quarta-feira, abril 21, 2021

Alternativas e dinamizações de recursos no Vale do Ribeira, uma estratégia envolvente

Situado numa região entre o Estado do Paraná e o Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira abrange um vasto território da Mata Atlântica, aproximadamente 21% do remanescente de mata atlântica existente no Brasil. A região do Vale do Ribeira compreende integralmente a área de 31 municípios (9 paranaenses e 22 paulistas) – existem ainda outros 21 municípios e outros 18 municípios que estão parcialmente inseridos na bacia do Ribeira.

A atividade económica da região mudou substancialmente durantes os séculos: inicialmente, no século XVI, a região era núcleo de apoio aos portugueses que faziam uso dos seus portos, facilitando a entrada e intercâmbio de mercadorias que penetravam através do Rio Ribeira de Iguape e seus afluentes. Nos séculos seguintes, a abundância e escassez de recursos da região foram determinadas pelo apogeu ou fracasso de culturas económicas como o extrativismo e a cultura do arroz.

Hoje, a região é determinada por uma estagnação econômica e baixo desenvolvimento social, num espaço físico marcado por grande diversidade ecológica, comportando biomas ameaçados e com partes de mata preservada, fato este que a configura como uma área bastante complexa e frágil para todas as modalidades de uso e ocupação. Este conjunto de áreas preservadas são habitados também por comunidades indígenas, comunidades quilombolas, comunidades caiçaras e imigrantes, tornando a região, ao mesmo tempo, local de complexa gestão, com mal aproveitamento dos recursos e com risco de ameaça ao seu próprio património natural, material e imaterial.

Figura 1: Vale do Ribeira. Fonte: Google Maps

Há algum tempo, esforços entre os setores público, privado e a sociedade civil vêm sendo despendidos para fazer conhecer e potencializar o capital social e natural para o desenvolvimento, e a consequente redução das desigualdades. Um deles, uma ação em conjunto com o instituto ISA[1],  constituiu-se em primeiro lugar num trabalho de inventário cultural com as comunidades quilombolas. Atualmente, o projeto ‘O Ribeira Vale’ estendeu-se em parcerias com outras organizações locais, apoiando 19 comunidades quilombolas num sistema integrado que “implementa projetos de desenvolvimento sustentável, geração de renda, conservação e melhoria da qualidade de vida das comunidades quilombolas da região.”

A Secretaria do Desenvolvimento do Governo São Paulo lançou recentemente, em agosto de 2020, um ambicioso plano de revitalização do local, o “1º Plano Regional de Economia Criativa do Brasil - Dá gosto ser do Ribeira”. Esse plano busca valorizar o local, tirando partido da sua diversidade história, compondo com os diferentes atores e interesses da região. Para conceber esse plano, foi encomendado um estudo aprofundado a diferentes instituições. Juntamente com alguns moradores locais, este grupo de trabalho percorreu em torno de 11.00 quilômetros em dois meses, coletando saberes, fazeres e percepções locais.

Justamente, o ponto de partida desse trabalho começou com uma revisão histórica do Vale do Ribeira. Assim, foi descoberto que a riqueza do Vale ainda não é conhecida pelos próprios habitantes do local, havendo pouca troca e curiosidade entre as cidades vizinhas. Questionaram-se se a causa desta lacuna não seria a própria abundância de recursos de cada território que faz com quem os moradores se acostumem com a realidade local, ao invés de procurar entrar em relação com o município vizinho; de qualquer maneira, em consequência desse isolamento, ignoravam a riqueza que seria adquirida caso fossem somadas as potências de cada cidade.

Baseado nessa constatação, um dos direcionamentos do plano, chamado ‘o 100% Ribeira’, é uma estratégia que visa estimular o turismo interno, propondo tarifas mais acessíveis para os próprios moradores do Vale do Ribeira para que o turismo de proximidade seja cada vez mais valorizado. Tenta-se assim criar uma identidade, uma narrativa local que comece pela base, ou seja, que o próprio Ribeira se conheça a si mesmo. Dentro do programa foram também contempladas outras ações nesse sentido: ‘A Casa de Memórias e Afetos’ promete ‘contar a história do Ribeira’ aos próprios moradores do Ribeira, um arquivo público de memórias que trarão de volta a importância do local. É ignorado por muitas pessoas que o Vale do Ribeira foi palco do primeiro ciclo do Ouro e da primeira cultura de arroz, por exemplo. Recuar na história, fincar raízes e através destas raízes projetar ramos frondosos para o futuro é o norte que orienta o Plano. Após se concentrar no panorama histórico, a análise do plano se ateve aos seguintes setores econômicos: turismo, alimentação e artesanato.

Ana Carla Fonseca, mentora da empresa Garimpo de Soluções e detentora da execução do projeto, possui uma visão na qual sempre devemos ‘transformar o olhar’ e passar a valorizar pontos que outrora eram vistos como uma obstrução; nesse caso, o próprio rio Ribeira, que secciona o Vale, é apontado por muitos como causador de enchentes, será transformado em Parque Fluvial - passará a ser um ponto de encontro onde atividades lúdicas, desportivas e culturais serão sediadas, permitindo-se assim “fazer as pazes com o Rio Ribeira”. Dentro da categoria turística estão ainda previstos a criação de um Geoparque - aproveitando as exuberantes cavernas existentes no local, nos moldes pedidos pela UNESCO. Um nicho Turismo de Bem-estar já existe na região e necessita somente de ser organizado, salienta Ana Fonseca.

Com relação ao setor do artesanato, o plano preconiza uma ação inteligente que consistiria em utilizar a rodovia BR 116 - uma rodovia extensa, passagem para diversas rotas até internacionais - como porto de entrada e cartão de visita, posicionando um sítio de vendas à beira da estrada. No setor alimentício a proposta do plano insiste no incentivo à agricultura familiar e orgânica, produto com alto valor agregado e que se conecta também ao setor turístico de bem-estar; além desta medida, outras alternativas sugeridas, como a transformação de produtos alimentícios excedentes, permitem, para além de se evitar o desperdício, anexar ao produto um forte valor agregado.

Decorrem destas reflexões: a iniciativa de transformar o potencial atrativo e criativo das regiões advém da vontade política e da soma de esforços de vários setores. A tentativa de transformar o Vale do Ribeira - atualmente um lugar com baixo desenvolvimento social - em um polo único e dinâmico que proponha produtos, experiências, serviços com alto valor agregado, compartilhado e valor percebido, merece atenção como um ambicioso projeto de política pública feito sob medida para atender a uma região genuinamente única, e que justamente por este motivo é tão especial.

 

Marisol Cordeiro

Referências

Fonseca, Ana Carla Dá gosto de ser do Ribeira [livro eletrônico]: plano estratégico de economia criativa/ Ana Carla Fonseca, José Alejandro Castañé, Ricardo Peruchi – 1.ed. – São Paulo : Garimpo de Soluções : Sebrae- Sp. 2020 1Mb; PDF. Disponível em: <https://garimpodesolucoes.com.br/wp-content/uploads/2020/08/DaGostoSerDoRibeira_PlanoEstrategicoEconomiaCriativa_03082020_PaginasSeparadas.pdf?fbclid=IwAR2vaFrSgyHx6n2ixu8rsLZSJfbuciPVHKTS3f6TMdOywMoJHa7XG0vZyNo>

Orçamento 2012: Vale do Ribeira ainda tem economia com base na cultura de chá e banana disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=259094>

Socioambiental, I., 2013. Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira. [online] Issuu. Disponível em: <https://issuu.com/instituto-socioambiental/docs/pdf-publicacao-final_inventario> [Accessed 19 April 2021].

1º Plano Regional de Economia Criativa do Brasil - Dá gosto ser do Ribeira disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rcTob10RM1c>


[1] O Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos. Fundado em 1994, tem a missão de propor soluções de forma a integrar questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos.

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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