sábado, março 20, 2021

A literatura, o turismo literário e o Património Cultura

           Quando se junta o fenómeno do turismo à arte da literatura funda-se uma vertente denominada de turismo literário. É possível afirmar que o turismo literário pode, de facto, inserir-se no turismo cultural (como uma vertente) dado que abrange os turistas e visitantes que se identificam, encontram e criam valores culturais e as pessoas que agregam as mitologias culturais dos locais.

É importante salientar que a literatura é capaz de causar o interesse em viajar com o intuito de conhecer locais e mirar os símbolos que estão relacionados com as obras literárias e com os seus autores. Por sua vez, quando viajamos, de facto, e não somente através das páginas dos livros, nós leitores fazemos assim o papel de turista, viajante ou até peregrino, porque tornamos reais os lugares que até a este momento eram uma simples imagem gerada pela literatura na nossa mente e imaginação.

 É certo que a literatura vai muito mais além das palavras. Os sentimentos e as emoções encarnam-se em locais físicos. A literatura é uma expressão artística do Ser Humano que abrange histórias de épocas, locais e até sentimentos do próprio autor. A literatura é cultura e nós não somos nada sem ela. Por isso, é tão urgente a sua presença numa sociedade atual porque quem lê sabe e conhece.

          É mais certo ainda que valorizar a literatura é um processo fulcral porque através dela é possível aprender, saber, conhecer e, aliada ao turismo, é, deveras, um forte parceiro para o desenvolvimento de uma região e de um país. Conhecer um sítio pelos olhos de um escritor (a) é uma experiência que cativa muitos visitantes que têm grandes interesses culturais e desta forma o património cultural é um dos fortes elementos que atraem visitantes a um determinado local, o que vai acabar por ser notório no seu desenvolvimento, e, claro está, que esta produção artística se insere no património cultural de um povo, o que consequentemente contribui para a identidade e memória coletiva.

Reflito nisto com carinho. Lembro-me que há uns tempos fiz um cruzeiro no Rio Douro e, quando estava no barco atenta a todos os pormenores da paisagem para nunca mais me esquecer dela, reparei que andava à procura de alguma coisa. Naquela excecional paisagem em conjunto com o rio, eu procurava os detalhes e as simplicidades não apenas com os meus olhos, mas, também pelos olhos do eterno Miguel Torga, não deixando de reforçar aqui uma das suas passagens mais bonitas: O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta.

Miguel Torga in “Diário XII”

É percetível que o património literário português tem um forte espólio cultural que, inclusive, é reconhecido internacionalmente, onde os escritores portugueses asseveram o seu nome na história da literatura portuguesa. As obras literárias portuguesas comportam-se consoante a ideologia de cada autor, a maneira como este observa o mundo, formando assim uma linha de pensamento que vai dar origem a uma obra única.

Quando paramos para observar o mundo exterior, o que vemos é uma vasta quantidade de gente que não tem conhecimento do potencial literário do próprio país, vemos cada vez menos livrarias com histórias por contar ou, pior, vemos livrarias cujo conceito de livraria deixa parcialmente de existir, como o caso da Livraria Lello. Em Barcelos, onde vivo, apenas existem duas livrarias, as mais antigas da cidade, que correm o risco de fechar porque a sua procura é tão reduzida que acaba por não fazer sentido manter as suas portas abertas. No mesmo local, apenas é realizado a feira do livro anualmente, sendo este o único elemento impulsionador da literatura. Na mesma medida, há cerca de um ano, descobri que houve em tempos um trovador muito importante em Portugal, esse trovador, João Garcia de Guilhade, era de Barcelos. O conhecimento deste pequeno pormenor é conhecido por um pequeno grupo de pessoas.

A literatura associada ao turismo leva à descoberta de locais consagrados e imortalizados pelos escritores. Na mesma medida, o turismo literário pode ser efetivamente um fator positivo para o desenvolvimento de um local ou de uma região. Pode, claro, ser um forte agente estimulador da experiência turística e, consequentemente, pode originar um potencial para o consumo turístico. Este segmento de turismo pode contribuir para que a cultura da sociedade não seja esquecida, pode ajudar os pequenos comércios locais, sobretudo, as pequenas livrarias.

 A conclusão a que se chega mediante estes factos é que os agentes que deveriam ser incitadores da cultura apenas se focam numa parte dela, descurando tudo o resto. É deveras frustrante, pois existe tanto potencial literário que precisa de ser explorado, que precisa de ser trabalhado e, acima de tudo, valorizado. Existe uma força latente de desenvolvimento regional neste nicho e, então, a minha questão é a seguinte: Estamos à espera de quê?


Vanessa Sofia Fernandes Miranda 

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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