A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) publicou, no passado mês de Janeiro, na sua colecção “ensaios da fundação”, este pequeno ensaio de Filipe Teles (doutorado em Ciências Políticas, docente na Universidade de Aveiro e seu pró-reitor para o desenvolvimento regional e política de cidades), sobre os processos de descentralização e o poder local em Portugal (nº 109 da colecção). A descentralização, enquanto processo de transferência de competências, do Estado central para as autarquias, é um assunto muito debatido ao longo do tempo e tem sido um dos temas mais relevantes na ciência política contemporânea e nas políticas públicas, naquilo que é o papel dos governos e a proximidade destes para com os territórios e as comunidades. Por outro lado, é e será a marca de água de qualquer reforma da administração local em Portugal.
Numa
linguagem acessível e informativa, leitura para um par de horas, este ensaio
apresenta e clarifica o funcionamento do poder local e as razões/motivações que
conduzem a processos de descentralização. Apresenta-nos e esclarece-nos sobre
os diferentes tipos ou formas de governação multinível, sobre a diversidade de
alternativas disponíveis para o caso português, assim como expõe os argumentos
a favor e contra a distribuição do poder. Trata-se de um ensaio aberto,
reflexivo e seminal para os debates futuros, que, em última instância, procura
responder à crucial questão: Portugal é, ou não, um país centralizado?
Uma
leitura que possibilite viagens, mais informadas na nossa terra, um pouco mais
além do que as do Garrett, que de Santarém não passou e a uns meros 80 km reduziu
as viagens na sua terra (in Prólogo, página 9).
Numa
leitura mais fina e atenta, poderemos referir-nos à estrutura da obra que,
dividida em seis partes ou capítulos, centra a sua atenção na dicotomia
existente entre aquilo que são as perceções, mais ou menos consensuais e de
senso comum, do forte centralismo promovido e perpetuado por Lisboa, e aquilo
que foram, e são, as iniciativas legislativas, administrativas e executivas por
parte dos diferentes governos e ministérios no esforço ou, pelo menos, nas
tentativas de promover algum tipo de descentralização ao longo das últimas
décadas.
No
primeiro capítulo - “Centralismo: ficção ou realidade?” -, o autor parte
de uma analogia ficcionada para se referir à espacialização do poder, ou
seja, à desproporção entre a administração local e a administração central
naquilo que é a despesa pública, o número total de trabalhadores e os
investimentos e receitas conseguidos. Socorrendo-se de várias estatísticas,
desconstrói a ideia de que, por comparação a outros Estados europeus, o poder
local em Portugal tem um conjunto de invejáveis competências, pois, por
exemplo, quer no PIB de 2019, em que Portugal apresenta 5,6%, a média da OCDE é
9,2%, a média da UE é de 15,5%, quer na % da despesa pública efetuada a nível
local, em que Portugal apresenta 12,6%, a média da OCDE é de 28,7%, a média da
UE é de 33,4%.
Para
além disto, é preciso ter em consideração que, segundo dados da Eurostat e
relativos ao período de 2015 a 2017, Portugal viu 84,2% do seu investimento
público directo ser financiado pelos fundos de coesão... com estes fundos comunitários, os municípios
portugueses são meros implementadores. Sem fundos, são insignificantes
(página 18).
Outra
forma de perceber a maior ou menor centralização em Portugal será através da
presença e capacidade da administração pública nas diferentes regiões. É dado o
exemplo da área metropolitana de Lisboa, onde reside 1/4 da população
portuguesa e estão concentrados 2/3 do valor das compras totais da
Administração Pública Central e, destes, 2/3, quase 80%, são adjudicadas a
empresas sediadas na mesma região.
Por
último, a centralização também poderá ser avaliada através das percepções
daquilo que se entende por centro e periferia, pois estas designações são
construção de auto e hétero-imagens do país... recurso de segurança, muitas vezes superioridade,
transformado na prática cultural e política da desconfiança do centro face ao
local. E, também, tantas vezes, do local face a si mesmo (página 22). A
terminar este capítulo, o autor diz-nos que a descentralização implica
reformular, reformar e reinterpretar.
No
capítulo seguinte – “significados de descentralização” - , o autor qualifica o conceito de
polissémico, na medida em que descentralização terá significados diferentes
para pessoas diferentes. Determina a diferença entre descentralizações política
e administrativa, apresentando vários exemplos a nível europeu e até mundial,
atribuindo a instituições e agências internacionais de desenvolvimento, como o
Banco Mundial, um papel enérgico no financiamento de processos de
descentralização em todo o mundo. Elenca e carateriza, também, os diferentes
tipos de descentralização, estabelecendo a fronteira entre esta e o conceito de
desconcentração, para afirmar a descentralização como o resultado de um misto
de medidas políticas, administrativas, fiscais e de desconcentração.
Na
página 38 e seguintes, Filipe Teles apresenta os argumentos positivos e
negativos para a descentralização:
a) De
eficiência – da estrutura administrativa; efeitos da competição sub-nacional;
fiscal;
b) De
democracia – democratização; equilíbrios e fiscalização multinível; redução de
conflito;
c) De
políticas públicas – estabilidade de políticas públicas; inovação;
Assim
como apresenta os riscos a evitar:
1º
prevenir uma atribuição pouco clara de responsabilidades entre níveis de
governo, pois este erro pode levar a maior despesa na prestação de serviços e a
défices democráticos;
2º
limitada capacidade de governos sub-nacionais para prestar serviços públicos
que lhes possam ser atribuídos;
3º
importa encontrar um equilíbrio entre a autonomia e a regulação, a fim de
assegurar os benefícios da descentralização, sem disparidades regionais
significativas;
No
capítulo subsequente – “alternativas de reforma” -, argumenta que os governos locais, com a sua maior proximidade
aos cidadãos, estão mais bem equipados para responder aos anseios, preferências
e necessidades das comunidades e que a descentralização é a óbvia consequência
da própria democracia. São três as razões para serem os governos
locais/regionais a prestarem os serviços públicos: proximidade, eficácia e flexibilidade.
Para além disto, as reformas da governação local não são um fenómeno novo e
estarão na agenda política da maioria dos países europeus desde a década de 60
do século passado.
Neste
processo de descentralização encontramos uma outra tendência indiscutível: a
regionalização que, nas suas mais diversas formas, continua a afirmar-se nos
processos de reforma e descentralização em vários países e continentes. Essa
regionalização pode consubstanciar-se de variadas formas: desconcentração,
cooperação intermunicipal, descentralização regional e regionalização política.
Nestas
novas e híbridas formas de governar, as autoridades locais são parte de redes,
com o envolvimento de empresas públicas, ou parcialmente públicas, e privadas
na prestação de serviços públicos (página 55).
Estas redes significam cooperação intermunicipal, ou seja, a parceria para partilhar recursos, informação ou para fornecerem alguns serviços ou bens específicos. Esta cooperação pode ter um carater voluntário (acordos pontuais de curto ou longo prazos, como recolha de lixos, saneamentos, etc.), ou ter um carater obrigatório (força da lei, como, por exemplo, as áreas metropolitanas e as Comunidades Inter-Municipais). São apresentadas as vantagens e as desvantagens destas cooperações intermunicipais.
(continua)
Luís Vale
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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