sexta-feira, abril 02, 2021

Água: recurso económico ou direito humano?

Todos os povos, seja qual for o seu estado de desenvolvimento e as suas condições sociais e económicas, têm direito a ter acesso a água potável em quantidade e qualidade igual às suas necessidades básicas

(Março de1977, Conferência da ONU sobre a Água, Mar da Prata).

A água deve ter cor, odor e sabor aceitáveis para o consumo pessoal e doméstico. Todas as instalações e serviços de água e saneamento devem ser culturalmente adequados e ter em conta requisitos de género, ciclo de vida e privacidade. O saneamento deve ser culturalmente aceitável, assegurado de forma não discriminatória e incluir os grupos vulneráveis e marginalizados.

Como exemplo, sendo aluna de arquitetura e sendo a cadeira de Economia Urbana alvo de sensibilização, revelo a Cozinha Comunitária das Terras da Costa, Almada, como referência de projeto arquitetónico que tem como principal cuidado e objetivo a disponibilização de água comunitária para a população do bairro em questão, sendo assim a sustentabilidade assegurada pela arquitetura.


 

São estas as condições de vida de quase 500 pessoas – aproximadamente 100 crianças – que habitam um bairro de génese ilegal na Costa da Caparica. Designado Terras da Costa, este bairro é maioritariamente ocupado por comunidades de origem africana e cigana.

Não existem dados oficiais relativos à génese deste bairro. Apenas se sabe que a construção de casas, nestes terrenos, terá começado a partir da existência de construções de apoio à atividade agrícola, havendo relatos de moradores que dizem ali habitar há 30 anos. Em registo fotográfico aéreo, de 2001, os dois ateliers conseguiram identificar um bairro consolidado, cujos limites foram aumentando no decorrer da última década. Este projeto criou um centro comunitário providenciando uma resposta às diversas necessidades e expectativas desta população, oferecendo um espaço público multifuncional e inter-geracional, trazendo acima de tudo um ponto de água potável no bairro.

Procura refutar a marginalização das Terras, fortalecendo a sua identidade e promovendo o relacionamento entre os cidadãos, dentro e fora desta comunidade, capacitando-os para serem socialmente ativos. Mais importante que tudo, este projeto torna possível um diálogo não conflituoso com as instituições e entidades locais.

O projeto foi concebido e projetado através de um processo extenso e altamente participativo, que contou sempre com a presença ativa desta comunidade na sua discussão. A Câmara Municipal de Almada apoiou o projeto através da autorização da sua construção, assim como pelo fornecimento e instalação do equipamento necessário para a distribuição de água potável, num chafariz integrado na Cozinha comunitária.

A Fundação Calouste Gulbenkian tornou possível a segunda fase do projeto da Cozinha através do Programa de Desenvolvimento Humano.

Sem água, saneamento e entre construções precárias, é algo impensável pessoas viverem nestas condições.

 “As Terras da Costa é um território isolado e invisível, onde as pessoas se sentem esquecidas e a intervenção pública mais determinante são as frequentes e severas ações policiais.Muitas das famílias cozinham em fogueiras dentro ou na proximidade das casas, pondo em risco a segurança de um bairro sem água. É necessário percorrer um trajeto de cerca de 1 km para recolher água de um chafariz público.”

A estrutura, à semelhança do que acontece no bairro, cresce de acordo com novas necessidades e novos recursos. Um simples módulo de madeira é reproduzido três vezes, permitindo uma série de equipamentos: uma cozinha fechada; um espaço de refeições aberto; uma zona de lavagem e secagem de roupa e um espaço de convívio. Esta estratégia permitiu a adaptação dos espaços aos desejos da comunidade, facultando deste modo os dados para organizar a área de construção de acordo com os financiamentos e apoios disponíveis.

Uma vasta equipa internacional e interdisciplinar (arquitetos, urbanistas, carpinteiros, artistas, mediadores sociais, etc.) e um número crescente de voluntários, juntaram-se ao projeto desde o seu começo. A simplicidade da técnica dos pórticos de madeira e as inúmeras atividades em torno da zona de construção permitem que qualquer um faça parte deste projeto. A construção é por excelência um momento de partilha de conhecimentos e de uma aprendizagem prática.



Fotografias da autoria de Fernando Guerra | FG+SG


O debate acerca da água pode levar a muitas conclusões. É um tema delicado e difícil no momento de tomar certas decisões. A água é um direito humano mas também é um recurso económico. Embora para uns seja um bem de acesso fácil, para outros é um luxo, e por vezes esse acesso facilitado dá aso ao gasto desnecessário.

A água potável e segura para consumo devia ser algo garantido para todos, um direito humano. Porém, dependendo das realidades, temos consciência que isso nem sempre acontece. Todavia, embora estejamos longe de vários objetivos, e ainda haver muito desperdício e pouca consideração por este recurso, já existem muitas iniciativas que, para além de incentivarem a poupança de água, ajudam populações mais carenciadas que necessitam, como toda a gente, de água própria para consumo e higiene pessoal.

Para a água chegar a nossa cassa, existem custos, e se continuarmos a ser descuidados, seja com os gastos, com a poluição, entre outros fatores, a escassez desse recurso irá se tornar cada vez mais evidente e, por sua vez, levar à inflação dos preços para o acesso a este recurso.

Se, por um lado, existe a poupança e quem queira melhorar toda a situação, por outro, apesar das chamadas de atenção, ainda existe o lado despreocupado, esquecendo-se que essa atitude está a prejudicar os outros, as futuras gerações e a eles próprios.

A reutilização da água é um dos muitos métodos de mudança, seja na indústria, na agricultura ou até mesmo na arquitetura. Porém, não podemos ficar apenas pela possibilidade mas temos sim que tomar atitudes preventivas.

Para concluir, a água, embora um bem comum e um dos recursos mais importantes do planeta, não deixará de ser um recurso económico, e não existe problema nisso, desde que exista equilíbrio.

 

FÁTIMA RAQUEL DA SILVA OLIVEIRA 

Referências Bibliográficas:

https://www.ateliermob.com/projects/cozinha-comunitaria-terras-da-costa

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Urbana”, lecionada ao Mestrado Integrado em Arquitetura, da Escola de Arquitetura/UMinho) 

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