quarta-feira, março 24, 2021

A organização de grandes e megaeventos e os potenciais impactes na projeção das cidades que os organizam

A disputa pela organização de grandes eventos está a ser mantida a nível global, entre vários países e cidades, um pouco por todo o mundo, e Portugal não é exceção. De qualquer forma, é inegável que existe atualmente uma crescente concorrência entre as nações para o acolhimento e organização de grandes eventos devido aos potenciais impactes positivos que proporcionam. A nível económico, permitem a criação de emprego, a requalificação urbana ou a antecipação e concentração de investimentos. Também podem dar contributos a nível da mobilização e autoestima da população e, obviamente, do reforço da notoriedade internacional e projeção da imagem do destino, especialmente a nível turístico.

A multiplicidade de fatores inerentes à criação e organização de um evento podia-nos levar a uma série infindável de classificações, quando aquilo que nos interessa é classificar pela sua amplitude, tomando por base a generalidade de fatores inerentes à sua criação e presentes na sua organização. Assim, conjugando as opiniões de diversos autores e profissionais de eventos e a nossa experiência, podemos classificar os eventos da forma como se segue.

Micro-eventos – sustenta-se esta classificação porque não são exigidos recursos financeiros e logísticos significativos, sendo orientados para um público muito específico e o seu número não ultrapassa em muito as cem (100) pessoas; por exemplo, um jantar de curso ou festa privada de uma associação.

Pequeno evento – neste tipo de evento já existe a consideração de promoção de algo mais significativo para a organização ou púbico aderente, no entanto, não deixa de ainda manter uma certa especificidade de público-alvo, mas pode já incluir a participação de entidades ou promotores locais. Neste tipo de evento já se considera a participação de uma fatia considerável de público exterior ao âmbito da organização.  Neste caso, a participação pode variar entre cem (100) e quinhentas (500) pessoas, como um seminário ou workshop.  

Médio evento – na organização do médio evento verifica-se um maior empenho na sua divulgação (principalmente a nível regional, uma vez que não faz sentido apostar na divulgação em zonas distantes da área onde o mesmo se realiza). Já existe, também, um maior investimento a nível logístico, devido à sua envergadura a suportar que já é considerável. Abrange uma maior diversificação de público (não existe um publico-alvo com caráter específico). O tema do evento suscita um interesse mais alargado e o número de participantes pode variar entre quinhentos (500) e os três mil (3000). Damos como exemplo uma exposição temática num pavilhão de exposições, um concerto de um grupo ou artista famosos, desfile de rua, feira de negócios, entre outros.

Grande evento – o grande evento carateriza-se pelo forte crescimento do investimento financeiro na sua organização. Para além de ser facilmente identificável pela sua dimensão, o grande evento possui uma estrutura logística bastante pesada em termos operacionais, assim como uma equipa de trabalho que poderá atingir as várias dezenas ou mesmo centenas de pessoas. Neste tipo de evento, a divulgação ganha relevo à escala nacional e, por vezes, pode atingir outros países (podemos dar o exemplo do festival de música de Vilar de Mouros, em que é feito um grande investimento na sua divulgação nas regiões fronteiriças de Espanha).

Neste tipo de eventos musicais, por exemplo, verifica-se um recurso quase permanente ao patrocínio e alto patrocínio como forma de sustentabilidade financeira da organização. Outro ponto fundamental, tendo em conta um festival desta dimensão, é a sua associação com os media como forma de criação e manutenção de imagem de marca. Aqui, também se verifica a total perda de definição do público-alvo a nível demográfico, geográfico e mesmo etário. Podemos incorporar no grande evento a oscilação entre os três mil (3000) e oitenta mil (80000) participantes. Podemos dar como exemplo de grandes eventos o Estoril Open, o Fantasporto e os festivais de música de verão (Paredes de Coura, Vilar de Mouros e Meo Sudoeste, de que falaremos a seguir).

Com efeito, os grandes eventos influenciam e provocam alterações profundas no destino, mas também são um “produto” da cultura e sociedade onde são realizados, podendo ser considerados como os “construtores da imagem” do turismo moderno (Hall 1992).

Paralelamente, a nível turístico, estes grandes eventos têm como caraterística específica, para além dos inegáveis benefícios inerentes à atracão de inúmeros visitantes e turistas e do reforço da projeção internacional do destino, a vantagem de poderem proporcionar substanciais legados na comunidade local, com uma duração temporal muito superior ao período de realização do evento. Ao mesmo tempo, e caso o destino já esteja “consolidado no mapa turístico internacional”, poderá permitir o seu rejuvenescimento e revitalização, evitando o seu previsível declínio, de acordo com o ciclo de vida dos destinos turísticos sugerido por Butler (1980).

Abordaremos, de forma sucinta dois eventos realizados em Portugal, que foram apresentados pelo Professor José Cadima Ribeiro no Mestrado de Património Cultural, nomeadamente a Capital Europeia da Cultura em Guimarães de 2012 e o MEO Sudoeste edição de 2017.

Guimarães foi a terceira cidade em Portugal a acolher o megaevento, depois de Lisboa (1994) e Porto (2001). Os dados do estudo oficial realizado pela Universidade do Minho (2013) indicam que “a cidade assistiu, em 2012, a um grande crescimento no número de visitantes, que se situou em 106,7%, quando comparado com a média dos três anos precedentes”. Segundo a mesma fonte (Universidade do Minho, 2013), tendo por base “os inquéritos aplicados em janeiro de 2013 a uma amostra de comerciantes da cidade, 80% dos entrevistados consideraram positivo (64,9%) ou muito positivo (23,9 %) o respetivo impacte em matéria de negócios realizados” (Cadima, 2019). De realçar, ainda, que, da participação de Guimarães na CEC 2012, “sugiram na cidade novos equipamentos culturais, de onde avultam a Plataforma das Artes e da Criatividade (2012) e a Casa da Memória, que foi projetada para ser um equipamento para apoiar a programação da CEC mas que acabou só por ser inaugurada no ano posterior ao evento” (Cadima, 2019).

Apesar das inúmeras vantagens e graus de satisfação acima enunciados, e como o slogan da CEC de Guimarães era “Tu fazes parte”, existiu algum descontentamento por parte dos agentes locais, que passamos a citar :“´Houve uma grande festa. As festas são sempre agradáveis. São momentos evanescentes` (Francisco Teixeira). ´O mesmo entrevistado concluía de seguida, criticamente: ´Se não fizéssemos a CEC, não saberíamos as oportunidades que perdemos`” Francisco Teixeira (Cadima, 2017). A conclusão que podemos tirar deste depoimento é que as organizações destes grandes eventos não envolvem os agentes culturais locais de uma forma empenhada e comprometida, preterindo a sua participação no programa cultural em detrimento de grandes empresas de animação cultural com maior impacto visual e projeção internacional, como, por exemplo, La Fura dels Baus.

O MEO Sudoeste é um festival de verão que se realiza anualmente desde 1997, na Zambujeira do Mar (Município de Odemira), que ao longo dos anos, tem atraído milhares de festivaleiros, com maior incidência na população jovem. A Câmara Municipal de Odemira encomendou um estudo a uma equipa de investigadores do Instituto Politécnico de Beja – a edição de 2017 foi objeto de um estudo de impacte. “Da abordagem feita aos residentes, sobressaíam a valorização baixa pelos residentes, em geral dos impactes positivos do acolhimento do festival, que se entende das componentes promoções da qualidade de vida e do bem-estar dos habitantes locais à contribuição para a coesão social” (Saúde et al., 2019). Contudo, desta leitura “distinguem-se os habitantes que são ou foram participantes no festival, que tenderam a desvalorizar os efeitos negativos na vida local da realização do festival”. No entanto, “a leitura feita dos impactes pelo empresariado local revelou-se ainda mais crítica: no que se reporta ao impacte económico, consideram-no muito débil, o que resultará, em simultâneo, do pouco tempo de duração anual do evento e do tipo de público a que se destina, «miudagem» no dizer de alguns” (Saúde et al., 2019). Outra dimensão que foi “sublinhada pela generalidade dos inquiridos, foi o efeito crowding out, provocando o afastamento do visitante habitual do território durante o período em que decorre o festival” (Saúde et al., 2019).

Assim sendo, tendo em conta que o festival tem a comparticipação a nível logístico e financeira da Câmara Municipal de Odemira e o resultado do estudo apresentado é manifestamente negativo para muitos agentes económicos, é nosso entendimento, que será de ponderar a forma e o modelo de organização deste festival de forma exclusiva por uma Empresa Privada, uma vez que o recinto é vedado e o parque de campismo é gratuito para os “festivaleiros”.

Tendo em conta que este modelo de organização do evento, limita de forma objetiva a participação da atividade dos empresários locais em diversos ramos de negócios, bem como promove o afastamento de potenciais visitantes numa altura do ano em que as praias são muito procuradas, criando uma forte dinâmica na restauração, alojamento e artesanato local, sugere-se que seja feito um estudo para avaliar a possibilidade de existir a participação ativa de todos os agentes económicos e da população local neste evento.

 

Francisco Freitas

Bibliografia

Remoaldo Paula & Ribeiro, J. Cadima (2007) O legado de Guimarães Capital da Cultura de 2012. Centro de estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento. UTAD

Butler, R. & Mao, B. (1997) “Seasonality in tourism - problems and measurement” in Murphy, Peter E. (1997) “Quality management in urban tourism”, John Wiley & Sons Ltd., Chicester

Hall, Colin Michael (1992) “Hallmark tourist events: impacts, management and planning”, Belhaven Press, London

Saúde, S., Lopes, S., Borralho, C. e Féria, I. (2019). O Impacte Económico e Sociocultural do Festival MEO SUDOESTE no Concelho de Odemira. Faro: Sílabas & Desafios

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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