As Nicolinas são as festas mais antigas da cidade de Guimarães. São talvez as mais mediáticas ao nível nacional, quando o tema são festas dos estudantes, e excluímos as festas universitárias. Posto isto, e dentro do limite da minha noção e conhecimento, não me atrevo a assumi-las como menos importantes do que quaisquer festas que existam por este país fora; de estudantes ou sem ser de estudantes. Trata-se de um testemunho imaterial do património cultural vimaranense.
No início do inverno Português, nas semanas
finais do frio mês de novembro, iniciam-se os preparativos da comissão eleita
para esse ano. Formada por estudantes do sexo masculino do Liceu de Guimarães –
Escola Secundária Martins Sarmento – e, mais recentemente, também composta por
alguns estudantes das escolas Francisco de Holanda e Santos Simões. O Liceu,
felizmente, conheço bem - fez parte do meu percurso académico durante três razoáveis
anos.
A perceção que tenho, por aquilo que vejo, ano
após ano de presenças em vários Números das Festas Nicolinas, é que a evolução
do papel da comunicação social tem provocado um crescente mediatismo para este
tipo de acontecimentos, principalmente nas últimas décadas. Há pelo menos um Número
das Festas que tem ganho esse mediatismo extraordinário, que o faz ser
demasiadas vezes, e erradamente, confundido com aquilo que são as Nicolinas. Refiro-me
ao Pinheiro. Neste número, a 29 de novembro de cada ano, os nicolinos carregam
as suas caixas e bombos em uníssono, acompanhando o pinheiro num cortejo que
atravessa a cidade de Guimarães até chegar ao seu destino, onde é enterrado ao
toque caraterístico da festa, reproduzido por milhares de velhos e novos
nicolinos. Acontece posteriormente a Ceia Nicolina, onde os estudantes de
várias gerações se juntam para recordar e conviver nos restaurantes da cidade, enquanto
se banqueteiam com rojões e grelos e papas de sarrabulho e vinho verde, antes
do percurso que certamente será gelado, durante a noite mais longa do ano em
Guimarães.
A parte do uníssono é quase, e repetidamente,
ano após ano, idealizar o impossível - o excesso de vinho deixa a coordenação
dos nicolinos atordoada, e a tradição desse número vem perdendo o seu encanto.
Atualmente, devido ao mediatismo que sustenta, o Pinheiro atrai visitantes e
turistas que se juntam à Festa sem saber o que são as Nicolinas, intervindo na
mesma, e muitas vezes estragando-a, sem direito moral a fazê-lo.
Isto leva-me a refletir acerca das duas faces
da mesma moeda – demasiado óbvias neste caso – a história e a tradição, de um
lado, o turismo e o negócio local, do outro. É difícil encontrar uma resposta
que agrade a todos os vimaranenses e, mais concretamente, a todos os nicolinos
- principalmente os que tenham negócios próprios.
Histórias contadas por gerações mais antigas
retratam uma festa completamente diferente nos seus tempos de estudantes, de
algo restrito e exclusivo aos velhos nicolinos - homens de barba rija que o
faziam de forma séria - por S. Nicolau. Falam de um evento que outrora
carregava honra com a mesma força com que os bois carregavam o pinheiro ao seu enterro.
Mas o Pinheiro é uma gota no oceano que são as Nicolinas. A gota mais adulterada
desse oceano. Confunde quem vê de fora, que não entende do que se trata, e as
únicas imagens que lhe são transmitidas das Festas são as dos noticiários de 30
novembro (dia após o pinheiro), em que milhares de vimaranenses e mais
recentemente, não vimaranenses, embriagados, figuram para as câmaras de
televisão com uma caixa ou um bombo na mão, a fazer barulho, a denegrir a
essência da ocasião.
O
mesmo não acontece com as Novenas, até dia 7 de dezembro. Ou com as Posses,
quando os membros da comissão se deslocam a pé, recolhendo-as nos locais de
sempre e gritando a essas janelas e varandas: “E Venha a Posse! E Venha a
Posse!”. A tal segue-se o Magusto, tudo a 4 de dezembro, e o Pregão de S.
Nicolau ou “Bando Escolástico”, dia 5 de dezembro – um dos números mais bonitos
– em que um estudante (o pregoeiro) recita um texto poético-satírico, da
autoria de um velho (ou novo) nicolino em vários pontos da cidade, percorrendo
a mesma em cortejo. Nas Maçãzinhas vemos turistas de circunstância, que se
encontram no local certo à hora certa e isso eleva a cidade. Realizam-se no dia
de S. Nicolau, a 6 de dezembro, e trata-se do número com mais simbolismo das
Festas Nicolinas. É estranho que nos dias de hoje se consiga manter o
romantismo que a ocasião exige – quando as raparigas (destinatárias do número)
se encontram às varandas e janelas do centro da cidade esperançosas de receber
a maçã que os jovens nicolinos lhes fazem chegar com uma lança. Se aceitarem,
podem recolher a maçã e deixar um presente simbólico ao novo nicolino. Mais
tarde, nesse dia, acontecem as Danças de São Nicolau, o número mais antigo a
par do Pregão.
As
Roubalheiras são em dia incerto, para impedir que oportunistas se aproveitem da
circunstância. No caso da comissão, o que roubam é deixado no Toural para ser
recolhido pelos donos, e guardado pelos próprios até ao dia seguinte. Deixam
bilhete ao “lesado” e a polícia é cúmplice do Número. O Baile da Saudade, a 7
de dezembro, é a despedida por mais um ano das Festas. Aí, os nicolinos podem
folgar.
O mediatismo não existe em relação aos Números
que não sejam o Pinheiro. Mas é bom para o turismo! Só não é bom para S.
Nicolau, padroeiro dos estudantes, que cada vez é pior homenageado. Mas atrai jovens
visitantes e porventura turistas que acabam por ficar hospedados na cidade e
consumir na cidade, sejam refeições, estadias, lembranças e visitas a
monumentos. E trata-se, obviamente, de uma das atrações para estudantes Erasmus,
que cada vez mais procuram Guimarães, que pesquisam cidades e escolhem destinos
com base nas festividades e atrações noturnas.
Mas a mim não me parece, enquanto vimaranense,
que seja a imagem que as Festas Nicolinas mereçam ter. E Guimarães merece
melhor. Merece, talvez, o melhor dos dois mundos – a comunhão entre a tão
honrosa tradição e o discernimento dos visitantes – e que não se confundam as
Nicolinas com uma noite banhada em álcool.
Diogo Nuno Mesquita
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2020/2021)
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