A pandemia provocada pelo CoronaVírus afetou grande parte do mundo, com repercussões bem vincadas no que diz respeito à saúde, à economia, à cultura ou aos processos sociais. O clima de incerteza e insegurança em relação ao futuro tem assombrado coletivamente os países e as nações.
Com um alto número de
cidadãos infetados e os índices de contágio a aumentar, a realidade mundial
alterou-se abruptamente em diversas dimensões. Também em Portugal o panorama
económico e social sofreu um grande abalo, com a maioria das atividades
interrompidas e negócios que “fecharam portas”, por não reunirem as condições
logísticas e financeiras para continuar a existir. Os altos níveis de
transmissibilidade impuseram um regime de confinamento que pressupõe o distanciamento
social e a proibição da circulação de pessoas com fins recreativos e de lazer.
Assim, a generalidade dos destinos assistiu a uma quebra descontrolada e
inevitável dos seus visitantes e a prática turística revelou-se praticamente
nula.
Contudo, em termos
turísticos, e apesar das visíveis e impactantes consequências negativas, esta
conjuntura pandémica pode (e deve) representar uma oportunidade para a
redefinição das intenções turísticas dos territórios que, materializadas nos
seus planos de desenvolvimento, devem procurar atrair visitantes informados,
mais seletivos e exigentes em relação às suas experiências, numa lógica de
combate a um “turismo superlativo”, massificado e intrusivo que leva à
sobrelotação de certas zonas/espaços, à degradação patrimonial e a uma
uniformização dos produtos culturais existentes. Na realidade, é possível
afirmar que essa lógica massiva, que carateriza muitos dos fluxos turísticos, encontra
espaço e oportunidade para se desenvolver no âmbito das políticas de desenvolvimento
regional, de acordo com a vontade dos seus decisores, que (ainda) trabalham para
responder às exigências do público generalizado com o objetivo último de captar
o número máximo de visitas para o seu território. Para isso, aplicam-se
estratégias que se refletem na padronização de roteiros e no próprio modo de
visitar os equipamentos culturais, de acordo com uma abordagem estática que
contribuirá para o desinteresse na experiência e para a redução, ou ausência, de
espírito criativo dos visitantes.
Neste sentido, e para
tentar responder às crescentes exigências turísticas e aos novos padrões de
consumo, torna-se pertinente apostar em vertentes do turismo que tenham em
conta as diferentes valências territoriais e que suscitem interesse por locais
menos visitados e por outro tipo de experiências, alternativas e igualmente
enriquecedoras, que visem a desobstruição das zonas “turisticamente
valorizadas” e a diversificação dos produtos culturais.
De facto, o turismo
criativo pode assumir-se como uma alternativa viável para a recuperação do
turismo face à pandemia que atravessa o mundo, na medida em que permite o
contacto com novas experiências, conhecimentos e realidades culturais. Tal como
caracterizam Duxbury e Richards (2019), o turismo criativo “oferece aos
visitantes a oportunidade de desenvolver o seu potencial criativo através da
participação ativa em cursos e experiências de aprendizagem que são caraterísticas
do destino de férias onde são realizadas”, o que vai permitir não só uma
relação ativa com os elementos patrimoniais mas, também, um contacto direto e
efetivo entre os visitantes de um local e a sua produção artesanal, numa lógica
de transmissão de conhecimentos e aptidões, vantajosas do ponto de vista da
fruição turística.
A aposta no turismo
criativo por parte das entidades regionais pode representar uma mais-valia para
os territórios porque permite uma mudança de paradigma na atividade turística,
estabelecendo um vínculo obrigatório entre os agentes turísticos e os diversos
atores locais (agricultores, artesãos, artistas, aposentados) que se veem
incitados a continuar a desenvolver as suas atividades caraterísticas, face a
um artesanato massificado e reprodutor. De facto, se os visitantes não fossem
conhecedores do processo de produção artesanal na íntegra, provavelmente, não
se sentiriam motivados a comprar produtos artesanalmente elaborados nas
oficinas locais – o trabalho manual envolvido e a qualidade associada à sua
produção podem implicar um aumento do valor final do produto.
Apesar de ser uma
vertente do turismo relativamente recente, a sua aplicação tem-se revelado
eficaz na promoção dos territórios onde se desenvolve, permitindo uma
diversificação da oferta (associada à otimização dos recursos), o empoderamento
das comunidades locais e uma coesão social proporcionada pela partilha de
experiências e conhecimentos entre os visitantes e a comunidade local.
Em Portugal, já são
várias as marcas e empresas especializadas em experiências criativas, como o
caso da TRY Portugal (trabalha com programas personalizados, também no âmbito
do turismo criativo), a In2South (especializada em ecoturismo e turismo
criativo na região do Algarve, desenvolvendo parcerias com as autarquias
locais) e a Douro-Welcome (experiências culturais e criativas no Norte de
Portugal e Galiza); mas também iniciativas participativas como Passear e
“azulejar”, no Porto, onde os visitantes têm oportunidade de elaborar o seu
próprio azulejo ou produzir uma jóia na zona do Bonfim, Fazer a própria
folha de papel, no Museu do Papel de Paços de Brandão/Santa Maria da Feira
ou preparar a própria refeição, como um peixe grelhado no restaurante “O
Xarroco”, em Matosinhos, uma pizza em Lisboa ou uma cataplana de peixe e
marisco, em Faro.
Independentemente da
área geográfica onde o turismo criativo se manifeste, este dependerá sempre de
um conjunto de fatores que se interligam: o desenvolvimento turístico da
região, o seu ambiente económico, a vontade política e os fatores culturais
locais. Posto isto, é absolutamente essencial que sejam estabelecidas medidas
no âmbito da política pública que incentivem os diversos agentes a explorarem
dignamente o (seu) território – porque a riqueza cultural e os recursos
territoriais são evidentes e perfeitamente identificáveis, contudo carecem de
instrumentos de gestão e apoios institucionais para que a componente criativa e
recompensadora da experiência turística se posicione como ‘fundo’
(ver/comprar), mas também como ‘atividade’ (aprender/provar).
Filipa R. D. F. Santos
Referências
Bibliográficas:
. Richards, Greg
(2018): Panorama of Creative Tourism Around the World. Breda University, pp. 1-5
. Ferreira Almeida, Josara Simone (2019): Turismo
Criativo: uma nova visão do Turismo, uma nova geração de experiências e emoções.
Tese de Mestrado, Instituto Superior de Gestão de Lisboa
. Site Creative Tourism Network. Disponível em:
http://www.creativetourismnetwork.org/?lang=pt-pt
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
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