domingo, março 18, 2018

Do Contrabando ao Turismo

É do conhecimento geral o que é o contrabando. No entanto, cai-se por vezes no erro de assumir que é uma atividade dos tempos modernos muito associada às drogas, por exemplo. No entanto, o contrabando pratica-se há vários séculos, sendo que em Portugal terá tido início por volta do séc. XIII.
Pretende-se com este artigo explicar (de uma forma resumida) o que é o contrabando e de que forma era praticado, assim como passou a produto turístico, nomeadamente na zona de Portalegre, onde durante décadas foi contrabandeado café.
O contrabando constitui a entrada clandestina de produtos num território demarcado por uma fronteira político-administrativa (Rovisco, Fonseca & Freire, 2009, cit in. Silva, 2009, p. 6). Surgiu em Portugal aquando da definição da fronteira entre Portugal e Espanha, por volta do séc. XIII. Durante séculos foram contrabandeados um sem número de produtos e de pessoas (escravos que atravessavam a fronteira vindos de África), de acordo com as necessidades de cada época específica. Era, maioritariamente, praticado por gentes da terra que viam na atividade forma de providenciar o sustento que não conseguiam apenas através da sua profissão.
Numa fase inicial, quase todos tinham um trabalho convencional e dedicavam-se ao transporte ilícito de mercadorias esporadicamente, com mais ou menos frequência. Frequência essa que dependia sempre da resistência física e da vontade de correr riscos, não esquecendo que sempre se tratou de uma atividade bastante arriscada, não só por se tratar de uma travessia ilegal e, por si só, perigosa, como também por ser extremamente desgastante física e emocionalmente.
Os contrabandistas, ainda que na sua maioria jovens, percorriam quilómetros com carregamentos às costas, percursos feitos durante a noite para assim tentar evitar que fossem intercetados pelas autoridades. Faziam-no aliciados pelo facto de poderem, em determinadas ocasiões, ganhar apenas numa noite quantias que demorariam cerca de dois meses a arrecadar nas suas profissões.
Avançando para o início do séc. XX, durante e após a guerra civil em Espanha (1936-1939) o contrabando ganha outra expressão, nomeadamente na região de Campo Maior, concelho de Portalegre. Começa a ser catalisador de movimentações nas camadas sociais da altura. Deixa de ser uma atividade praticada pela necessidade e para a sobrevivência para passar a ser uma forma de ascender na sociedade.
Coexistiam nesta altura dois tipos de contrabando: o formal e o informal. Se numa altura anterior esta prática era feita de forma mais solitária ou familiar, passa também a existir uma forma organizada (Rovisco, Fonseca & Freire, 2009, cit in. Silva, 2009, p. 6).
A partir dos anos 70 há uma mudança no que diz respeito à forma como o contrabando é realizado, e as indústrias do café passam a tomar conta da atividade, o que faz com que deixem de existir contrabandistas “amadores” e muitas das pessoas que anteriormente se dedicavam a esta atividade saem de Portugal.
O contrabando fez parte do dia-a-dia de muitas pessoas durante décadas, e, ainda que se tenha extinguido em Portugal (pelo menos este tipo de contrabando), são muitas as memórias e as marcas deixadas, tanto na população como nas próprias zonas do país onde era praticado. No entanto, pouco mais existia do que as memórias de quem o viveu e os relatos de situações vividas há décadas.
Mundialmente falando, existem alguns museus dedicados ao contrabando, sendo que na sua maioria estão concentrados no Reino Unido. Em Portugal existe uma exposição permanente “Espaço Memória e Fronteira” em Melgaço, museu criado em parceria entre a Câmara Municipal de Melgaço e o Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Minho.
Por outro lado, tem sido explorado outro aspeto do contrabando que foi sendo tornado turístico: as rotas dos contrabandistas. Algumas destas rotas, percorridas durante décadas durante as noites para levar mercadoria contrabandeada de Portugal para Espanha, podem hoje em dia ser visitadas por populares. Um dos exemplos é o município de Marvão, em Portalegre, que realizou em Abril de 2016 uma caminhada em homenagem aos antigos contrabandistas raianos. A rota, de 9 quilómetros, passa por várias aldeias ligadas à atividade.
A turistificação destas rotas permite, para além do valor turístico e económico que traz à região, uma eternização da memória que as gentes têm do contrabando. A memória do heroísmo do contrabandista que arriscava a vida para que conseguisse melhores condições de vida.
O contrabando foi preponderante em determinadas localidades no que diz respeito ao desenvolvimento das mesmas. As más condições económicas aliadas à ambição de melhores condições de vida proporcionaram um terreno fértil para o crescimento desta atividade. Em Campo Maior, por exemplo, as torrefações que empregam grande parte da população são uma consequência direta do contrabando na região.
Décadas depois do fim do contrabando aposta-se agora na turistificação do mesmo, através de exposições exemplificativas do que acontecia na altura e da abertura das rotas dos contrabandistas ao público, que as pode percorrer, e assim se consegue manter viva a memória do contrabando.

Sara Carvalho

Referências

 Freire, D., Rovisco, E., & Fonseca, I. (2009). Contrabando na fronteira luso-espanhola: práticas, memórias e patrimónios (Vol. 1). Edição: Edições Nelson De Matos.
Zarinato H.S., & Ribeiro C.W. (2006). Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável. Revista Brasileira de História, 26(51).

Webgrafia
http://www.viaalgarviana.org/wp-content/uploads/2015/07/Rota-do-Contrabandista-PT.pdf

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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