domingo, março 18, 2018

Segunda Guerra Mundial, 25 mil militares brasileiros, 105 monumentos e a manipulação da memória

“Quem são esses velhinhos?”, pergunta um adolescente ao Sr. Sírio Sebastião Fröhlich, autor do livro “Longa Jornada – Com a FEB na Itália”, durante um desfile cívico militar em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Brasil. A pergunta refere-se aos veteranos brasileiros que participaram da Segunda Guerra Mundial.
Apesar da existência de cerca de 105 monumentos espalhados pelo país, entre obeliscos, arcos do triunfo e o imponente monumento aos mortos da Segunda Guerra Mundial, que homenageiam os heróis nacionais, cerca de 95% da população brasileira desconhece a história da participação do Brasil na Guerra. O cemitério de Pistóia, na Itália, que abrigou os restos mortais dos militares abatidos até à década de 60 não faz parte sequer do imaginário brasileiro. Mas quais fatores levariam ao esquecimento de um evento histórico tão significativo e que mudou o rumo do país?  Um deles nos faz lembrar a obra “1984”, de George Orwell.
Durante a guerra, o Brasil vivia o “Estado Novo” implantado por Getúlio Vargas, e como qualquer regime ditatorial utilizava a censura como norte para beneficiar-se. Um órgão denominado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) criou a imagem de Getúlio Vargas como pilar do regime e manipulou a opinião pública a seu favor, criando uma versão própria do momento histórico que o país vivia.
A neutralidade que Vargas soube gerir entre países aliados e do eixo favoreceu a economia interna do país. A importação e exportação de produtos de ambos os lados foi uma constante até a entrada efetiva do Brasil na Segunda Guerra. O Brasil hora flirtava com os interesses alemães, com a empresa Krupp, hora com os Estados Unidos, com a United Steel, por exemplo. Vargas, tirava partido da rivalidade entre Aliados e Eixo e, por fim, negociava com quem lhe oferecesse melhores condições.
 Em agosto de 1942, cinco navios mercantes brasileiros foram abatidos por submarinos alemães. Em 1944, Vargas posicionava-se e enviava o exército para Itália para lutar ao lado da Força Aliada contra a dominação Nazi fascista no território. Formava-se a Força Expedicionária Brasileira – a FEB – com seus “pracinhas”, como eram apelidados os 25.000 militares brasileiros que combateram em território italiano.
A missão principal designada para os brasileiros foi o apoio no rompimento da “Linha Gótica”, a última defesa nazi presente na Itália, a ser vencida juntamente com o V Exército Norte Americano. Traçando um balanço da participação do Brasil na guerra, foram capturados cerca de quase 15 mil prisioneiros durante sua atuação e foram obtidas 20 vitórias.
O final da Segunda Guerra traz para o Estado Novo uma forte instabilidade, dado que marcava a luta pela democracia em contradição ao seu regime totalitarista e ditatorial. Rapidamente, prevendo uma ameaça, o Governo desmobiliza a FEB e elimina seus vestígios.
Quando um órgão tem o controle da memória de uma sociedade, a propriedade da informação, o armazenamento e a própria legitimação dos fatos deixam de ser uma questão meramente técnica para tornarem-se um problema político decisivo. Quem tem o controle da memória social, está um nível acima em uma hierarquia de poder.
Nota-se o poder de manipulação do Estado Novo quando analisamos a construção e a desconstrução da imagem da FEB durante o regime. Claramente, vemos o aparelho do Estado manipulando a memória do cidadão e essa é uma das características principais de todo regime totalitarista. Connerton (1999, p. 17) nos diz que “a escravização mental dos súbditos de um regime totalitário inicia-se quando as suas recordações lhe são retiradas”, e completa: “o que horroriza nos regimes totalitários é não só a violação da dignidade humana, mas também o medo de que não fique ninguém que possa, algum dia, testemunhar correctamente sobre o passado”.
Sendo assim, podemos concluir que a existência por si só do patrimônio material, como os 105 monumentos descritos anteriormente, não é suficiente para neutralizar uma ação como esta que, de certa forma, perdurou até a atualidade. O silenciamento proposto por um regime totalitarista só pode ser combatido por meio da escrita da história da oposição, uso da história oral dos grupos subordinados e suas narrativas individuais, como a publicação de seus diários. Faz-se necessária uma interdisciplinaridade, devendo ser envolvidas a tradição oral, memórias - literárias, audiovisuais, fotográficas e jornalísticas -  envolvimento do tema no currículo escolar, rituais e comemorações promovidos por suas entidades, para que o patrimônio ocupe efetivamente seu lugar de memória social e significação.

Joice Sashalmi Costa Ramos

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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