Situado numa região entre o Estado do Paraná e o Estado de São Paulo, o Vale do Ribeira abrange um vasto território da Mata Atlântica, aproximadamente 21% do remanescente de mata atlântica existente no Brasil. A região do Vale do Ribeira compreende integralmente a área de 31 municípios (9 paranaenses e 22 paulistas) – existem ainda outros 21 municípios e outros 18 municípios que estão parcialmente inseridos na bacia do Ribeira.
A
atividade económica da região mudou substancialmente durantes os séculos: inicialmente,
no século XVI, a região era núcleo de apoio aos portugueses que faziam uso dos
seus portos, facilitando a entrada e intercâmbio de mercadorias que
penetravam através do Rio Ribeira de Iguape e seus afluentes.
Nos séculos seguintes, a abundância e escassez de recursos da região foram
determinadas pelo apogeu ou fracasso de culturas económicas como o extrativismo
e a cultura do arroz.
Hoje,
a região é determinada por uma estagnação econômica e baixo desenvolvimento
social, num espaço físico marcado por grande diversidade ecológica, comportando
biomas ameaçados e com partes de mata preservada, fato este que a configura
como uma área bastante complexa e frágil para todas as modalidades de uso e
ocupação. Este conjunto de áreas preservadas são habitados também por
comunidades indígenas, comunidades quilombolas, comunidades caiçaras e
imigrantes, tornando a região, ao mesmo tempo, local de complexa gestão, com
mal aproveitamento dos recursos e com risco de ameaça ao seu próprio património
natural, material e imaterial.
Figura 1: Vale do Ribeira.
Fonte: Google Maps
Há
algum tempo, esforços entre os setores público, privado e a sociedade civil vêm
sendo despendidos para fazer conhecer e potencializar o capital social e
natural para o desenvolvimento, e a consequente redução das desigualdades. Um
deles, uma ação em conjunto com o instituto ISA[1], constituiu-se em primeiro lugar num trabalho
de inventário
cultural com as comunidades quilombolas. Atualmente,
o projeto ‘O
Ribeira Vale’ estendeu-se em parcerias
com outras organizações locais, apoiando 19 comunidades quilombolas num sistema
integrado que “implementa projetos de desenvolvimento sustentável, geração de
renda, conservação e melhoria da qualidade de vida das comunidades quilombolas
da região.”
A Secretaria do Desenvolvimento do Governo São
Paulo lançou recentemente, em agosto de 2020, um ambicioso plano de revitalização
do local, o “1º Plano Regional de Economia Criativa do Brasil - Dá gosto ser do
Ribeira”. Esse plano busca valorizar o local, tirando partido da sua diversidade
história, compondo com os diferentes atores e interesses da região. Para
conceber esse plano, foi encomendado um estudo aprofundado a diferentes
instituições. Juntamente com alguns moradores locais, este grupo de trabalho
percorreu em torno de 11.00 quilômetros em dois meses, coletando saberes,
fazeres e percepções locais.
Justamente, o ponto de partida desse trabalho
começou com uma revisão histórica do Vale do Ribeira. Assim, foi descoberto que
a riqueza do Vale ainda não é conhecida pelos próprios habitantes do local,
havendo pouca troca e curiosidade entre as cidades vizinhas. Questionaram-se se
a causa desta lacuna não seria a própria abundância de recursos de cada
território que faz com quem os moradores se acostumem com a realidade local, ao
invés de procurar entrar em relação com o município vizinho; de qualquer
maneira, em consequência desse isolamento, ignoravam a riqueza que seria
adquirida caso fossem somadas as potências de cada cidade.
Baseado nessa constatação, um dos
direcionamentos do plano, chamado ‘o 100% Ribeira’, é uma estratégia que visa estimular
o turismo interno, propondo tarifas mais acessíveis para os próprios moradores
do Vale do Ribeira para que o turismo de proximidade seja cada vez mais
valorizado. Tenta-se assim criar uma identidade, uma narrativa local que comece
pela base, ou seja, que o próprio Ribeira se conheça a si mesmo. Dentro do
programa foram também contempladas outras ações nesse sentido: ‘A Casa de
Memórias e Afetos’ promete ‘contar a história do Ribeira’ aos próprios
moradores do Ribeira, um arquivo público de memórias que trarão de volta a
importância do local. É ignorado por muitas pessoas que o Vale do Ribeira foi palco
do primeiro ciclo do Ouro e da primeira cultura de arroz, por exemplo. Recuar
na história, fincar raízes e através destas raízes projetar ramos frondosos
para o futuro é o norte que orienta o Plano. Após se concentrar no panorama histórico,
a análise do plano se ateve aos seguintes setores econômicos: turismo,
alimentação e artesanato.
Ana Carla Fonseca, mentora da empresa Garimpo
de Soluções e detentora da execução do projeto, possui uma visão na qual sempre
devemos ‘transformar o olhar’ e passar a valorizar pontos que outrora eram
vistos como uma obstrução; nesse caso, o próprio rio Ribeira, que secciona o
Vale, é apontado por muitos como causador de enchentes, será transformado em
Parque Fluvial - passará a ser um ponto de encontro onde atividades lúdicas, desportivas
e culturais serão sediadas, permitindo-se assim “fazer as pazes com o Rio
Ribeira”. Dentro da categoria turística estão ainda previstos a criação de um
Geoparque - aproveitando as exuberantes cavernas existentes no local, nos
moldes pedidos pela UNESCO. Um nicho Turismo de Bem-estar já existe na região e
necessita somente de ser organizado, salienta Ana Fonseca.
Com relação ao setor do artesanato, o plano
preconiza uma ação inteligente que consistiria em utilizar a rodovia BR 116 -
uma rodovia extensa, passagem para diversas rotas até internacionais - como porto
de entrada e cartão de visita, posicionando um sítio de vendas à beira da
estrada. No setor alimentício a proposta do plano insiste no incentivo à agricultura
familiar e orgânica, produto com alto valor agregado e que se conecta também ao
setor turístico de bem-estar; além desta medida, outras alternativas sugeridas,
como a transformação de produtos alimentícios excedentes, permitem, para além
de se evitar o desperdício, anexar ao produto um forte valor agregado.
Decorrem destas reflexões: a iniciativa de
transformar o potencial atrativo e criativo das regiões advém da vontade
política e da soma de esforços de vários setores. A tentativa de transformar o
Vale do Ribeira - atualmente um lugar com baixo desenvolvimento social - em um
polo único e dinâmico que proponha produtos, experiências, serviços com alto
valor agregado, compartilhado e valor percebido, merece atenção como um
ambicioso projeto de política pública feito sob medida para atender a uma
região genuinamente única, e que justamente por este motivo é tão especial.
Marisol Cordeiro
Referências
Fonseca, Ana Carla Dá gosto de ser do Ribeira
[livro eletrônico]: plano estratégico de economia criativa/ Ana Carla Fonseca,
José Alejandro Castañé, Ricardo Peruchi – 1.ed. – São Paulo : Garimpo de
Soluções : Sebrae- Sp. 2020 1Mb; PDF. Disponível em: <https://garimpodesolucoes.com.br/wp-content/uploads/2020/08/DaGostoSerDoRibeira_PlanoEstrategicoEconomiaCriativa_03082020_PaginasSeparadas.pdf?fbclid=IwAR2vaFrSgyHx6n2ixu8rsLZSJfbuciPVHKTS3f6TMdOywMoJHa7XG0vZyNo>
Orçamento 2012: Vale do Ribeira ainda tem
economia com base na cultura de chá e banana disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=259094>
Socioambiental, I., 2013. Inventário Cultural
de Quilombos do Vale do Ribeira. [online] Issuu. Disponível em: <https://issuu.com/instituto-socioambiental/docs/pdf-publicacao-final_inventario>
[Accessed 19 April 2021].
1º Plano Regional de Economia Criativa do Brasil - Dá gosto ser do Ribeira disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rcTob10RM1c>
[1] O Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos. Fundado em 1994, tem a missão de propor soluções de forma a integrar questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos.
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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