A disputa pela organização de grandes eventos está a ser mantida a nível global, entre vários países e cidades, um pouco por todo o mundo, e Portugal não é exceção. De qualquer forma, é inegável que existe atualmente uma crescente concorrência entre as nações para o acolhimento e organização de grandes eventos devido aos potenciais impactes positivos que proporcionam. A nível económico, permitem a criação de emprego, a requalificação urbana ou a antecipação e concentração de investimentos. Também podem dar contributos a nível da mobilização e autoestima da população e, obviamente, do reforço da notoriedade internacional e projeção da imagem do destino, especialmente a nível turístico.
A multiplicidade
de fatores inerentes à criação e organização de um evento podia-nos levar a uma
série infindável de classificações, quando aquilo que nos interessa é
classificar pela sua amplitude, tomando por base a generalidade de fatores
inerentes à sua criação e presentes na sua organização. Assim, conjugando as
opiniões de diversos autores e profissionais de eventos e a nossa experiência,
podemos classificar os eventos da forma como se segue.
Micro-eventos –
sustenta-se esta classificação porque não são exigidos recursos financeiros e
logísticos significativos, sendo orientados para um público muito específico e
o seu número não ultrapassa em muito as cem (100) pessoas; por exemplo, um
jantar de curso ou festa privada de uma associação.
Pequeno evento –
neste tipo de evento já existe a consideração de promoção de algo mais
significativo para a organização ou púbico aderente, no entanto, não deixa de
ainda manter uma certa especificidade de público-alvo, mas pode já incluir a
participação de entidades ou promotores locais. Neste tipo de evento já se
considera a participação de uma fatia considerável de público exterior ao
âmbito da organização. Neste caso, a
participação pode variar entre cem (100) e quinhentas (500) pessoas, como um
seminário ou workshop.
Médio evento – na
organização do médio evento verifica-se um maior empenho na sua divulgação
(principalmente a nível regional, uma vez que não faz sentido apostar na divulgação
em zonas distantes da área onde o mesmo se realiza). Já existe, também, um
maior investimento a nível logístico, devido à sua envergadura a suportar que
já é considerável. Abrange uma maior diversificação de público (não existe um
publico-alvo com caráter específico). O tema do evento suscita um interesse
mais alargado e o número de participantes pode variar entre quinhentos (500) e
os três mil (3000). Damos como exemplo uma exposição temática num pavilhão de
exposições, um concerto de um grupo ou artista famosos, desfile de rua, feira
de negócios, entre outros.
Grande evento – o
grande evento carateriza-se pelo forte crescimento do investimento financeiro
na sua organização. Para além de ser facilmente identificável pela sua
dimensão, o grande evento possui uma estrutura logística bastante pesada em
termos operacionais, assim como uma equipa de trabalho que poderá atingir as
várias dezenas ou mesmo centenas de pessoas. Neste tipo de evento, a divulgação
ganha relevo à escala nacional e, por vezes, pode atingir outros países
(podemos dar o exemplo do festival de música de Vilar de Mouros, em que é feito
um grande investimento na sua divulgação nas regiões fronteiriças de Espanha).
Neste tipo de
eventos musicais, por exemplo, verifica-se um recurso quase permanente ao
patrocínio e alto patrocínio como forma de sustentabilidade financeira da
organização. Outro ponto fundamental, tendo em conta um festival desta dimensão,
é a sua associação com os media como forma de criação e manutenção de
imagem de marca. Aqui, também se verifica a total perda de definição do
público-alvo a nível demográfico, geográfico e mesmo etário. Podemos incorporar
no grande evento a oscilação entre os três mil (3000) e oitenta mil (80000)
participantes. Podemos dar como exemplo de grandes eventos o Estoril Open, o
Fantasporto e os festivais de música de verão (Paredes de Coura, Vilar de
Mouros e Meo Sudoeste, de que falaremos a seguir).
Com efeito, os
grandes eventos influenciam e provocam alterações profundas no destino, mas
também são um “produto” da cultura e sociedade onde são realizados, podendo ser
considerados como os “construtores da imagem” do turismo moderno (Hall 1992).
Paralelamente, a
nível turístico, estes grandes eventos têm como caraterística específica, para
além dos inegáveis benefícios inerentes à atracão de inúmeros visitantes e
turistas e do reforço da projeção internacional do destino, a vantagem de
poderem proporcionar substanciais legados na comunidade local, com uma duração
temporal muito superior ao período de realização do evento. Ao mesmo tempo, e
caso o destino já esteja “consolidado no mapa turístico internacional”, poderá
permitir o seu rejuvenescimento e revitalização, evitando o seu previsível
declínio, de acordo com o ciclo de vida dos destinos turísticos sugerido por
Butler (1980).
Abordaremos, de
forma sucinta dois eventos realizados em Portugal, que foram apresentados pelo
Professor José Cadima Ribeiro no Mestrado de Património Cultural, nomeadamente
a Capital Europeia da Cultura em Guimarães de 2012 e o MEO Sudoeste edição de
2017.
Guimarães foi a
terceira cidade em Portugal a acolher o megaevento, depois de Lisboa (1994) e
Porto (2001). Os dados do estudo oficial realizado pela Universidade do Minho
(2013) indicam que “a cidade assistiu, em 2012, a um grande crescimento no
número de visitantes, que se situou em 106,7%, quando comparado com a média dos
três anos precedentes”. Segundo a mesma fonte (Universidade do Minho, 2013),
tendo por base “os inquéritos aplicados em janeiro de 2013 a uma amostra de
comerciantes da cidade, 80% dos entrevistados consideraram positivo (64,9%) ou
muito positivo (23,9 %) o respetivo impacte em matéria de negócios realizados”
(Cadima, 2019). De realçar, ainda, que, da participação de Guimarães na CEC
2012, “sugiram na cidade novos equipamentos culturais, de onde avultam a
Plataforma das Artes e da Criatividade (2012) e a Casa da Memória, que foi
projetada para ser um equipamento para apoiar a programação da CEC mas que
acabou só por ser inaugurada no ano posterior ao evento” (Cadima, 2019).
Apesar das
inúmeras vantagens e graus de satisfação acima enunciados, e como o slogan da CEC de Guimarães era “Tu fazes
parte”, existiu algum descontentamento por parte dos agentes locais, que
passamos a citar :“´Houve uma grande festa. As festas são sempre agradáveis. São
momentos evanescentes` (Francisco Teixeira). ´O mesmo entrevistado concluía de
seguida, criticamente: ´Se não fizéssemos a CEC, não saberíamos as
oportunidades que perdemos`” Francisco Teixeira (Cadima, 2017). A conclusão que
podemos tirar deste depoimento é que as organizações destes grandes eventos não
envolvem os agentes culturais locais de uma forma empenhada e comprometida,
preterindo a sua participação no programa cultural em detrimento de grandes
empresas de animação cultural com maior impacto visual e projeção
internacional, como, por exemplo, La Fura dels Baus.
O MEO Sudoeste é
um festival de verão que se realiza anualmente desde 1997, na Zambujeira do Mar
(Município de Odemira), que ao longo dos anos, tem atraído milhares de
festivaleiros, com maior incidência na população jovem. A Câmara Municipal de
Odemira encomendou um estudo a uma equipa de investigadores do Instituto
Politécnico de Beja – a edição de 2017 foi objeto de um estudo de impacte. “Da
abordagem feita aos residentes, sobressaíam a valorização baixa pelos
residentes, em geral dos impactes positivos do acolhimento do festival, que se
entende das componentes promoções da qualidade de vida e do bem-estar dos
habitantes locais à contribuição para a coesão social” (Saúde et al., 2019). Contudo, desta leitura
“distinguem-se os habitantes que são ou foram participantes no festival, que
tenderam a desvalorizar os efeitos negativos na vida local da realização do
festival”. No entanto, “a leitura feita dos impactes pelo empresariado local
revelou-se ainda mais crítica: no que se reporta ao impacte económico, consideram-no
muito débil, o que resultará, em simultâneo, do pouco tempo de duração anual do
evento e do tipo de público a que se destina, «miudagem» no dizer de alguns”
(Saúde et al., 2019). Outra dimensão
que foi “sublinhada pela generalidade dos inquiridos, foi o efeito crowding
out, provocando o afastamento do visitante habitual do território durante o
período em que decorre o festival” (Saúde et
al., 2019).
Assim sendo, tendo
em conta que o festival tem a comparticipação a nível logístico e financeira da
Câmara Municipal de Odemira e o resultado do estudo apresentado é
manifestamente negativo para muitos agentes económicos, é nosso entendimento,
que será de ponderar a forma e o modelo de organização deste festival de forma
exclusiva por uma Empresa Privada, uma vez que o recinto é vedado e o parque de
campismo é gratuito para os “festivaleiros”.
Tendo em conta que
este modelo de organização do evento, limita de forma objetiva a participação
da atividade dos empresários locais em diversos ramos de negócios, bem como
promove o afastamento de potenciais visitantes numa altura do ano em que as
praias são muito procuradas, criando uma forte dinâmica na restauração,
alojamento e artesanato local, sugere-se que seja feito um estudo para avaliar
a possibilidade de existir a participação ativa de todos os agentes económicos
e da população local neste evento.
Francisco Freitas
Bibliografia
Remoaldo Paula
& Ribeiro, J. Cadima (2007) O legado de Guimarães Capital da Cultura de
2012. Centro de estudos Transdisciplinares para o
Desenvolvimento. UTAD
Butler, R. & Mao, B. (1997) “Seasonality in
tourism - problems and measurement” in Murphy, Peter E. (1997) “Quality
management in urban tourism”, John Wiley & Sons Ltd., Chicester
Hall, Colin Michael (1992) “Hallmark tourist events:
impacts, management and planning”, Belhaven Press, London
Saúde, S., Lopes,
S., Borralho, C. e Féria, I. (2019). O Impacte Económico e Sociocultural do
Festival MEO SUDOESTE no Concelho de Odemira. Faro: Sílabas & Desafios
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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