Como
é tradição, no dia 20 de agosto decorre a Romaria e as festividades populares com
devoção Mariana da Senhora d’ Agonia, em Viana do Castelo, no coração do Alto
Minho. Desde o século XVIII que esta devoção é celebrada. Contudo, passados mais
de dois séculos, a tradição quebra-se e tudo se adapta a uma nova realidade
dado o contexto de pandemia mundial que vivenciamos. A pandemia de Covid-19
veio trazer muita insegurança, medo, agitação interior e confinamento das
pessoas em suas casas.
Apesar
de serem uns anos atípicos os de 2020 e 2021, a data de 20 de agosto como a da
Senhora da Agonia não se alterou, pelo contrário, manteve-se, adaptando-se,
sim, à nova realidade. As festividades, cortejos e procissões tradicionais
passaram de presenciais a uma plataforma online,
por muito impossível que possa parecer. Obter um feedback positivo de algo que não é vivido presencialmente, e sim à
distância, é bastante difícil. Por exemplo, quando um noivado é vivido à
distância, denota-se que não é tão prazeroso e fácil de aguentar como um em que
os enamorados se encontram juntos frequentemente. Ainda para mais quando de um
dia para o outro, sem prévio aviso, passamos tudo para uma plataforma online, incluindo o convívio e a fé,
como acontece na Romaria d’ Agonia.
“Fica assim
percetível que apesar de ser em moldes diferentes, a “chieira” * não se
deixa abater pela pandemia.” – “Sentir as Festas da Agonia. A romaria em
tempos de pandemia” (2020, ComUM Online).
(*Chieira: Orgulho, vaidade.)
Em
1674 nasce uma Romaria: começa-se com devoção a praticar uma Via Sacra
que começava no Convento Franciscano de Santo António e a 14ª estação terminava
no local do “morro da forca”, e, mais tarde, aí foi construída a Capela do Bom
Jesus do Santo Sepulcro. Em 1751, entra na Capela do Bom Jesus uma
imagem da Nossa Senhora d’ Agonia e a partir daí cresce a devoção à Senhora d’
Agonia, a Santa Padroeira dos pescadores que os amparava na agonia que era
passar noites no mar a lutar contra um potencial naufrágio. A capela é de
planta ortogonal e foi erguida no século XVIII, e a escadaria foi adicionada
mais tarde, no século XIX.
Cerca
de dois séculos mais tarde a tradição modifica-se, mas nem por isso a população
deixa de a realizar. Numa plataforma online,
manteve-se o pedido à Senhora de que acudisse a população das agonias que enfrentam,
no ano atípico de 2020, entre os dias 19 e 23 de agosto.
Muitos
obstáculos foram enfrentados para a realização da festa online. Primeiro a dúvida da adesão das pessoas. Por muito que se tente
manter o otimismo elevado, é difícil, visto o convívio se tratar, desta última
vez, em confinamento, sentados no conforto da casa, através da janela virtual.
Acredito que, e por experiência pessoal, e de muitos, a realização de
atividades, festividades e convívios sociais dentro de casa nos faz atravessar
por uma onda de ociosidade e de “preguiça”, se me é permitido dizer. Quanto
mais nos confinamos e menos nos esforçamos para sair de casa, visto que nem
essa simples atividade se pode, menos na verdade queremos sair de casa, o que
leva à “lei do menor esforço” e eventualmente à depressão.
Este
nosso confinamento obrigatório e toda a situação que estamos a passar faz-me
lembrar o livro do escritor francês Michel Tournier, “Vendredi ou la Vie Sauvage”.
A história resume-se a um homem que navegava até ao sul de Espanha, o barco
naufragou e viu-se isolado numa ilha desértica no século XVIII. Após tentar
escapar, vendo que não consegue, decide não se deixar abater ou desesperar,
criando leis, horários, cultivando e ocupando o tempo a sobreviver, mas
rapidamente se vê abalado pela solidão, e deixa-se levar pela ociosidade e pelo
descanso, que o leva ao desleixo e à perda de orientação da própria vida.
Esta
é uma visão pessimista da situação, mas visto que o livro referido acima tem um
final feliz, também esta situação de Covid-19 terá certamente um final feliz.
Esta tentativa de realizar e manter as festividades e celebrações, aulas e
métodos educativos, e basicamente tudo, online,
não só ergue a economia como mantém um ritmo de normalidade, ainda que nunca
chegue a ser o mesmo, e leve muitos ao desespero. É uma alternativa muito
esperançosa, visto que é a nossa maneira de sobreviver mentalmente e
emocionalmente.
Voltando
à Romaria, diz Rosa Caetano no artigo do ComUM: “Este ano (2020) vamos
sentir a romaria, talvez com mais fé”. Rosa Caetano é a costureira que
oferece e realiza os fatos/trajes tradicionais para os cortejos etnográficos,
foi nomeada para presidir à Comissão de Honra da Romaria.
Gostaria
de desenvolver a devoção e a fé tão realçadas nesta festividade. “Desde que há
memória”, que se realiza a procissão solene (também conhecida como procissão da
cidade), onde os pescadores, de quem é a Senhora Padroeira, erguem ao ombro o
andor, ornado com flores, com a imagem da Senhora d’Agonia. No meio de uma
azafama e de um ambiente estridente, faz-se silêncio. Isso já era habitual.
Este ano passado, a Senhora pediu um silêncio extra, com cada fiel em casa
confinado no conforto da casa. Talvez seja uma oportunidade de a Senhora
partilhar a agonia que também ela sente connosco, seus filhos. Por isso, pede
silêncio maior. Numa visão católica, esta é uma oportunidade de cada um expiar
e oferecer as suas dores, os seus sacrifícios em prole de um bem maior. Para um
fiel devoto, cada situação se aproveita para fazer uma boa ação: do bem para
agradecer e, do mal, para oferecer por um bem maior, repito.
Já
numa visão popular, pode-se dizer que é mais fácil cair no desânimo, visto que
se vai e se age sem propósito, sem luta para defender algo maior, apenas se
conformam, e este momento de quarentena, exigente, transporta consigo um
desanimo geral. Contudo, acredito que com esta onda de tristeza é possível
almejar e definir propósitos que nos elevam, e nos ajudam a dar a volta. “Há momentos que temos de procurar o tipo de
cura e paz que só podem vir da solidão.” - Elizabeth Gilbert, “Eat,
pray, love”, 2006, Penguin Books.
O
ser humano precisa de um ideal para ser feliz, e sem dúvida que a fé preenche
muitos. Porque para os fiéis, a sua fé, é o seu Património, é o bem mais
precioso que carregam e do qual têm medo de perder (perde-se quando não é
“alimentada”) e por isso lutam para a manter e para a propagar (ganha-se fé
quando se pede com sinceridade e quando se “alimenta” com atos). “Viver sem Fé, sem um Património para
defender, sem sustentar uma luta contínua pela Verdade não é viver, é fingir
que se vive.” – Beato Pier Giorgio Frassati
Teresa
Viana, mordoma do Cartaz da Romaria do ano de 2020, diz no artigo do ComUM Online, que espera que para o próximo
ano (em 2021) seja melhor, sendo assim é um exemplo de como a versão virtual da
festividade é sobreviver – para afastar/iludir a eventual solidão – e a versão
presencial seria e será, como já o foi, o próprio viver. O confinamento corta
completamente com o nosso instinto socializador e torna-nos como que animais
recolhidos num zoo a serem observados e controlados por nós, pessoas. Nós, nas
nossas diversas “jaulas”, somos controlados através dos vidros das janelas,
pelas ruas vazias e os pombos das cidades. “Queríamos que houvesse festa” –
Teresa Viana, “Sentir as Festas
d’Agonia. A romaria em tempos de pandemia” (2020, ComUM Online).
Estes
programas inovadores de vivência das festividades, romarias e eventos sociais
através da TV, Rádio, e via Zoom, por exemplo, são formas de não nos deixarmos
abater pela pandemia. No meu ponto de vista, é bastante positivo. É a via que
arranjamos para ultrapassar esta má fase, que há-de passar eventualmente, como
tudo na vida. “Não há bem que sempre
dure nem mal que nunca acabe” – Ditado Popular.
A
Festa da Senhora d’Agonia é um Património a defender. Este Património do Alto
Minho, ou Vianense, do qual sou natural, é um recurso Intangível, a princípio,
mas também se apropria de alguns recursos Tangíveis. Como contém festas e
procissões, festividades, música e cantares ao desafio, costumes típicos
populares, trajes e gastronomia típica. Um só evento consegue ser tão ambicioso
a nível comercial, financeiro, e também turístico e social. Há uma troca de
ideias de sabores, de conhecimentos, de produtos, de comida, de palavras e de
recursos. Há uma panóplia de acontecimentos culturais dentro daqueles 5 dias,
que no ano atípico de 2020 começou no dia 11 de agosto. Decorrem vários
cortejos: etnográficos, culturais, procissões e missa no local, que contém uma
larga zona relvada.
É
sem dúvida um património a defender, a Romaria da Agonia, visto ser um evento
comum a uma nação, e visto haver uma identidade histórica, naquelas gentes
vianenses que se visualizam nos seus antepassados que também participavam nas
celebrações e devoções. O facto de as festas serem constantemente, anualmente
repetidas, mostra que é já mais que uma tradição e um costume. Faz parte da
identidade das populações e dos participantes. Por isso, à vista de qualquer
impedimento se arranjou de seguida uma alternativa, para não deixar morrer,
para confortar os participantes, para dar sinal de esperança talvez.
A realidade é que a tradição já é parte
integrante das pessoas, e não se querem separar de algo que as distingue e as
orgulha. A sua região é motivo de “chieira”, é património a preservar. Cada
popular defende a sua como sendo a melhor, assim como os partidários políticos,
os fiéis de X religião e os Clubistas desportivos de X Clube, todos têm a
particularidade de amarem com garra o seu património. Como diria o Beato Pier
Giorgio, não se visse sendo um leviano sem “partido”, sem opinião, que vai
atrás da personalidade dos outros, isso é viver a vida de outro e não a
própria.
“A cultura de um povo é o seu maior
patrimônio. Preservá-la é resgatar a história, perpetuar valores, é permitir
que as novas gerações não vivam sob as trevas do anonimato” (Nildo Lage).
Márcia
Sousa Silva
Brito Adriana, Sousa João Pedro,
“Sentir as festas d’Agonia. A Romaria em tempos de Pandemia”, 2020,
ComUM Online;
G. d’Oliveira Martins, “Património
Cultural: Realidade Viva”, 2020, Fundação Francisco Manuel dos Santos
Gilbert Elizabeth, “Eat, pray, love”, 2006, Penguin Books;
H. Barranha, “Património
Cultural: conceitos e critérios fundamentais”, 2016, IST PRESS e
ICOMOS-Portugal
Associação Promotora das Festas de Viana do Castelo
(site online):
https://vianafestas.com/pt/eventos-e-romarias/romaria-sra-da-agonia#procissao-solene
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
Sem comentários:
Enviar um comentário