sábado, abril 07, 2012

Será o desenvolvimento económico um factor de mau planeamento no litoral português?

Nas últimas duas décadas as transformações económicas, produtivas, tecnologias e institucionais alteraram os equilíbrios territoriais, modificando as posições competitivas dos diferentes espaços regionais e urbanos” (Carbalho-Cruz, 2011, Casos de Desenvolvimento Regional)
            Está enraizado na sociedade portuguesa o gosto e o respeito pelo mar, um recurso natural com uma importância inqualificável num país com cerca de 1230km de costa.
Em tempos o mar era o principal responsável pelo sector primário em Portugal, uma fonte de alimentos e de rendimentos, quer para os pescadores quer para os agricultores, que aproveitavam alguns dos seus recursos para adubar os campos. Era visto como algo que lhes dava ‘pequenas riquezas’ e emprego. Há no entanto uma alteração evidente na maneira como a sociedade passa a ver o mar e como o utiliza. Este deixa de ser um factor de produção para passar a ser um produto de consumo.
A partir dos anos 50 do século XX, gozar de um período de férias/lazer na praia passa a ser habitual. Os banhos no mar deixam de ser exclusivamente para fins terapêuticos, tornam-se mais vulgares e abrangem todas as classes sociais, expandindo-se desta forma a designação turismo de “sol e praia”. Além disso, o desenvolvimento dos transportes individuais veio ajudar na expansão deste género de turismo, numa determinada estação do ano, deslocam-se todo o tipo de consumidores para as zonas costeiras em Portugal, e em consequência disso surgem variadas infra-estruturas que pretendem responder às necessidades destes consumidores. No contexto desta grande procura pelas cidades costeiras, começam a surgir as casas secundárias, as designadas “casas de praia”, assim como uma série de desportos ligados ao mar.
Todas estas alterações, talvez demasiado rápidas, são fundamentadas pela procura incontrolável do litoral. O processo de urbanização que se seguiu em Portugal é causado pela saída das pessoas do espaço rural para o espaço urbano. É essa imensa procura que está na origem da formação de cidades, ligada ao processo de industrialização que aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial. Há factores como o desenvolvimento dos transportes, a diversificada mão-de-obra, o capital e os variados serviços de apoio, que fazem com que a indústria se instale nas zonas mais urbanas, especificamente no litoral português: “(…) a pressão da urbanização altera profundamente as paisagens, o uso do solo e as actividades da população, bem como os tipos de alojamento e de povoamento(…) (Barata Salgueiro, A cidade em Portugal, uma geografia urbana).
O crescimento demográfico e económico das cidades, afectou especialmente Lisboa e Porto. Com um papel fulcral na economia nacional, contribuíram para o processo da litoralização,:“Litoralização é o processo de progressiva concentração de actividades e de pessoas ao longo da faixa litorial, sem que o interior acompanhe esse ritmo ou mesmo com o recuo da importância deste em termos absolutos (…)” (Gaspar, Portugal os próximo 20 anos, I Vol.). Todo o tipo de actividades económicas geradores de emprego concentram-se no litoral, aumentando a desigualdade territorial, visível nos dias de hoje entre o interior e litoral português.
A expansão ultramarina e a importância que desde sempre o mar teve para Portugal, são uma das causas para a forte litoralização do território, ainda que actualmente haja medidas que queiram contrariar esse fenómeno. A forte saturação foi acontecendo em cadeia. Com a população a viver no litoral, foi sendo necessário criar infra-estruturas . Sem um planeamento ordenado, sem cuidado com os recursos naturais, o factor económico prevalece como sendo o mais importante.
A criação de alguns planos por parte do governo, com medidas que devem controlar os casos de mau planeamento, são perfeitamente contornáveis. No fundo, não há uma entidade moderadora e verdadeiramente arbitral que se responsabilize pelo que acontece com o litoral português. As consequências das atitudes humanas podem ter impactos ambientais, mas também podem pôr em risco o próprio homem.
O crescimento/interesse económico é o principal “culpado” da transformação no litoral português. A forte concentração da população, a perda dos solos agrícolas e dos habitats costeiros, a poluição, a erosão costeira e a assustadora degradação ambiental, são “apenas” alguns impactes de forte intensidade causados pelos argumentos económicos dos governos.
O turismo é também um dos factores, senão o principal factor, promotor da competitividade territorial, que potencializa estas transformações, “A globalização fez da competitividade territorial um instrumento de enorme significado na afirmação de países na cena internacional. Num contexto de economia aberta, dinâmico, é preciso ser-se capaz de tirar partido de vantagens competitivas existentes ou a construir, o que, em muitos casos, passa pelo melhor aproveitamento dos recursos e capacidades dos territórios.” (Pinto Bastos, Cadima Ribeiro, 2011, Casos de Desenvolvimento Regional).
A forte aposta em casas secundárias junto à costa, é uma das causas da alteração da paisagem no litoral, é “a cereja em cima do bolo” das agências imobiliárias que aliam o conforto de uma casa sofisticada com o sol e praia, juntando a isso, todos os espaços de lazer que vão sendo construídos, desde cafés, espaços nocturnos, entre outros. Os hotéis por exemplo, funcionam como alternativa às casas secundárias. Por norma, o melhor hotel ou mais requisitado será aquele que estará mais próximo da praia. E o facto é que isso na publicidade do hotel ganha vantagem sobre qualquer outro. É uma moda que percorre os 1230km da costa portuguesa. Uns casos mais vergonhosos que outros, mas que denotam a irrelevância que certos recursos naturais têm neste país.
Trata-se por isso de uma questão de marketing territorial, da imagem que se pretende passar, aliando as condições geográficas ao crescimento económico, ainda que em muitos casos se contornem barreiras naturais.

Rita Freitas

(artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular "Economia e Política Regional" do Mestrado em Geografia, do ICS/UMinho)

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