quarta-feira, março 14, 2018

“Braga Romana”: um rigor histórico dissimulado

Braga, a cidade bimilenar fundada pelos romanos em 16 a.c., batizada pelo Imperador César Augusto como Bracara Augusta é uma cidade que, desde então, possuiu uma permanência habitacional interrupta até à atualidade, justificando assim o mote - Nasceu “Augusta” para a eternidade! - que, por sua vez, sustenta o grande evento da “Braga Romana”.
O evento anual pretende recriar a antiguidade romana, sobretudo o quotidiano dos intitulados Bracaraugustanos. Um acontecimento cultural que exacerba este passado fundacional da robustez, magnificência e, de certo modo, daquilo que o senso comum fantasia e constrói em torno do universo romano.
A “Braga Romana” tem tudo a seu favor. O mês é Maio, o calor faz-se sentir, todo o período de pesar envolto na “Semana Santa” findou, as ruas revestem-se de cores, cheiros, e personagens com encanto histórico que se fazem passear. Toda este frenesim leva a uma movimentação económica anormal e entusiástica, motivado: pelas feiras, que buscam o exótico e exotérico; pelos espetáculos de rua, com pequenas encenações de grupos de teatro; e pelos curiosos turistas que afluem à cidade.
O evento é de meritória referência, contudo em alguns aspetos, um tanto decisivos, tem mostrado um certo descuido no seu rigor histórico.
Aquele que considero o ponto mais negativo, em torno desta questão do rigor histórico, é a deslocalização do que deveria ser o epicentro da “Braga Romana”. O fórum romano localizava-se no que agora é o Alto da Cividade. O local é pouco dinamizado durante o evento, apesar de ser lá que se encontram os aspetos físicos restantes da herança romana –  Teatro, Termas - e já que a cidade em si carece de património edificado que sustente o cenário romano, era necessária uma aposta mais patenteada neste local. Contudo, percebo que a dinamização deste ponto da cidade seja complexa: não é uma zona de comércio afluente, o espaço pedonal é diminuto, entre outros aspetos logísticos. Em todo o caso, apostaria numa dinamização que não passasse apenas pelo comercial e pelo entretém, mas sim pelo educacional, com a colocação de uma pequena maquete que recriasse o lugar à época, de modo a alimentar o imaginário de quem por lá passe, e que, face à completa descaracterização, se vê impossibilitado de criar uma ponte entre o tempo e o espaço. Sendo que um dos objetivos máximos deste tipo de eventos é o transporte para épocas passadas, uma das melhores formas para o fazer será através da educação e fornecimento de novos conhecimentos e conceitos.
Para concluir esta questão da deslocalização, faço também um pequeno apontamento em torno do acampamento militar romano. Percebo o propósito pedagógico digno, envolto nesta simulação, contudo fazê-lo em pleno Largo do Paço, onde prima uma arquitetura datada do século XV a XVIII d.c., parece-me muito pouco adequado exatamente por não permitir uma correta e límpida recriação da imagem espacial do cenário à época.
O segundo e último grande aspeto que deverá ser alvo de crítica é o cortejo noturno. Em primeira instância, este cortejo tende a perder qualidade devido à excessiva participação por parte dos cidadãos e instituições, o que leva a uma perda de controlo face ao rigor e torna o cortejo enfadonhamente grande, repetindo-se as roupas e as encenações.
Denote-se que não existe uma equipa que supervisione as vestimentas e instrua a devida encenação e conduta comportamental que cada participante deverá ter. Contudo, tal já se verifica em outros grandes eventos da cidade, também detentores de cortejos ou procissões. Posto isto, facilmente observa-se, na “Braga Romana”: sapatilhas; condutas e posturas inadequadas à ocasião e época; padrões, cores e tipos de tecidos impossíveis de obter nesse período em questão; assim como a já habitual confusão entre modelos de roupa grega e romana.
A melhor forma de colmatar esta descomedida confusão seria, em primeiro lugar, através do controlo do fluxo de intervenientes, em seguinte, a atribuição de temáticas a cada grupo, de modo a evitar a repetição das mesmas, e, por fim, a contratação de equipas destacadas para a correta caracterização das personagens. Para as instituições/escolas que pretendessem fazer as suas próprias vestes, com propósito educativo, esta seria uma excelente desculpa para a oferta de workshops e pequenos momentos de formação. Workshops esses que demonstrassem os vários processos de fabrico dos tecidos e tintos, até aos vários modelos de roupa, varáveis consoante o género e a posição social.
A “Braga Romana” já constitui um dos eventos com maior taxa de sucesso e receita económica da cidade, contudo, se forem tidas em conta as devidas questões de rigor histórico, terá tudo para manter o lugar que já detém, mas com maior dignidade e respeito pelo passado.

Andreia Margarida Fernandes Pacheco de Azevedo

Bibliografia[1]
Adkins, Lesley, e Roy A. Adkins. Handbook to life in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press, 1998.
Jurado, Francisco García. «Da toga às calças. O vestuário em Roma», National Geographic, 24 de Março, 2017, Edição Especial – A Vida Quotidiana na Antiguidade, 120 -127.
Martins, Maria Manuela. «Urbanismo e Arquitectura em Bracara Augusta. Balanço dos contributos da Arqueologia Urbana». Simulacra Romae, s.d..
Pendergast, Sara, e Tom Pendergast. Fashion, Costume, and Culture: Clothing, Headwear, Body Decorations, and Footwear through the Ages. Detroit: The Gale Group, 2004.
Stone, Caroline. «How did the Romans make and use textiles?». Civilizations in Contact, s.d.
Outras fontes
Mapa de Braga - Bracara Augusta por Sande Lemos, da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho.



[1] Sob a norma de Chicago.

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, no curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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