Um ano após o início da crise sanitária em que vivemos, são várias as questões que se põem relacionadas com as mudanças do quotidiano dos portugueses, sendo uma delas o tema principal deste artigo: será que esta pandemia tem o potencial para tornar o espaço rural mais atrativo aos olhos da população?
Desde fins de março de
2020 que, preferencialmente, o povo português se tem mantido em casa. Esta
mudança abrupta do modo de viver trouxe uma nova utilização da casa como local
de trabalho, para os que podem, assim como trouxe uma enorme reorganização
estrutural dos métodos de trabalho da maioria das empresas e instituições -
mudança esta necessária face às adversidades que vivemos - transformando a vida
dos portugueses numa rotina centrada nas suas próprias casas, substituindo os
locais de trabalho e todos os locais de contexto social, pois foram trazidos
para dentro de casa.
Esta mudança foi
facilitada pelos meios digitais, elemento que hoje em dia nos permite estar em
conferência, fazer compras, ver filmes… Ou seja, o trabalho, as compras, o
lazer e todas as necessidades possíveis foram transportados para plataformas online.
Como afeta isto a longo prazo o mercado de compra e arrendamento de casas é a
questão que se pretende colocar na mesa.
Tendo em consideração
que uma das principais dimensões que afetam a escolha de habitação é o emprego,
a oferta e proximidade ao mesmo, durante a pandemia é plausível argumentar que
um “êxodo citadino” seria possível, dado que o novo espaço de trabalho da
maioria da população é a própria casa.
No entanto, a reformulação estrutural que a sociedade sofreu foi muito a
nível de trabalho e pouco a nível de serviços.
Sim, é possível
encomendar as compras para casa, quer sejam alimentares, vestuário ou para
lazer, porém a rede de distribuição mantém-se a mesma. Embora haja poucas
restrições em termos de distribuição de compras online de produtos que
não exijam grande condicionamento, por outro lado, os frescos e produtos
alimentares continuam a depender de um supermercado próximo, capaz de os
distribuir. Em muitas aldeias portuguesas, esses supermercados não estão
próximos, isto é, dependem da tradicional carrinha do pão (por exemplo), ou não
têm capacidade para tal. Para além disso, esta realidade online só é
possível com a existência de distribuição de rede internet, outro fator que não
é comum a todas as aldeias e meios rurais do país.
Para além disso, outro
fator muito importante nesta equação é a força do hábito urbano. As dimensões
do lazer, dos serviços ou até da própria idade dos habitantes são muito pesadas
quando se fala em procura de habitação, ou seja, mesmo que o emprego seja um
elemento que se possa considerar neutro em tempos em que trabalhamos sem sair
de casa, os restantes fatores continuam a influenciar a vida dos habitantes.
Esta restruturação da
vida profissional que sofremos em 2020 torna realmente possível debater se
poderia haver uma migração da cidade para o meio rural a nível teórico, mas em
termos práticos teria de ser acompanhada por uma reforma das redes de distribuição
de serviços, melhoramento de acessos, ou seja, apenas se houvesse uma
redistribuição de ofertas entre o meio urbano e o meio rural de modo a melhorar
as condições de vida maioritariamente nas zonas menos povoadas do interior do
país tal poderia, de facto, efetivar-se.
Sendo este “êxodo citadino”
um conceito realmente interessante, levantam-se ainda mais questões: Será que
isso beneficiaria o país a nível socioeconómico? E os seus habitantes? Seria
possível fazer esta reforma do quotidiano em termos práticos, de
acessibilidades, ofertas e serviços? Nunca se havia pensado fazer,
efetivamente, esta reforma do panorama profissional até esta crise sanitária
assim o obrigar. Será viável aproveitar esta onda de mudança que se vive para
alterar também outras dimensões na nossa vida?
Dado que não vamos
viver em pandemia para sempre, parece ser fácil dizer que a longo prazo não
afetará o mercado de compra e arrendamento de casa, contudo sendo impossível
saber quando vai terminar, não deixa de ser uma questão interessante.
Manuel Romão
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Urbana”, lecionada ao Mestrado Integrado em Arquitetura, da Escola de Arquitetura/UMinho)
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