7% de portugueses que, segundo o Recenseamento da População e Habitação de 2001, utilizavam transporte privado para efectuarem deslocações pendulares. Atrasados, sozinhos e sem nada para fazer se não tamborilar com os dedos no volante, é assim que muitos portugueses passam mais do que uma hora por dia – mais do que tempo perdido, é tempo desconfortavelmente perdido. Seja em deslocações dentro de uma cidade ou em deslocações de entrada e saída, a ida para o emprego, escola ou outra actividade e o regresso a casa no final do dia não é certamente uma tarefa agradável.
O transporte privado é o meio de deslocação claramente dominante em Portugal. Era-o em 2001 e o domínio tem aparentemente vindo a acentuar-se, tal como já tinha acontecido no período intercensitário de 1991 a 2001 – período em que o peso do transporte privado quase duplicou, o transporte colectivo diminuiu em 6.3 pontos percentuais e as deslocações a pé deixaram de ser o meio de deslocação mais utilizado pelos portugueses. A agravar a situação está o facto de que a maioria dos condutores não se desloca acompanhado, como uma observação atenta dos carros que lentamente passam pelo nosso nas horas de ponta reflecte. Quanto aos portugueses que não se encontravam nos 48.7% referidos inicialmente, deslocavam-se a pé (25.4%), de transportes públicos (24.9%) e um número reduzido através de outros meios de transporte, como os motociclos e as bicicletas.
Quando há muito gente a trabalhar ou estudar numa cidade onde não vive mas para onde vai e de onde regressa todos os dias, o trânsito à entrada das maiores cidades é o que assume proporções mais assustadoras. Notícias que falam de filas de trânsito naturais – isto é, filas que não têm na sua origem nenhum acontecimento extraordinário – de 8 km e pessoas que ficam à entrada de uma cidade durante horas são sinais de que algo não está bem. No entanto, é importante notar que este cenário se verifica um pouco por todo o mundo: no Brasil foi batido o recorde histórico de um congestionamento de 293 km (aproximadamente equivalente à distância Porto-Lisboa) e nos Estados Unidos 93% dos residentes suburbanos desloca-se para o centro da cidade de transporte privado (dados de 2003). De facto, as pessoas que exercem a sua actividade numa cidade em que não vivem são aquelas que mais recorrem ao uso do transporte privado.
A título de exemplo, a unidade territorial Grande Lisboa apresentava em 2001 um índice de importância relativa da população que entra na região – índice calculado através do rácio “população que trabalha ou estuda na unidade territorial residindo noutra unidade territorial” sob “população residente presente na unidade territorial” – de 8.1%. Nesse ano, a população residente na unidade territorial Grande Lisboa era de 1 892 903, o que se traduz numa entrada e saída diária de aproximadamente 153 325 pessoas e numa grande quantidade de tempo perdida por um elevado número de pessoas.
Segundo uma estimativa feita no livro “Urban Economics” de O’Sullivan, para um percurso que, sem congestão (até 400 carros), seria efectuado em 12 minutos, quando já estão 2000 carros na estrada, cada carro aumenta o tempo do percurso por condutor em 0.224 minutos. Ainda, a diferença no custo privado entre a situação sem congestão e a situação com 2000 carros é de 3 euros por carro. Dadas as tais 153 325 pessoas que entram em Lisboa e supondo que todas elas vêm de carro e viajam sozinhas – apesar de ser uma suposição irrealista, é atenuada pelo facto de que as viagens de que falamos tenderem a ser superiores aos doze minutos estudados no livro –, multipliquemos esse número por 6 euros (o percurso é efectuado duas vezes). Quanto temos? 919 950 euros, mais do que um terço que aquilo que o Estado espera arrecadar em 2011 com o aumento das receitas fiscais.
Assim, fica clara a importância de ser feita uma tentativa no sentido de combater esta tendência e de encontrar eventuais soluções. Uma maior disponibilidade de transportes públicos não deverá ser solução uma vez que, mesmo quando há transportes públicos disponíveis, muitas pessoas optam por viajar de transporte privado. Poderá ser uma questão de conforto e viabilidade – não é fácil andar de autocarro com três sacos na mão, objectos frágeis ou maquetas de esferovite – e, nesse caso, a solução poderia passar por um novo conceito de transporte público, com cacifos ou algo que fosse capaz de reduzir o desconforto associado a este tipo de viagens. Poderia também haver uma maior organização de horários e um sistema mais eficiente de obtenção de passes e títulos de transporte – talvez uma plataforma na internet com múltiplas funcionalidades. Mais e melhores estruturas para circular de bicicleta e talvez mesmo uma maior oferta de bicicletas, com funcionalidades alternativas, poderiam ser uma ajuda no contexto dos congestionamentos dentro das cidades. No fundo, acredito que as soluções capazes de fazer de facto diferença teriam de passar por uma reestruturação absoluta do conceito de meio de deslocação e obrigariam a pensar em opções que estão para além daquilo a que estamos habituados a tomar como certo. Afinal, com filas deste tamanho, há muito tempo para pensar.
Goreti Faria
O transporte privado é o meio de deslocação claramente dominante em Portugal. Era-o em 2001 e o domínio tem aparentemente vindo a acentuar-se, tal como já tinha acontecido no período intercensitário de 1991 a 2001 – período em que o peso do transporte privado quase duplicou, o transporte colectivo diminuiu em 6.3 pontos percentuais e as deslocações a pé deixaram de ser o meio de deslocação mais utilizado pelos portugueses. A agravar a situação está o facto de que a maioria dos condutores não se desloca acompanhado, como uma observação atenta dos carros que lentamente passam pelo nosso nas horas de ponta reflecte. Quanto aos portugueses que não se encontravam nos 48.7% referidos inicialmente, deslocavam-se a pé (25.4%), de transportes públicos (24.9%) e um número reduzido através de outros meios de transporte, como os motociclos e as bicicletas.
Quando há muito gente a trabalhar ou estudar numa cidade onde não vive mas para onde vai e de onde regressa todos os dias, o trânsito à entrada das maiores cidades é o que assume proporções mais assustadoras. Notícias que falam de filas de trânsito naturais – isto é, filas que não têm na sua origem nenhum acontecimento extraordinário – de 8 km e pessoas que ficam à entrada de uma cidade durante horas são sinais de que algo não está bem. No entanto, é importante notar que este cenário se verifica um pouco por todo o mundo: no Brasil foi batido o recorde histórico de um congestionamento de 293 km (aproximadamente equivalente à distância Porto-Lisboa) e nos Estados Unidos 93% dos residentes suburbanos desloca-se para o centro da cidade de transporte privado (dados de 2003). De facto, as pessoas que exercem a sua actividade numa cidade em que não vivem são aquelas que mais recorrem ao uso do transporte privado.
A título de exemplo, a unidade territorial Grande Lisboa apresentava em 2001 um índice de importância relativa da população que entra na região – índice calculado através do rácio “população que trabalha ou estuda na unidade territorial residindo noutra unidade territorial” sob “população residente presente na unidade territorial” – de 8.1%. Nesse ano, a população residente na unidade territorial Grande Lisboa era de 1 892 903, o que se traduz numa entrada e saída diária de aproximadamente 153 325 pessoas e numa grande quantidade de tempo perdida por um elevado número de pessoas.
Segundo uma estimativa feita no livro “Urban Economics” de O’Sullivan, para um percurso que, sem congestão (até 400 carros), seria efectuado em 12 minutos, quando já estão 2000 carros na estrada, cada carro aumenta o tempo do percurso por condutor em 0.224 minutos. Ainda, a diferença no custo privado entre a situação sem congestão e a situação com 2000 carros é de 3 euros por carro. Dadas as tais 153 325 pessoas que entram em Lisboa e supondo que todas elas vêm de carro e viajam sozinhas – apesar de ser uma suposição irrealista, é atenuada pelo facto de que as viagens de que falamos tenderem a ser superiores aos doze minutos estudados no livro –, multipliquemos esse número por 6 euros (o percurso é efectuado duas vezes). Quanto temos? 919 950 euros, mais do que um terço que aquilo que o Estado espera arrecadar em 2011 com o aumento das receitas fiscais.
Assim, fica clara a importância de ser feita uma tentativa no sentido de combater esta tendência e de encontrar eventuais soluções. Uma maior disponibilidade de transportes públicos não deverá ser solução uma vez que, mesmo quando há transportes públicos disponíveis, muitas pessoas optam por viajar de transporte privado. Poderá ser uma questão de conforto e viabilidade – não é fácil andar de autocarro com três sacos na mão, objectos frágeis ou maquetas de esferovite – e, nesse caso, a solução poderia passar por um novo conceito de transporte público, com cacifos ou algo que fosse capaz de reduzir o desconforto associado a este tipo de viagens. Poderia também haver uma maior organização de horários e um sistema mais eficiente de obtenção de passes e títulos de transporte – talvez uma plataforma na internet com múltiplas funcionalidades. Mais e melhores estruturas para circular de bicicleta e talvez mesmo uma maior oferta de bicicletas, com funcionalidades alternativas, poderiam ser uma ajuda no contexto dos congestionamentos dentro das cidades. No fundo, acredito que as soluções capazes de fazer de facto diferença teriam de passar por uma reestruturação absoluta do conceito de meio de deslocação e obrigariam a pensar em opções que estão para além daquilo a que estamos habituados a tomar como certo. Afinal, com filas deste tamanho, há muito tempo para pensar.
Goreti Faria
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Regional” do 3º ano do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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