sexta-feira, abril 16, 2021

O impacte da covid-19 nas bandas filarmónicas nos Açores?

As bandas filarmónicas são grandes promotores da cultura na Região Autónoma dos Açores, existindo atualmente 103 bandas, algumas com mais de 100 anos de existência. Em média, cada freguesia Açoreana possui 0,66 bandas, ou seja, cerca de uma banda por freguesia, existindo casos em que  existe mais do que uma, promovendo assim “rivalidades” entre as mesmas. Estas são formadas por tocadores amadores, das faixas etárias dos 8 aos 80 anos.

O surgimento destas bandas filarmónicas, entre os meados do século XIX e o século XX, deve-se há influencia das charangas militares. Por esta razão as fardas das filarmónicas são semelhantes ao fardamento militar, apesar de nos últimos anos o cenário ter vindo a modificar-se. No fardamento, os elementos que não têm sofrido alterações são o seu símbolo e o estandarte, que representam a coletividade e que são únicos a cada um dos grupos musicais.

Como mencionado anteriormente, estas filarmónicas são formadas maioritariamente por amadores, tendo por vezes, no máximo, um ano de formação em educação musical. Isto era a norma no século passado, sendo apenas necessário o gosto pela música ou pelo convívio para entrar num grupo destes mas, atualmente, as gerações mais novas já possuem mais conhecimentos musicais e são encorajadas a adquirir mais conhecimento nesta área. Estas bandas são compostas por um grupo bastante heterogéneo, quer em idade, quer em tipo de instrumentos. A maioria destas bandas é composta por instrumentos de sopro e precursão e, em alguns casos, instrumentos de cordas.

Estes grupos musicais desempenham um papel importante a nível social e cultural no arquipélago, fazendo parte do património desta região, representando a essência e a identidade do povo Açoreano. Os grupos participam em várias festividades profanas e religiosas, tendo uma agenda preenchida de arraiais todo o ano, não existindo nenhuma festa na Região Autónoma dos Açores que não tenha a participação de uma banda filarmónica. Estas são dinamizadoras da cultura, organizando várias festividades, como é o caso da Rainha Santa Isabel, na quinta das rosas, na ilha do Pico, e da festa de Nossa Senhora da Barca, também na mesma ilha. Para além disto, as filarmónicas participam em intercâmbios com outras bandas, nos quais existe partilha de tradições, costumes e produtos gastronómicos (vinhos, queijos, licores), dando a conhecer os produtos da região e havendo assim um desenvolvimento económico e local em volta dos mesmos.

Estas bandas, como referido anteriormente, têm uma agenda muito preenchida, o que lhes permite conseguir gerir a coletividade sem muitas dificuldades a nível monetário. Com o cenário que  presenciamos desde o ano passado, quando nos vimos impedidos de organizar festas profanas e religiosas por causa da covid-19, esta gestão financeira atingiu alguns obstáculos, sendo que muitas destas coletividades tiveram uma grande redução nas suas receitas. Apesar deste panorama, a região autónoma dos Açores não tem sofrido tanto como Portugal continental, acabando por se realizarem algumas festividades de caráter religioso dos padroeiros mais cultivados e que mais pessoas movimentam, tanto das diversas ilhas dos Açores, como da América do Norte e de outros sítios, pelo menos no caso da ilha do Pico, mas sem o aparato dos anos anteriores.

Por fim, a Covid trouxe muitas consequências para estas bandas filarmónicas, isto porque sem arraiais não há receitas, vendo-se afogar em dívidas para pagar as despesas das suas sedes, o arranjo de instrumentos, e a precisar de ajuda do Governo Açoreano para se manterem. Este cenário, a longo prazo, pode significar o desaparecimento destes grupos e de muitas das tradições que eles transmitem. Em consequência deste cenário, ficam algumas questões no ar sobre o impacte que a Covid-19 terá, a longo prazo, nestes grupos, nomeadamente: se o turismo religioso irá diminuir ou morrer com a extinção das bandas? Isto porque a maior parte das festas religiosas centram-se na participação das filarmónicas, beneficiando com as mesmas. O futuro destes grupos ainda é muito incerto, tal como o das festividades.


Catarina Medeiros

Referências

Costa, M. D. (2012). POLÍTICAS CULTURAIS NOS AÇORES (1976-2008). OS MUSEUS DA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL E O SEU PAPEL NA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À CULTURA. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. doi:https://recil.grupolusofona.pt/bitstream/10437/4699/1/Miguel%20Costa%20-%20Pol%C3%ADticas%20Culturais%20nos%20A%C3%A7ores%20%281976-2008%29.pdf

Governo DOS AÇORES - SECRETARIA regional da educação, Ciência e Cultura - Direção regional da Cultura. doi:http://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/default.aspx?id=6812

Lopes, A. R. (2012). FILARMÓNICA RECREIO DOS ARTISTAS: PROCESSOS DE SOCIABILIDADE EM CONTEXTOS DE EXIBIÇÃO E PERFORMANCE. UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA. doi:https://run.unl.pt/bitstream/10362/7679/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado.%20Mar%C3%A7o%202012.pdf

RTP. Filarmónicas Paradas TEMEM pelo futuro. doi:https://www.rtp.pt/acores/covid-19/filarmonicas-paradas-temem-pelo-futuro-_65829

Russo, S. B. (2007). AS BANDAS FILARMÓNICAS ENQUANTO PATRIMÓNIO: UM ESTUDO DE CASO NO CONCELHO DE ÉVORA . INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA. doi:https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/1155/1/BANDAS%20FILARM%C3%93NICAS%20ENQUANTO%20PATRIM%C3%93NIO.pdf

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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