A qualidade e diversificação dos serviços de saúde de um país constitui um excelente indicador dos índices de desenvolvimento humano. No entanto, esta relação positiva, não é de todo linear. Os recursos de um país são escassos, na medida em que não conseguem satisfazer todas as necessidades, e como tal, um acréscimo nos níveis de investimento nesta área de interesse só se irá traduzir numa melhoria dos cuidados de saúde caso seja eficientemente aproveitado, reduzindo a dispersão do capital aplicado.
Portugal é um dos países mais centralizados da EU. Como tal, para melhor percebermos o peso da Saúde nas despesas, basta consultarmos o Relatório do Orçamento de Estado de 2011, uma vez que não existe grande independência neste aspecto da parte de outras entidades. Aqui, constatamos que Portugal gasta cerca de 15% do seu orçamento com a Saúde, índice que apenas é superado por despesas com Segurança e Acções Sociais. Relativamente às congéneres europeias, concluímos que se tratam de níveis bastante elevados, mesmo a par de países muito mais desenvolvidos nesta área (como é o caso dos países nórdicos). Gestão mais eficaz, portanto.
O Sistema Nacional de Saúde (SNS) é dirigido pelo Ministério da Saúde e oferece uma cobertura universal, ainda que possa coexistir com outro tipo de seguros privados. Desta forma, toda a população está abrangida por uma rede de cuidados médicos, sistema diferente do existente nos EUA previamente à chegada da direcção Obama. Como tal, o Estado compromete-se a fornecer a toda a população os cuidados básicos de saúde, independentemente da sua localização geográfica.
No entanto, embora Portugal não seja um país vasto, apresenta algumas características singulares. Historicamente potenciado pela sua localização geográfica, sempre tentou usufruir ao máximo da sua extensa linha de costa, assim como de uma das maiores zonas económicas exclusivas a nível mundial. Desta forma, potencializando as condições naturais, os portos foram ganhando um papel decisivo no desenvolvimento da actividade económica. Naturalmente, os grandes focos de actividade no litoral tornaram-se responsáveis pelo aparecimento de grandes cidades e despoletaram movimentos por parte da população, em busca de melhores remunerações do factor trabalho. Isto deu origem a um vincado fenómeno de litoralização no nosso país, em que mais de 80% da população tem como residência uma cidade relativamente próxima do litoral. O êxodo rural também deu (em virtude de uma vastidão de factores, naturais, etc.) origem a um outro fenómeno característico da dispersão populacional em Portugal: a bipolarização que se observa em torno de das cidades do Porto e de Lisboa, assim como entre elas. Isto é, não podemos reconhecer um padrão igualmente distribuído da população pelo território nacional. Que tipo de consequências é que isto acarreterá para uma eficaz distribuição dos serviços de saúde?
De acordo com os princípios de equidade, e tendo em conta que o SNS é predominantemente financiado através de uma tributação geral, os serviços deveriam ser prestados da mesma forma em qualquer unidade do território. No entanto, até que ponto é que isto faz sentido? Atentemos no caso de uma grande metrópole, como é o caso da capital. O investimento feito por parte do Estado em unidades hospitalares ou serviços mais especializados tem de facto um carácter de utilidade pública, pois ainda que não preste cuidados à maior parte dos contribuintes, serve uma grande parte da população, justificando os custos com este estatuto de utilidade pública. Financeiramente, isto é espelhado na maior captação de receitas (taxas moderadoras, cirurgias mais complexas) na sequência de um maior número de utilizadores. Por si só, estas ajudam ao melhor funcionamento dos cuidados de saúde, minimizando as perdas (o SNS actual é um sistema deficitário pois os custos são previsivelmente maiores do que as receitas).
Seguindo a mesma linha de pensamento, a instalação de unidades hospitalares em zonas com diminutos índices demográficos, e os seus elevados custos fixos, não farão sentido. Mas, e o indivíduo que resida numa área com baixa densidade populacional, não terá direito exactamente aos mesmos cuidados do que aquele que viva no metrópole? Afinal de contas são ambos cidadãos cumpridores da lei. Aqui é que entra o importante papel do Estado, enquanto mediador dos custos de oportunidade.
O Estado tem que garantir os cuidados de saúde aos seus cidadãos. É inconcebível que uma cidadã cumpridora dos deveres, tenha que dar à luz numa ambulância, uma vez que não existem unidades hospitalares por perto da sua residência. No entanto, não passará pela cabeça de ninguém construir um hospital em Mértola, para umas centenas de pessoas. Foi criado então um modelo, obviamente afectado pela conjuntura económica, em que se garante todos os serviços em cidades populosas, a criação de centros de saúde em maior número (que facultam desde simples consultas até pequenas cirurgias) e por fim os postos médicos que garantem aos utentes um acompanhamento por parte do médico de família. Ultimamente tem-se também assistido a um esforço de descentralização dos serviços de saúde, que passaria pela implementação de um modelo de gestão financeira a nível regional. No entanto, as conclusões empíricas traduzem-se numa autonomia limitada apenas aos cuidados primários, tornando as unidades dependentes daquelas que oferecem serviços complementares.
Este modelo foi alvo de muitas críticas no passado, principalmente pela redução do número de Urgências no interior do país. Pessoalmente, e ainda que não viva numa dessas regiões, não posso deixar de concluir que foi uma medida em nome da sustentabilidade do sistema, e como tal, a mais acertada. É também verdade que a redução de serviços de cuidados primários não contribui para o bem-estar da população a nível imediato, mas um mandato executivo bem feito deve ser sempre um trabalho inglório.
Miguel Gomes
[Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Regional” do 3.º ano do curso de Economia (1.ºciclo) da EEG/UMinho]
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