sexta-feira, abril 10, 2020

Rota turística: vinho e cerveja como possibilidade de inovação e mercado

É quase consenso de que o turismo vivencia uma metamorfose diária. Os turistas esperam cada vez mais alternativas diferenciadas para poder apreciar e novas possibilidades de mercados apareceram exponencialmente nos últimos anos.
Esse crescimento perpassa por uma palavra que, apesar de tornar-se demasiado clichê, é essencial para que o fenômeno aconteça: inovação. A inovação e o turismo caminham de mãos dadas com a tecnologia, e nesse sentido o ato de inovar significa a necessidade de criar caminhos ou estratégias diferentes para atingir determinados objetivos. Inventar, ou reinventar, sejam ideias, processos, ferramentas ou serviços, são fundamentais para os negócios, lembrando que todos os dias o mercado turístico se modifica para enfrentar uma verdadeira “batalha” por resultados, ora adaptando-se, ora reinventando-se, conforme as necessidades aparecem.
Segundo a Organização Mundial do Turismo, a inovação é a chave para criar setores cada vez mais competitivos e sustentáveis, e está diretamente associada a como os indivíduos podem acessar diferentes recursos em seus contextos de viagem. Os consumidores tendem a não buscarem mais países meramente para conhecer suas capitais, ou apenas o que há de famoso ou popular, mas percebem que, de modo geral, existem muitos outros atrativos tão, ou mais interessantes, que os considerados convencionais, despertando curiosidades até então negligenciadas.
As motivações turísticas se modificam com o passar dos anos e criam perceções a respeito de potenciais destinos e atrações, assim como exercem grande influência sobre as propagandas para atrair consumidores, que, nesse sentido, influenciarão uma viagem. Poucas experiencias são memoráveis, intensas, promovem entretenimento, educação, evasão ou estética que surpreendam o turista. Uma viagem diferenciada exige pessoas e condições especiais. Isso não implica apenas no poder económico, mas fundamentalmente em atitudes e posturas sociais, culturais, estéticas e políticas.
A oportunidade de desfrutar dos aspetos sociais do enoturismo, entre outras modalidades ligadas a fatores diferenciados, pode ser uma importante motivação para viajar, ao passo que os aspetos do vinho também se relacionam com a saúde e o bem-estar, e não mais apenas como a busca por sensações de prazer ou hedonismo,  podendo consolidar-se como um fator significativo para o seu consumo.


                       Imagem de propaganda de enoturismo no distrito de Braga, Portugal. Fonte: TripAdvisor.

A viticultura em Portugal e em vários países da Europa, como, por exemplo, Itália, França e Espanha, já possuem um setor dinâmico e consolidado, apesar dos inúmeros concorrentes que cada vez mais conseguem adaptar-se aos negócios.

Fonte: https://www.clubevinhosportugueses.pt/vinhos/o-estado-da-viticultura-mundial-2/

Além do enoturismo, outra forma de entretenimento que  chamou-nos a atenção atualmente é o de exploração da cerveja, principalmente com a intensa profusão de micro cervejarias de produção artesanal, também conhecidas como modelos “craft beer”, que hoje podemos encontrar com facilidade, prova de que é um mercado cada vez mais em ascensão.
Alguns países europeus possuem tradição e apresso pelo consumo habitual da cerveja, como por exemplo Holanda, Alemanha, Inglaterra, Irlanda e Bélgica, mas Portugal parece-nos também atualmente adentrar esse seleto rol.
O vinho e a cerveja são de certa forma companheiros, sendo as duas bebidas fermentadas mais importantes do mundo, uma derivada das uvas e a outra de grãos, respetivamente.  A cor e o sabor do vinho são influenciados pelo tempo de contato com as cascas das uvas e a cerveja ganha muito de sua cor e sabor do malte usado na produção.
As comparações entre os dois setores são possíveis, pois, além de serem duas bebidas milenarmente populares, podemos associá-las a práticas turísticas semelhantes em plena expansão,  como exemplo:  as visitações guiadas às empresas e zonas de produção, museus ligados à enocultura e cervejeiros, entre outros estabelecimentos, sem contar com as inúmeras possibilidades de contratos com historiadores como prestadores de assessoria cultural.
O vinho sempre foi um instrumento poderoso de diferenciação social, coisa que nem sempre a cerveja preocupou-se. Mas notamos que esse conceito já tem mudado notoriamente e está por cair, pois mudanças comportamentais entre os consumidores são claras, e temos um crescente e exigente público dentro do mercado cervejeiro que está rompendo paradigmas, fazendo com que os preços e qualidade das cervejas aumentem com as novas opções e segmentações do barato e do caro. Vale a pena lembrar que existem cervejas que percentualmente são tão ou mais caras do que um bom vinho.
Ainda assim, apesar da cultura das vinhas marcar profundamente as atividades rurais, as da cerveja, principalmente as artesanais, parece que vieram para ficar. Em Portugal, essa cultura cervejeira parece ter chegado mais tarde, mas verificando em números, entre os anos de 2017 e de 2019, as vendas na categoria de cervejas especiais cresceram 88% em valor e 112% em quantidade. Em comparação ao mercado global, o qual evoluiu 8% em valor e 5% em quantidade no mesmo período, é um dado considerável. Olhando apenas os últimos 12 meses, o acréscimo foi de 10% em valor e 15% em quantidade, de três a cinco vezes mais, do que os 3% do mercado total global de cervejas.
Para os protagonistas do setor, esta é uma revolução bem recebida. O movimento das cervejas artesanais contribuiu para um aumento da dinâmica do mercado cervejeiro e para alargar as ofertas disponíveis ao consumidor.

Cervejas artesanais portuguesas: um mercado em expansão. 

Em Portugal, cada vez mais as cervejas artesanais relacionam-se com o turismo. Como aconteceu em quase todos os outros países europeus, pode-se dizer que Portugal entrou finalmente nesse nicho do mercado, possuindo atualmente mais de 30 marcas nacionais. Essas cervejas atingiram um patamar de excelência de qualidade e atratividade. Já existem sítios a visitar de Norte a Sul do país, como por exemplo, as fábricas de cerveja “Post Scriptum” (Trofa) e a “Burguesa” (Vila Nova de Gaia) e, também, cervejarias especializadas, como por exemplo a “Catraio Beer Shop” (Rua da Cedofeita, Porto), entre outras.
A expansão das cervejas não parou por aí: Portugal soma sucessos e prémios internacionais importantes. A Maldita — bem-dita seja — foi eleita a melhor “Barley Wine” do continente europeu (o que em português quer dizer qualquer coisa como “vinho de cevada”) no World Beer Awards 2014. Trata-se de uma bebida artesanal produzida na cidade de Aveiro, criada em 2013 por Artur e Gonçalo Faustino, pai e filho, ambos engenheiros, que possuem uma micro cervejaria.
Concluímos que existe turismo para todos os tipos de aficionados, sejam eles cervejeiros ou fãs de um bom vinho, pois o mercado os acompanha, cresce e oferece diferenciações cada dia mais. Contudo, e de maneira bastante otimista, podemos esperar que esse “turismo alcóolico” contribua para a manutenção económica de diversas localidades, seja através do clássico enoturismo, ou do novo modelo cervejeiro artesanal.
Acreditamos que uma das melhores formas de aumentar a competitividade de uma determinada atração turística passa pela produção e divulgação dos conhecimentos adquiridos pelas experiências bem sucedidas, como forma de serem aproveitados pelos agentes económicos e pelos organismos institucionais de criação de estratégias competitivas. Neste aspeto, e no que concerne à produção tanto da cerveja como de vinho, é fundamental valorizar a história das regiões, suas culturas e especificidades, para coadunarmos crescimento sustentável e viabilidade de mercados.
Desta forma, conclui-se que o mercado turístico não é mais o mesmo. Está sempre em constante evolução e transformação, assim como os tradicionalismos, pois, como vimos, mesmo com mercados aparentemente distintos, vinho e cerveja têm em comum a capacidade de atrair diversos tipos de público, até porque o valor agregado aos produtos tem sido constantemente reavaliado.

Karen Cristina Galletto

Referências:

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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