terça-feira, novembro 01, 2011

Armas estão “fora de jogo”

«O desporto é uma linguagem universal. No melhor das suas capacidades, há um poder federador, unindo as pessoas, quaisquer que sejam a sua origem, o seu meio social, as suas convicções religiosas ou a sua situação económica» (Kofi Annan, 2005).
Ciente de que o futebol é o fenómeno que desperta e move maiores paixões, não é de estranhar que seja também factor de união daqueles que, por razões alheias, outrora se desentenderam. Exemplo da influência exercida por aquele que é denominado o “desporto rei” é a actual situação no Cáucaso, considerada uma das regiões mais explosivas da Europa, levada a cabo por duas equipas de futebol - o “Anzhi” (Daguestão) e o “Terek Grozny”( Chechénia). “O nosso interesse é que o Daguestão não seja apenas associado ao terrorismo e à violência", declarou à Agência Efe o Presidente da República do Daguestão.
O início do conflito em questão teve lugar no dia 9 de Maio de 2004, quando a guerrilha separatista colocou uma bomba no estádio Dínamo de Grozni, assassinando assim o Presidente da Chechênia, Ajmat Kadyrov, pai do actual líder da República, e mais três dezenas de chechenos. No fatídico dia decorria, neste mesmo estádio, uma cerimónia comemorativa da vitória sobre o nazi-fascismo na II Guerra Mundial.
O futebol, que desde sempre seduziu muitos adeptos no Cáucaso, foi (mais) uma das vítimas das guerras chechenas e da onda terrorista islamita que se propagou a todos as repúblicas vizinhas durante as duas últimas décadas.
O Cáucaso tornou-se um território “interdito”, com as equipas do resto do país a negarem-se a disputar jogos em Estados vizinhos muçulmanos. O Terek - antigo Dínamo - por exemplo, ficou 13 anos (1995-2008) sem disputar jogos de futebol no seu próprio território.
Em 2008 o ambiente apaziguou, tendo a retirada das tropas antiterrorismo ditado o fim do violento e perturbado período em terras chechenas. Quem beneficiou, e muito, com esta alteração de posição foi o futebol, uma vez que se gerou um clima mais pacífico e de confiança, que acabou por levar adeptos e massa associativa do Terek de volta ao estádio. Hoje em dia, centenas de crianças chechenas vão “à bola”, vestidos com camisolas dos seus ídolos do futebol mundial, como Cristiano Ronaldo ou Messi.
Simultaneamente, na região vizinha de Daguestão, onde os adeptos vivem também o futebol com grande paixão, o Anzhi alcançou a primeira divisão em 2010, tornando-se a grande revelação do Campeonato Russo. "O futebol é um instrumento que afasta os jovens das más influências da rua. Queremos manter o interesse pelo Anzhi", declarou à mesma agencia o primeiro-ministro do país, Magomedov Abdulayev. Com vista ao progresso social, o Daguestão iniciou um programa de desenvolvimento do futebol, que inclui “a construção de cem novos estádios e a criação de internatos e escolas de futebol para crianças".
Grande parte do mérito da iniciativa é do próprio presidente, que convenceu o bilionário Suleiman Kerimov, um dos homens mais ricos da Rússia, e oriundo do Daguestão, a assumir o comando do Anzhi. Kerimov fez do clube uma espécie de "Chelsea do Cáucaso", com contratações de estrelas de renome mundial como o ex-internacional brasileiro, Roberto Carlos, ou a estrela dos Camarões, Samuel Eto, que rapidamente fizeram a população esquecer o clima hostil com que se tem deparado nos últimos tempos.
"O futebol tem um grande potencial educador, que promove ideais como o internacionalismo, a paz, a tolerância e a amizade entre os povos. Por exemplo, no Anzhi, jogam jogadores de diferentes nacionalidades e religiões", comentou Abdulayev.
As autoridades do Cáucaso, território fechado para os turistas, e no qual o culto marcou, à força, a personalidade dos habitantes, esperam que o futebol, e não as armas, vença o jogo contra a violência. "Só é preciso ver a alteração nas notícias locais que a chegada de estrelas do futebol mundial como Roberto Carlos e Eto'o causou”, finalizou o primeiro ministro.
O notável percurso destas duas equipas tem despertado sensações até agora desconhecidas, em povos há muito martirizados pela intolerância religiosa e o nacionalismo radical. As gerações que estão hoje a ser formadas precisam de compreender e tirar partido das vantagens adjacentes a uma convivência pacífica, para compreender a inutilidade de um clima de guerra.

Emanuel Meira Rego

[Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Regional” do 3.º ano do curso de Economia (1.º ciclo) da EEG/UMinho]

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