terça-feira, abril 20, 2021

‘Andanças’ em direção a um caminho mais justo e turisticamente responsável (?)

Numa lógica de retoma conceitual, para dar continuidade a uma abordagem mais criativa da prática turística reforçada no (meu) anterior artigo de opinião, proponho-me agora materializar os diferentes domínios do turismo criativo no território. Na realidade, essa dimensão turística pode ser concretizada de diferentes formas, a partir de uma variedade de tipologias de eventos, como workshops, festivais ou visitas criativas, que estimulam a criatividade e o envolvimento ativo do visitante nas demais atividades. Quando um indivíduo se relaciona intrinsecamente com o território, a atividade adquire outro valor e transforma-se em experiência, enriquecedora do ponto de vista do desenvolvimento territorial, mas também promotora de momentos e sensações regeneradores física e psicologicamente.

Neste sentido, optei por trazer a debate o processo de criação do festival de música e dança tradicional Andanças e as implicações positivas e negativas da sua realização nos diferentes lugares que lhe serviram de palco de atuação. O Andanças surgiu em 1996 enquanto evento local, de dimensão reduzida e com participação restrita, assente em quatro pilares de desenvolvimento fundamentais: Música e Dança, Comunidade, Voluntariado e Sustentabilidade. O evento realizou-se primeiramente no distrito de Évora, até 1999, ano em que se transferiu para a vila de Carvalhais, pertencente ao concelho de São Pedro do Sul, tendo assistido a um processo de transformação e a uma adesão crescente, com alcance nacional e internacional.

Perante este cenário, tornou-se inevitável a necessidade de criação de uma organização que legitimasse o festival, para que se pudesse garantir a sua assiduidade anual e a eficácia da aplicação dos seus valores estratégicos no contacto com o território, a comunidade e os voluntários – isto porque a dinâmica de vida do festival passa por uma ideologia ambientalista, consciente e participativa. Assim nasce a PédeXumbo, em 1998, cuja missão passa por potenciar o desenvolvimento de áreas rurais, através das suas raízes e saberes, para que se torne possível considerar a reinvenção simbólica e económica do seu património.

A equipa responsável pela organização, gestão e concretização do Andanças é inteiramente composta por voluntários que caminham coletivamente para a reativação de memórias tradicionais, práticas musicais e corporais partilhadas a partir de uma fórmula natural e genuína entre gerações que merece ser valorizada e, sobretudo, preservada – para que não se perca um conjunto de saberes culturalmente enriquecedores, perante a inevitabilidade da renovação das gerações ou o estagnar desse conhecimento nas pessoas mais velhas.

Contudo, é sempre preciso ter em conta a viabilidade da realização do festival e as estratégias a aplicar, numa lógica de sustentabilidade económica e minimização de impactes negativos no território, staff, visitantes e comunidade local. Para isso, várias são as medidas adotadas – desde a refeição km zero, confecionada apenas com produtos regionais oriundos de campos vizinhos (à qual, por um lado, estão associados produtos a um preço mais alto; mas que, por outro, permite evitar custos de transporte enquanto fomenta a produção agrícola local) até à recompensação do trabalho voluntário através do fornecimento de entradas gratuitas para o festival e de senhas para refeições na cantina.

E porque o princípio basilar desta experiência envolve Sustentabilidade, com vista ao desenvolvimento local/regional e a todas as vantagens que esse ‘fenómeno’ traz, todas as ações logísticas primam pelo respeito para com o meio ambiente, de uma forma progressiva e continuada. A associação PédeXumbo luta anualmente para promover um evento responsável e revivalista (não folclorista), que garanta a continuidade da transmissão de práticas e valores ambientais aos seus participantes, potenciando um envolvimento ativo de todos os (possíveis) intervenientes no festival.

A própria designação Andanças remete para ‘andar’, numa lógica de experiência coreográfica e circulação de pessoas pelos diferentes palcos e oficinas; para além disso, a vontade da organização passa também pela ‘deslocação geográfica’ do festival, diversificando os seus venues e possibilitando a sua movimentação pelo território nacional - tal como refere Joana Ricardo, produtora executiva, o Andanças é onde ele está: onde as pessoas que fazem parte dele estão.  

Por estas e outras questões é que o Andanças pertence a uma tipologia de evento que deve ser considerada nas agendas culturais e planos de ação municipal, com vista à dinamização social e económica dos territórios, e consequente desenvolvimento regional. As iniciativas culturais a realizar devem desenvolver-se numa perspetiva socioeducativa, para que os agentes envolvidos se sintam integrados e culturalmente enriquecidos. A capacidade de envolvimento da comunidade local é essencial para o sucesso dos eventos criativos, através de parcerias com entidades/associações de âmbito social, artístico ou cultural e setores de produção local. Posto isto, deve caber às políticas públicas e autarquias locais a capacidade de articular estratégias de modo criativo e potenciador para dar resposta aos objetivos a que se propõe, tendo sempre em conta as necessidades e limitações associadas ao território concreto.

Claro que nem sempre se confirma a contribuição positiva de um festival para uma localidade e sua população, mas a questão passa por aplicar medidas eficazes para a redução desses impactes negativos. Neste sentido, o turismo criativo pode revelar-se como fator de regeneração física e social dos territórios através da pedagogia participativa e do contacto com práticas tradicionais. De facto, no Andanças, a dança revela-se infindável e a diversidade musical dá espaço para a interpretação: a palavra-chave é Inovação e não se pede menos do que mudar, misturar, arriscar, porque nada é garantido e o melhor acaba por ser todo esse processo de descoberta.

 

Filipa Rodrigues D. F. Santos

Referências Bibliográficas:

. Amorim, Daniela (2019): Turismo Cultural, Turismo Criativo e Animação turística em eventos locais. Tese de Doutoramento, Universidade de Sevilha. Disponível em: https://idus.us.es/bitstream/handle/11441/89795/Tese_DanielaAmorim_vers%c3%a3o%20finalissima_apos%20defesa_9out_2019.pdf?sequence=4&isAllowed=y

. Rodrigues, Maria Elisa (2014): O Andanças e as ‘Andanças’: um olhar antropológico sobre o espaço do festival. Tese de Mestrado, Instituto Universitário de Lisboa. Disponível em: https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/9160/1/2014_ECSH_DA_Dissertacao_Maria%20Elisa%20Guarita%20Rodrigues.pdf

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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