quinta-feira, abril 16, 2020

COVID-19: impactes turísticos e socioeconômicos em Portugal e no Brasil

Vivemos um momento de incertezas e dificuldades. O que vem a ser esta epidemia que nos assola desde o início do ano? O que é a COVID-19 ou, mais popularmente, o chamado coronavírus? Um vírus que só “ganha vida” quando entra em contato conosco. Um verdadeiro predador parasita que se não se alimentar da vida só sobrevive por poucas horas ou poucos dias em algumas superfícies, como plásticos, metais, entre outras.
Acredita-se que o vírus tenha-se manifestado através do morcego, aparentemente porque sua cadeia biológica foi atingida, talvez devido aos desmatamentos exacerbados e o descaso com as questões ambientais, fruto dos interesses de retroalimentação que somente um sistema predatório como o capitalista suscita. Com seus primeiros casos conhecidos na China, em Wuhan, na província de Hubei, se propagou rapidamente por todo o mundo, fazendo com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarasse, em 30 de janeiro de 2020, o estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPI).
Espalhou-se rapidamente por conta das facilidades do tráfego internacional, facilitado por conta das necessidades do sistema económico e do deslocamento de capital proporcionado pelas necessidades de viagens.

 Wuhan: primeiro foco da doença.
Fonte: https://i.insider.com/5e29d1b324306a61fb0cc3e7?width=1100&format=jpeg&auto=webp
Diante da atual situação, arrisco-me a uma polémica indagação: até que ponto o turismo pode contribuir para o aumento dos riscos pandémicos e até que ponto estaríamos preparados para enfrentá-los?
A pandemia provoca repercussões econômicas, tanto de natureza transescalar quanto de natureza intertemporal, gerando assim efeitos de transmissão que ressoam no espaço e no tempo de modo distinto, conforme o grau de sensibilidade e vulnerabilidade macroeconômica dos países e microeconômica das cadeias globais de produção e consumo.
As repercussões assimétricas de natureza transescalar acontecem à medida que todas as regiões do mundo são afetadas humanamente pelo surto. Isso provoca tensões nos mercados financeiros, com queda de ativos, e, em um segundo momento, impactes negativos na produção e no consumo ao longo das semanas, em função do desabastecimento das cadeias de distribuição de produtos vindos da China.
Outro aspeto que devemos considerar e que nos atingiu de uma maneira abrupta são as consequências psicológicas devido às mudanças repentinas de rotinas e privações necessárias, como, por exemplo, o impedimento de ter contatos sociais: trabalho e estudo, por exemplo. Profissionais da saúde, limpeza e os que trabalham diretamente no abastecimento alimentício acabam por assumir riscos em prol das populações, desempenhando papel fundamental, merecendo todo o nosso apoio e reconhecimento.
O governo Português tem-se mostrado comprometido, angariando fundos junto da União Europeia para impedir que as empresas iniciem um ciclo de demissões, o que só agravaria o cenário, além de regulamentar a residência dos estrangeiros que aguardam pelo seu visto junto do SEF, garantindo o direito ao sistema de saúde, caso necessário.
Portugal regulamenta a residência de estrangeiros no país devido ao COVID-19.
https://www.publico.pt/2018/11/03/sociedade/noticia/portugal-precisa-desesperadamente-imigrantes-combater-falta-mao-obra-1849788
Muitos países subestimaram o poder de letalidade do COVID-19, seja por interpretações ortodoxas e anacrónicas ou, por mero descuido, demoraram a aderir à quarentena. Infelizmente, muitos desses atrasos se relacionam com a importância do turismo para essas economias. Esse foi o caso da Itália, que se tornou rapidamente o epicentro do vírus na Europa.
Portugal foi um dos primeiros países a seguir os protocolos internacionais, mesmo com a importância da atividade turística e sua queda se dando a cada dia, corroborando as políticas de isolamento recomendadas. Acreditamos colher benefícios no futuro, pois mesmo com o grande número de casos, somos um dos países com os dados mais otimistas do continente na eficácia de controle da pandemia.
Hoje, os Estados Unidos se tornaram o maior epicentro da pandemia, podendo superar a Itália em número de mortes. Infelizmente, é mais um exemplo de país em que o governo insistiu em negligenciar os dados da OMS, ou seja, o isolamento social como principal medida de controle.
Devido à proximidade entre nossos povos, o Brasil é outro país que merece preocupação. A clara inabilidade do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, assim como problemas estruturais graves, como a nebulosidade dos dados sobre a pandemia devido à defasagem do número de testes, faz-nos acreditar que o número de pessoas infetadas seja superior aos números divulgados. Os governadores dos estados entraram em rota de colisão com o presidente e vêm tentando ao máximo combater a pandemia de acordo com os protocolos da OMS.
Para piorar a situação brasileira, o isolamento social é dificultado porque, desde 2016, houve uma reforma na legislação trabalhista de caráter neoliberal que resultou na precarização do trabalho, aumentando a informalidade e diminuindo benefícios. Isso faz com que muitos trabalhadores se neguem a parar suas atividades, pois não possuem nenhum tipo de segurança social. Hoje, por pressão, o governo brasileiro diz que vai liberar um fundo de ajuda às famílias mais necessitadas. Esperamos que isso se torne realidade em breve.
Com uma taxa estratosférica de mais de 12% da população brasileira desempregada, setores como o turismo são diretamente atingidos. Em Portugal, o turismo também sofreu a queda com o fechamento dos aeroportos e fronteiras, modificando o planejamento das viagens e solapando as agências turísticas de forma inesperada, aumentando a crise económica.
A imprevisibilidade parece ser o conceito mais importante que aprendemos, com duras penas, como nesses últimos dias. Mutações e reações adversas, de indivíduo para indivíduo, remetem-nos para a importante reflexão a respeito das vidas que se foram e das que estão em risco, remetendo-nos para uma frase de Milton Santos (1926-2001), importante geógrafo brasileiro:
“Cabe a nós fazer dessas condições materiais a condição material da produção de uma outra política.”

Karen Cristina Galletto

Referências:
LAI, K. K. R.; WU, J.; HARRIS, R.; McCANN, A.; WATKINS, D.; PATEL, J. K. “Coronavirus Map: Tracking the Spread of the Outbreak”. New York Times [27/02/2020].
Site de Organização Mundial da Saúde -  https://www.who.int/eportuguese/publications/pt/
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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