É
inegável que a Fábrica “Confiança” é indissociável da cidade de Braga e que
constituiu um marco transformador da sociedade a nível económico-social durante
os finais do século XIX e início do século XX. Ainda que as gerações
bracarenses mais novas não tenham vivenciado o período auge de funcionamento
desta fábrica ou até mesmo qualquer período de atividade no emblemático
edifício que lhe deu notoriedade, já ouviram, com toda a certeza, falar sobre
ela. É possível, ainda hoje, encontrar alguns sabonetes desta marca lá nos
gavetões da avó ou até mesmo das mães.
Ainda
que não tenha encerrado a sua atividade - assunto que abordarei mais à frente -,
a “CONFIANÇA” que perdura na memória social da sociedade bracarense parece não
se referir tão-somente à marca de sabonetes, mas sim a todo um universo que
começava desde logo pelo emblemático edifício que lhe deu lugar. É, arrisco a
dizer, quase inexistente a referência à “CONFIANÇA” somente pela marca; creio
que, na maior parte das vezes, esta referência engloba, também, o edifício
situado na rua Nova de Santa Cruz, em Braga. Estas duas dimensões estavam
intimamente ligadas, dando a ilusão de que a marca não perduraria sem o
edifício e vice-versa. Hoje em dia é, ainda, possível constatar que serve de
ponto de referência geográfica à população circundante.
Será
por isso de adivinhar que, aquando a passagem em frente ao edifício que lhe deu
lugar, a nostalgia emirja. Infelizmente, este sentimento nostálgico de um tempo
áureo rapidamente dá lugar a um sentimento tristonho, ao constatar o péssimo estado
de conservação daquele edifício outrora colorido e cheiroso. Creio que, mais do
que o estado em que se encontra, a verdadeira tristeza reside nos olhares cegos
que lhe fazem.
Torna-se
imperioso reconstituir e valorizar aquilo que outrora foi um agente dinamizador
de uma sociedade; não reconstituir o edifício apenas pela prática de
conservação, mas sim atribuir-lhe a função de valorizar e preservar a memória
social de uma comunidade. A marca “Confiança” desde cedo se tornou um fator
identitário de Braga: era possível (como o é ainda hoje) constatar em cada
rótulo de cada sabonete a referência à cidade dos arcebispos. Esta fábrica, para
além de proporcionar todas as benesses que advém de uma industrialização para
um povo tipicamente rural, elevou a cidade, levando Braga “às bocas do mundo”. A
referência de outras cidades nos rótulos dos sabonetes da CONFIANÇA não era,
portanto, possível, e este tão singelo elemento fez com que a cidade de Braga
deixasse de ser referida apenas por aqueles que nela viviam. A marca Confiança
foi destacada, durante o período da 1ª guerra mundial, como “o melhor que se
produz em Portugal” no setor.
Aquando
do início da sua atividade, em 1894, como é possível verificar na fachada
principal do edifício, a marca “Confiança” era especializada no fabrico de
sabão Offenbach (sabão branco e azul),
mas rapidamente passou a incluir uma vasta variedade de cosméticos no seu portfólio. Este crescimento económico da
fábrica fomenta cada vez mais uma relação de cunho identitário com a cidade de
Braga. A dada altura, mais precisamente nas décadas de 50 e 60 do século XX, a
fábrica produzia já para unidades hoteleiras, levando, deste modo, a que a
cidade de Braga fosse cada vez mais referida.
Num
passado ainda recente, mais concretamente no ano de 2009, a marca “Confiança”
foi adquirida pela concorrente “Ach Brito”, e este facto fez com que o
emblemático edifício fosse abandonado. Neste momento, a “Confiança”, como a
população conhecia, deixara de existir na medida em que, e como já fora
supramencionado, a “Confiança” não era apenas uma marca mas também o seu
edifício.
Creio
que se deverá a essa tão forte associação e agregação de dois elementos que,
hoje, não se ouve falar da “Confiança” ainda que a mesma continue a produzir os
seus sabonetes; certo é que é em menor escala, numas pequenas instalações em
São Mamede D’Este, Braga.
O
edifício e a região onde este se encontra continuam, ainda hoje, a serem referidos
pelo nome da fábrica - prova de que, de facto, a “Confiança” era mais do que
uma marca. O edifício encerra em si toda a memória social e coletiva de uma
sociedade bracarense do século XVII e XVIII e é ele que suscita a urgência em
preservar estas vivências tão aromáticas de outrora.
Mas
como nem tudo são rosas, nos últimos anos o edifício da “Confiança” tem sido
alvo de grande polémica na medida em que os anos parecem passar e com eles
levar todas as possibilidades de se realizar qualquer intervenção neste exemplo
de património industrial.
Fora
conhecido e aberto publicamente um concurso de ideias para a atribuição de uma
função ao edifício. Na fase final deste concurso, foi conhecida também a
vontade de construir um núcleo museológico que desse voz à memória industrial
da fábrica, assim como outras valências que o amplo edifício poderia
acolher.
Entretanto,
o cenário continua intocável; as janelas continuam partidas, chamando a atenção
dos transeuntes para o seu interior, levando-os a imaginar um tempo auspicioso
em que as paredes respiravam um ar perfumado e que, hoje, apenas continuam de
pé aguardando a sua salvaguarda.
Joana Virgínia Lopes
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018
Joana Virgínia Lopes
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018
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