sábado, abril 14, 2018

Considerações sobre o turismo religioso em Fátima e a religiosidade no país

O mundo atual encolheu e encolhe-se. Encolheram distâncias graças a meios de transporte e meios de comunicação. A geografia e a distância não são mais barreira. Tudo se aproximou e aproxima, todos os dias. Salvo zonas específicas historicamente conflituosas (ou diferendos regionais), na Europa e (de forma geral!) no resto do mundo, há a consciência implícita (e na minha geração está já, atrevo-me, bastante enraizada) da ideia básica de convergência dos povos, aceitação das diferenças e um genuíno e curioso respeito e interesse pelo “outro” – as outras tradições, crenças e História. Aliás, esta nossa curiosidade inata para descobrir levou o turismo a evoluir para o turismo no Espaço (“In 12 or 15 years there will be routine, affordable space tourism not just in the U.S. but in a lot of countries.” – Burt Rutan, engenheiro aeroespacial).
O turismo é uma indústria que é o culminar do acima e se democratiza com esta globalização e abertura na consciência coletiva, cimentando-se como prática recorrente e natural nos países desenvolvidos.
Natural é, também, a religião e religiosidade dos povos – desde os primórdios da Humanidade.
Nesse sentido, permito-me divagar e refletir, especificamente, sobre o Turismo Religioso – mais especificamente, Fátima - números e tendências.
A propósito disto, lembro-me de a minha avó se deslocar a Fátima pelo menos duas vezes por ano, no 13 de Maio e 13 de Outubro. Fazia-o religiosamente, passe a redundância. Saberia ela que estaria a fazer turismo?
É pertinente explanar que por turismo religioso se entende o conjunto de deslocações empreendidas por motivos religiosos ou para tomar parte em eventos de significado religioso: o que move o turista religioso é a fé. Este turismo tem, muitas vezes, picos de deslocações que se relacionam com o calendário religioso do local, estando a ele associadas as peregrinações, festas ou romarias.
Em Portugal, o turismo religioso é paradigmático. Números de 2017 indicam que este turismo compreende 10% a 14% do total do turismo nacional e Fátima desempenha um papel significativo, segundo a Universidade Católica de Braga. Em 2016, Fátima batia o record de dormidas e receitas e o seu Santuário tinha já recebido mais de 5 milhões de visitantes nesse ano.
Fátima tem, efetivamente, contribuído para o fator internacionalização do país e assiste-se, de forma consistente, a tendências de crescimento. Por exemplo, durante os anos da crise (2009-2014), o impacto da crise não se fez sentir em Ourém e, nesse sentido, Fátima viu o número de dormidas aumentar em 30% nesses cinco anos. O INE avança com o crescimento de 505.011 dormidas para 647.091 (média diária de cerca de 1400 dormidas).
Estes números em anos de crise levam-me a crer que o turismo religioso é realmente um fenómeno diferente de outros tipos de turismo no sentido em que é, pessoalmente, menos prescindível e é até um importante, necessário e indispensável acontecimento de conforto pessoal. Este plano espiritual – menos, diria, “ocioso” que outros tipos de turismo, tornam-no menos maleável a crises económicas. Para muitos turistas religiosos é até um evento transcendental e de uma vida. Para outros, como foi para a minha avó, é uma necessidade repetida ano após ano – independentemente das condições socioeconómicas ou conjuntura.
Sobre isso, Alexandre Marto (dono dos empreendimentos Fatima Hotels – dez hotéis, mil camas) avança que “São cada vez mais os estratos sociais elevados, gente formada, académicos, banqueiros, que se deslocam a Fátima (…), a maior parte dos turistas não é católica, alguns crentes até estão desalinhados do discurso oficial da Igreja, mas todos procuram satisfazer aqui uma forte necessidade espiritual.”. Alexandre, também Vice-Presidente da Associação Empresarial de Ourém-Fátima, adianta que "Quem faz viagens de horas e horas para ir ver o Papa, não vai vê-lo para depois ir embora. Vai ficar mais dias.”.
O Presidente do Turismo do Centro – Pedro Machado - acrescenta que "As reservas estão muito para além daquilo que é o perímetro da hotelaria de Fátima e de Leiria”, estimando que os eventos de 2017 iriam já ajudar toda a região Centro a fechar o ano com mais de 250 milhões de euros em receitas de turismo.
Apenas em Fátima, dizia já Alexandre Marto Pereira, as receitas turísticas deveriam disparar 20% este ano, podendo tocar os 30 milhões de euros.
Pedro Machado, nesse sentido, confessava que estava a ser posta em prática uma estratégia de “tornar Fátima o altar do mundo”. Posto isto, o Governo, reconhecendo que Fátima “constitui uma forte componente económica e promocional de Portugal”, enquanto destino de turismo religioso, atribuía ao concelho de Ourém uma espécie de “licença para gastar”.
2017, ano especialíssimo: o Centenário das Aparições. A comemoração veria o seu auge nos dias 12 e 13 de Maio, contando com a visita do tão-querido Papa Francisco. Ano com um cartaz que, por si, prometia superar quaisquer expetativas. Ora, o Santuário avançou com números impressionantes: 9,4 milhões de peregrinos. Informou, ainda, que “no ano de 2017, por comparação com o ano anterior, quase que triplicaram as peregrinações estrangeiras (7.110 peregrinações em 2017 e 2711 em 2016), tendo mais do que triplicado o número de peregrinos estrangeiros (374.586 em 2017 e 124.504 em 2016). Também a origem destes grupos foi muito mais diversificada em 2017, confirmando não só a universalidade da Mensagem de Fátima mas também a internacionalização do Santuário como espaço de oração, adoração e conversão”.
Os portugueses são os fiéis em maioria (embora, segundo alguns comerciantes, “os que menos gastam”) e, pessoalmente, quero também referir aqui os nossos inúmeros emigrantes que viajam propositadamente a Fátima ao longo do ano, seja nas datas especiais ou não. As peregrinações portuguesas organizadas em 2017 ultrapassaram o meio milhão de pessoas e, portanto, o número será muito maior tendo em conta as pessoas e famílias que visitam o Santuário espontaneamente sem ser ao abrigo de dioceses.
Retomo o fator internacionalização de Fátima para o materializar em números. Os peregrinos chegam de mais 140 países. Os Europeus lideram e dados últimos confirmam: sem surpresa - espanhóis - mais de 69.000; seguidamente, italianos foram quase 55.000; e, depois, os polacos ultrapassaram os 50.000. – país também marcadamente católico e, acredito, influenciado pela devoção e crença mariana cultivada pelo Papa João Paulo II. Fora da Europa, outros números impressionam e destaco os quase 20 mil peregrinos vindos dos E.U.A e os mais de 11 mil do Brasil, quase 5000 sul-coreanos e 3400 chineses. O Santuário sublinha que “só da Ásia, de países maioritariamente hindus e muçulmanos, peregrinaram ao Santuário de forma organizada 31.561 peregrinos, confirmando a tendência de crescimento já manifestada em anos anteriores. De ressalvar aqui a presença de inúmeros peregrinos da China continental, República da Coreia, Filipinas e Vietname”. Extremamente elucidativo da força do milagre Fátima como força impulsionadora de povos além-fronteiras, que viagem com esse propósito.
Chamo a atenção para o facto de os números contemplarem apenas as peregrinações organizadas e não as viagens de carácter isolado e espontâneo.
É interessante que, apesar do peso simbólico e prático do fenómeno Fátima na vida dos portugueses, haja poucos dados sobre o sector do turismo religioso, como um todo, em Portugal. Obviamente que Fátima concentra as atenções e é o produto-estrela do turismo religioso português, mas devem lembrar-se o Santuário do Bom Jesus do Monte (Braga) e da Nossa Senhora do Sameiro (Braga) ou, ainda, São Bento da Porta Aberta (Gerês). Refiro, também, o Caminho de Santiago português, que é o mais percorrido logo a seguir ao francês. Importante é salientar, ainda, o facto de cerca de 75% do património visitável, material e imaterial, em Portugal, ser religioso – igrejas, mosteiros ou arte sacra - revelando muito de nós enquanto país e povo.
Ora, repito que o nosso património é revelador dos portugueses e, mesmo não vivendo num Estado Confessional, o catolicismo está no nascimento da portugalidade e nacionalidade: Marcelo Rebelo de Sousa dizia em 2017 que “não há Portugal sem cristianismo (…) não apenas porque o era o nosso fundador (…) mas também porque surge no âmbito da cruzada contra o Islão”, não se podendo ignorar “a matriz cristã que carateriza a história e cultura portuguesas”. Essa é uma das razões pelas quais somos, de forma geral, crentes na mensagem de Fátima e os peregrinos em maior número nas datas assinaláveis (sei bem que o facto de Fátima ser “em casa” também ajuda).
Portugal acolhe e atrai, portanto, cada vez mais turistas religiosos (estrangeiros e portugueses) mas, interrogo-me (a título de curiosidade), se os números crescentes espelharão a tendência da profissão de fé dos portugueses – sabendo eu que este fenómeno não é, assim desta forma, tão redutível ou simplificável.
É interessante constatar a informação avançada pela agência Ecclesia: entre 2000 e 2008, registaram-me menos sacerdotes (número baixou de 3.159 para 2.524) e menos padres (1.078 para 907). O Vaticano já se pronunciou que a crescente falta de padres é alarmante em Portugal. A pergunta se a Igreja estará ou não a conseguir cativar os jovens é outra questão que seria, certamente, um tema per si, e complexo.
De acordo com o último censo populacional, 80% dos cidadãos declararam-se católicos mas será a população, principalmente urbana, maioritariamente praticante e crente na verdadeira aceção?
Num inquérito levado a cabo pelo Instituto Português de Administração e Marketing, 87.5% dos inquiridos admite que, embora católicos, a escolha foi determinada pela tradição familiar. Outra achega é o facto de, a nível político, não votarmos espelhando a maioria católica – atualmente, os partidos com maioria parlamentar são não-cristãos, alguns até anti. E o facto de temas fraturantes estarem em agenda (desde a eutanásia, à legalização do aborto ou co-adopção por casais do mesmo sexo) poderá só ser um sinal dos tempos. Politicamente, poderá apenas querer dizer que os portugueses fazem realmente a separação Estado/Igreja, e levamos a sério a laicidade. Nada que abale a nossa fé (ou não).
Bom, sem me querer dispersar, é apenas interessante relacionar (ainda que vagamente!) a nossa tradição e defesa do património católico com as tendências positivas ou negativas da profissão de fé dos portugueses e, como isso poderá impactar (ou não!) o turismo religioso. A ser verdade, não deixa de ser curiosamente contraditório e um fenómeno interessante que poderá influenciar as caraterísticas do turismo.
Devo ainda realçar o impacto do turismo religioso no mundo inteiro, movimentando entre 300 a 330 milhões de pessoas, envolvendo receitas em torno de 18 mil milhões de euros. O Santuário de Lourdes (França) é um destino religioso importantíssimo; Santiago de Compostela idem aspas, e Czestochowa (Polónia). A mobilização de pessoas na peregrinação a Meca é impressionante (mais de dois milhões de pessoas) ou a Peregrinação a Kumbha Mela – hinduísta - (que se realiza por dois meses de 12 em 12 anos, reunindo em 2001 75 milhões de pessoas).
Este tipo de turismo contribui, sem dúvida, para a conservação e valorização do património e das práticas e crenças que ajudam, também, na preservação da memória coletiva - de um povo ou de uma religião. Ajuda no crescimento económico devido ao efeito multiplicador do turismo (desde o setor hoteleiro, aos transportes e comércio ou à restauração).
Negativamente, e isto é transversal a todos os tipos de turismo, poderá haver um aproveitamento comercial (exemplo: nos preços absurdamente inflacionados aquando da última visita papal!) ou massificação e a perda de identidade do local.
Certo é que Fátima é já a maior atração turística do centro do país, e o turismo religioso é, realmente, uma aposta ganha e com margem de evolução e crescimento – podendo capitalizar da anunciada evolução nos meios de comunicação e de transporte, da progressiva competitividade de preços de voos e viagens, da facilidade de difusão de mensagem nas redes-sociais, do imediatismo da partilha de experiências (neste caso, por parte dos peregrinos).
Prevejo, facilmente, que assistiremos a quebras de recordes em termos de peregrinações ao Santuário nos anos vindouros e que o turismo religioso em Portugal continue a ser um fiel espelho de nós – enquanto povo.

Mariana Barbosa

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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