O
mundo atual encolheu e encolhe-se. Encolheram distâncias graças a meios de transporte
e meios de comunicação. A geografia e a distância não são mais barreira. Tudo
se aproximou e aproxima, todos os dias. Salvo zonas específicas historicamente
conflituosas (ou diferendos regionais), na Europa e (de forma geral!) no resto
do mundo, há a consciência implícita (e na minha geração está já, atrevo-me,
bastante enraizada) da ideia básica de convergência dos povos, aceitação das
diferenças e um genuíno e curioso respeito e interesse pelo “outro” – as outras
tradições, crenças e História. Aliás,
esta nossa curiosidade inata para descobrir levou o turismo a evoluir para o
turismo no Espaço (“In 12 or 15 years
there will be routine, affordable space tourism not just in the U.S. but in a
lot of countries.” – Burt Rutan, engenheiro aeroespacial).
O
turismo é uma indústria que é o culminar do acima e se democratiza com esta
globalização e abertura na consciência coletiva, cimentando-se como prática
recorrente e natural nos países desenvolvidos.
Natural é, também, a religião e religiosidade dos povos – desde os primórdios da Humanidade.
Nesse sentido, permito-me divagar e refletir, especificamente, sobre o Turismo Religioso – mais especificamente, Fátima - números e tendências.
Natural é, também, a religião e religiosidade dos povos – desde os primórdios da Humanidade.
Nesse sentido, permito-me divagar e refletir, especificamente, sobre o Turismo Religioso – mais especificamente, Fátima - números e tendências.
A
propósito disto, lembro-me de a minha avó se deslocar a Fátima pelo menos duas
vezes por ano, no 13 de Maio e 13 de Outubro. Fazia-o religiosamente, passe a
redundância. Saberia ela que estaria a fazer turismo?
É pertinente explanar que por turismo religioso se entende o conjunto de deslocações empreendidas por motivos religiosos ou para tomar parte em eventos de significado religioso: o que move o turista religioso é a fé. Este turismo tem, muitas vezes, picos de deslocações que se relacionam com o calendário religioso do local, estando a ele associadas as peregrinações, festas ou romarias.
É pertinente explanar que por turismo religioso se entende o conjunto de deslocações empreendidas por motivos religiosos ou para tomar parte em eventos de significado religioso: o que move o turista religioso é a fé. Este turismo tem, muitas vezes, picos de deslocações que se relacionam com o calendário religioso do local, estando a ele associadas as peregrinações, festas ou romarias.
Em
Portugal, o turismo religioso é paradigmático. Números de 2017 indicam que este
turismo compreende 10% a 14% do total do turismo nacional e Fátima desempenha
um papel significativo, segundo a Universidade Católica de Braga. Em 2016,
Fátima batia o record de dormidas e receitas e o seu Santuário tinha já
recebido mais de 5 milhões de visitantes nesse ano.
Fátima
tem, efetivamente, contribuído para o fator internacionalização do país e
assiste-se, de forma consistente, a tendências de crescimento. Por exemplo,
durante os anos da crise (2009-2014), o impacto da crise não se fez sentir em
Ourém e, nesse sentido, Fátima viu o número de dormidas aumentar em 30% nesses
cinco anos. O INE avança com o crescimento de 505.011 dormidas para 647.091
(média diária de cerca de 1400 dormidas).
Estes
números em anos de crise levam-me a crer que o turismo religioso é realmente um
fenómeno diferente de outros tipos de turismo no sentido em que é,
pessoalmente, menos prescindível e é até um importante, necessário e
indispensável acontecimento de conforto pessoal. Este plano espiritual – menos,
diria, “ocioso” que outros tipos de turismo, tornam-no menos maleável a crises
económicas. Para muitos turistas religiosos é até um evento transcendental e de
uma vida. Para outros, como foi para a minha avó, é uma necessidade repetida
ano após ano – independentemente das condições socioeconómicas ou conjuntura.
Sobre isso, Alexandre Marto
(dono dos empreendimentos Fatima Hotels
– dez hotéis, mil camas) avança que “São cada vez mais os estratos sociais
elevados, gente formada, académicos, banqueiros, que se deslocam a Fátima (…),
a maior parte dos turistas não é católica, alguns crentes até estão
desalinhados do discurso oficial da Igreja, mas todos procuram satisfazer aqui
uma forte necessidade espiritual.”. Alexandre, também Vice-Presidente da
Associação Empresarial de Ourém-Fátima, adianta que "Quem faz viagens de
horas e horas para ir ver o Papa, não vai vê-lo para depois ir embora. Vai
ficar mais dias.”.
O Presidente do Turismo do
Centro – Pedro Machado - acrescenta que "As reservas estão muito para além
daquilo que é o perímetro da hotelaria de Fátima e de Leiria”, estimando que os
eventos de 2017 iriam já ajudar toda a região Centro a fechar o ano com mais de 250 milhões de euros em receitas de turismo.
Apenas em Fátima, dizia já Alexandre Marto Pereira, as receitas turísticas deveriam disparar 20% este ano, podendo tocar os 30 milhões de euros.
Apenas em Fátima, dizia já Alexandre Marto Pereira, as receitas turísticas deveriam disparar 20% este ano, podendo tocar os 30 milhões de euros.
Pedro Machado, nesse sentido, confessava que
estava a ser posta em prática uma estratégia de “tornar Fátima o altar do
mundo”. Posto isto, o Governo, reconhecendo que Fátima “constitui uma forte
componente económica e promocional de Portugal”, enquanto destino de turismo
religioso, atribuía ao concelho de Ourém uma espécie de “licença para gastar”.
2017,
ano especialíssimo: o Centenário das Aparições. A comemoração veria o seu auge
nos dias 12 e 13 de Maio, contando com a visita do tão-querido Papa Francisco.
Ano com um cartaz que, por si, prometia
superar quaisquer expetativas. Ora, o Santuário avançou com números
impressionantes: 9,4 milhões de peregrinos. Informou, ainda, que “no ano de 2017, por comparação com o ano anterior,
quase que triplicaram as peregrinações estrangeiras (7.110 peregrinações em
2017 e 2711 em 2016), tendo mais do que triplicado o número de peregrinos
estrangeiros (374.586 em 2017 e 124.504 em 2016). Também a origem destes grupos
foi muito mais diversificada em 2017, confirmando não só a universalidade da
Mensagem de Fátima mas também a internacionalização do Santuário como espaço de
oração, adoração e conversão”.
Os
portugueses são os fiéis em maioria (embora, segundo alguns comerciantes, “os
que menos gastam”) e, pessoalmente, quero também referir aqui os nossos
inúmeros emigrantes que viajam propositadamente a Fátima ao longo do ano, seja
nas datas especiais ou não. As peregrinações portuguesas organizadas em 2017
ultrapassaram o meio milhão de pessoas e, portanto, o número será muito maior
tendo em conta as pessoas e famílias que visitam o Santuário espontaneamente
sem ser ao abrigo de dioceses.
Retomo
o fator internacionalização de Fátima para o materializar em números. Os
peregrinos chegam de mais 140 países. Os Europeus lideram e dados últimos
confirmam: sem surpresa - espanhóis - mais de 69.000; seguidamente, italianos
foram quase 55.000; e, depois, os polacos ultrapassaram os 50.000. – país
também marcadamente católico e, acredito, influenciado pela devoção e crença
mariana cultivada pelo Papa João Paulo II. Fora da Europa, outros números
impressionam e destaco os quase 20 mil peregrinos vindos dos E.U.A e os mais de
11 mil do Brasil, quase 5000 sul-coreanos e 3400 chineses. O Santuário sublinha
que “só da Ásia,
de países maioritariamente hindus e muçulmanos, peregrinaram ao Santuário de
forma organizada 31.561 peregrinos, confirmando a tendência de crescimento já
manifestada em anos anteriores. De ressalvar aqui a presença de inúmeros
peregrinos da China continental, República da Coreia, Filipinas e Vietname”. Extremamente
elucidativo da força do milagre Fátima como força impulsionadora de povos
além-fronteiras, que viagem com esse propósito.
Chamo a atenção para o facto de os números contemplarem apenas as peregrinações organizadas e não as viagens de carácter isolado e espontâneo.
Chamo a atenção para o facto de os números contemplarem apenas as peregrinações organizadas e não as viagens de carácter isolado e espontâneo.
É
interessante que, apesar do peso simbólico e prático do fenómeno Fátima na vida
dos portugueses, haja poucos dados sobre o sector do turismo religioso, como um
todo, em Portugal. Obviamente que Fátima concentra as atenções e é o
produto-estrela do turismo religioso português, mas devem lembrar-se o
Santuário do Bom Jesus do Monte (Braga) e da Nossa Senhora do Sameiro (Braga)
ou, ainda, São Bento da Porta Aberta (Gerês). Refiro, também, o Caminho de
Santiago português, que é o mais percorrido logo a seguir ao francês.
Importante é salientar, ainda, o facto de cerca de 75% do património visitável,
material e imaterial, em Portugal, ser religioso – igrejas, mosteiros ou arte
sacra - revelando muito de nós enquanto país e povo.
Ora,
repito que o nosso património é revelador dos portugueses e, mesmo não vivendo
num Estado Confessional, o catolicismo está no nascimento da portugalidade e
nacionalidade: Marcelo Rebelo de Sousa dizia em 2017 que “não há Portugal sem
cristianismo (…) não apenas porque o era o nosso fundador (…) mas também porque
surge no âmbito da cruzada contra o Islão”, não se podendo ignorar “a matriz
cristã que carateriza a história e cultura portuguesas”. Essa é uma das razões
pelas quais somos, de forma geral, crentes na mensagem de Fátima e os
peregrinos em maior número nas datas assinaláveis (sei bem que o facto de
Fátima ser “em casa” também ajuda).
Portugal
acolhe e atrai, portanto, cada vez mais turistas religiosos (estrangeiros e
portugueses) mas, interrogo-me (a título de curiosidade), se os números
crescentes espelharão a tendência da profissão de fé dos portugueses – sabendo
eu que este fenómeno não é, assim desta forma, tão redutível ou simplificável.
É
interessante constatar a informação avançada pela agência Ecclesia: entre 2000 e 2008, registaram-me menos sacerdotes (número
baixou de 3.159 para 2.524) e menos padres (1.078 para 907). O Vaticano já se
pronunciou que a crescente falta de padres é alarmante em Portugal. A pergunta
se a Igreja estará ou não a conseguir cativar os jovens é outra questão que
seria, certamente, um tema per si, e
complexo.
De
acordo com o último censo populacional, 80% dos cidadãos declararam-se
católicos mas será a população, principalmente urbana, maioritariamente
praticante e crente na verdadeira aceção?
Num
inquérito levado a cabo pelo Instituto Português de Administração e Marketing, 87.5%
dos inquiridos admite que, embora católicos, a escolha foi determinada pela
tradição familiar. Outra achega é o facto de, a nível político, não votarmos espelhando
a maioria católica – atualmente, os partidos com maioria parlamentar são não-cristãos,
alguns até anti. E o facto de temas fraturantes estarem em agenda (desde a
eutanásia, à legalização do aborto ou co-adopção por casais do mesmo sexo)
poderá só ser um sinal dos tempos. Politicamente, poderá apenas querer dizer
que os portugueses fazem realmente a separação Estado/Igreja, e levamos a sério
a laicidade. Nada que abale a nossa fé (ou não).
Bom,
sem me querer dispersar, é apenas interessante relacionar (ainda que
vagamente!) a nossa tradição e defesa do património católico com as tendências
positivas ou negativas da profissão de fé dos portugueses e, como isso poderá
impactar (ou não!) o turismo religioso. A ser verdade, não deixa de ser
curiosamente contraditório e um fenómeno interessante que poderá influenciar as
caraterísticas do turismo.
Devo
ainda realçar o impacto do turismo religioso no mundo inteiro, movimentando
entre 300 a 330 milhões de pessoas, envolvendo receitas em torno de 18 mil
milhões de euros. O Santuário de Lourdes (França) é um destino religioso
importantíssimo; Santiago de Compostela idem aspas, e Czestochowa (Polónia). A
mobilização de pessoas na peregrinação a Meca é impressionante (mais de dois
milhões de pessoas) ou a Peregrinação a Kumbha Mela – hinduísta - (que se
realiza por dois meses de 12 em 12 anos, reunindo em 2001 75 milhões de
pessoas).
Este
tipo de turismo contribui, sem dúvida, para a conservação e valorização do
património e das práticas e crenças que ajudam, também, na preservação da
memória coletiva - de um povo ou de uma religião. Ajuda no crescimento
económico devido ao efeito multiplicador do turismo (desde o setor hoteleiro,
aos transportes e comércio ou à restauração).
Negativamente,
e isto é transversal a todos os tipos de turismo, poderá haver um
aproveitamento comercial (exemplo: nos preços absurdamente inflacionados
aquando da última visita papal!) ou massificação e a perda de identidade do
local.
Certo
é que Fátima é já a maior atração turística do centro do país, e o turismo religioso
é, realmente, uma aposta ganha e com margem de evolução e crescimento – podendo
capitalizar da anunciada evolução nos meios de comunicação e de transporte, da
progressiva competitividade de preços de voos e viagens, da facilidade de
difusão de mensagem nas redes-sociais, do imediatismo da partilha de
experiências (neste caso, por parte dos peregrinos).
Prevejo,
facilmente, que assistiremos a quebras de recordes em termos de peregrinações
ao Santuário nos anos vindouros e que o turismo religioso em Portugal continue
a ser um fiel espelho de nós – enquanto povo.
Mariana
Barbosa
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)
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