quinta-feira, abril 05, 2018

Festival “Do Bira ao Samba” – momentos de “Bragasil”?

Este festival é de facto peculiar, pois a sua essência não é representar apenas aspetos de uma cultura local, como a maior parte das festas populares (não que isso seja algo negativo), mas sim mostrar duas culturas que sempre andaram de mão dada, a portuguesa e a brasileira. Daí provem o seu nome, “Do Bira”, mencionando a cultura portuguesa, e “ao Samba”, consequentemente mencionando a brasileira, e daí o título deste artigo ser “Bragasil”, aglomerando as palavras “Braga” e “Brasil”, em jeito de brincadeira. Pois temos que considerar que esta cidade, como epicentro de atividades económicas, sociais e culturais do Minho, e esta região também o epicentro da emigração para o Brasil ao longo dos tempos, é a cidade ideal para um festival com este tema.
A sua organização é feita pelo grupo de percussão da Universidade do Minho, os Bomboémia, também conhecidos como os “laranjinhas”, pelo seu vestuário laranja, membros da Associação Recreativa e Cultural Universitária do Minho. Gostaria de destacar que, como membro deste grupo e da organização deste festival, tentarei obviamente ser o mais imparcial possível visto este artigo ser uma abordagem pessoal ao tema e correr riscos de ter demasiada parcialidade no seu tratamento.
Este festival decorre desde 2015 na cidade de Braga e é na sua essência um festival de artes performativas, contando com 3 edições, atualmente decorrendo no final do mês de Julho, sendo que em 2017 decorreu nos dias 28 e 29.
Poder-se-ia dizer que é uma espécie de carnaval fora de época, pois conta com um desfile pelo centro da cidade em que sambistas, com os seus arrojados e reveladores trajes, acompanhados com os emblemáticos ritmos de batucada e samba, se misturam com as vestimentas femininas ricamente ornamentadas típicas do Minho e batidas tradicionais, como a Chula[1], numa visão que tanto espanta e intriga os espetadores pelo seu conceito de misturar duas culturas que à partida se mostram visualmente tão diferentes.
        A existência do DBAS na cidade de Braga provém de várias razões, mas a sua ideia inicial veio do grupo Bomboémia, pois o conceito era mostrar à cidade de Braga o trabalho elaborado por este grupo durante os seus anos de existência. Sendo que este grupo de percussão foi originado de um anterior grupo de Zés Pereira[2], e as suas músicas inicialmente apenas continham ritmos tradicionais portugueses, mas recentemente foram adotados os ritmos de batucada, típicos do samba brasileiro. Esta nova componente fazia sentido pois grupos de Zés Pereira no século XIX tiveram uma forte influência no surgimento do carnaval carioca.
        Durante os dois dias, sendo o primeiro deles dedicado à cultura portuguesa e o segundo à cultura brasileira, contando este último com o Monumental Cortejo de Carnaval Fora d’Época pelo centro de Braga juntando as duas culturas. A cidade enche-se de milhares de visitantes que aproveitam para ver grupos artísticos típicos da região e do outro lado do atlântico, que vão desde grupos de espectro português, como os Pauliteiros de Miranda do Orfeão Universitário do Porto ou os Galandum Galundaina, até grupos de espectro brasileiro, como Samba Sem Fronteiras e a batucada Batalá Barcelona.
        Em termos de contributo e desenvolvimento para a cidade, a meu ver, há três grandes aspetos positivos. O primeiro sendo obviamente a grande quantidade de visitantes que este festival atrai hoje em dia, estimulando o comércio e as atividades económicas locais. O segundo sendo a aproximação da Universidade do Minho ao centro da cidade, que, pela sua ausência, muitas vezes é um aspeto criticado por habitantes locais, que dizem que movimento e atividades muitas vezes são desviados do centro para Gualtar e que o centro por vezes é negligenciado pela Universidade. E por fim é a aproximação da comunidade brasileira com os habitantes locais, podendo sentir-se parte de uma mesma família, que de facto talvez até o sejam visto que estes imigrantes brasileiros muitas vezes são descendentes de emigrantes do Minho que foram para o Brasil.
A verdade é que a cultura não é algo que sempre existiu da mesma maneira. A cultura é mutável. A história ensina-nos que em poucos séculos ela molda-se consideravelmente, e se uma cultura se fecha não absorve novos aspetos, facetas e novos desafios, e portanto é muito provável que venha a ser negligenciada. Por isso, na minha opinião, um festival com esta natureza é um bom incremento para a preservação e propagação do património cultural.

Sérgio Gonzaga Videira



[1] Dança popular e género musical português de ritmo bastante marcado por tambor, triângulo e chocalhos;
[2] Grupo de percussão típico das romarias do Norte de Portugal, que atuam nas ruas com bombos, caixas de rufo e timbalões e por vezes concertinas e os típicos cabeçudos e gigantones.

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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