domingo, março 21, 2021

Turismo Criativo: “Uma luz ao fundo do túnel”?

A pandemia provocada pelo CoronaVírus afetou grande parte do mundo, com repercussões bem vincadas no que diz respeito à saúde, à economia, à cultura ou aos processos sociais. O clima de incerteza e insegurança em relação ao futuro tem assombrado coletivamente os países e as nações.

Com um alto número de cidadãos infetados e os índices de contágio a aumentar, a realidade mundial alterou-se abruptamente em diversas dimensões. Também em Portugal o panorama económico e social sofreu um grande abalo, com a maioria das atividades interrompidas e negócios que “fecharam portas”, por não reunirem as condições logísticas e financeiras para continuar a existir. Os altos níveis de transmissibilidade impuseram um regime de confinamento que pressupõe o distanciamento social e a proibição da circulação de pessoas com fins recreativos e de lazer. Assim, a generalidade dos destinos assistiu a uma quebra descontrolada e inevitável dos seus visitantes e a prática turística revelou-se praticamente nula.

Contudo, em termos turísticos, e apesar das visíveis e impactantes consequências negativas, esta conjuntura pandémica pode (e deve) representar uma oportunidade para a redefinição das intenções turísticas dos territórios que, materializadas nos seus planos de desenvolvimento, devem procurar atrair visitantes informados, mais seletivos e exigentes em relação às suas experiências, numa lógica de combate a um “turismo superlativo”, massificado e intrusivo que leva à sobrelotação de certas zonas/espaços, à degradação patrimonial e a uma uniformização dos produtos culturais existentes. Na realidade, é possível afirmar que essa lógica massiva, que carateriza muitos dos fluxos turísticos, encontra espaço e oportunidade para se desenvolver no âmbito das políticas de desenvolvimento regional, de acordo com a vontade dos seus decisores, que (ainda) trabalham para responder às exigências do público generalizado com o objetivo último de captar o número máximo de visitas para o seu território. Para isso, aplicam-se estratégias que se refletem na padronização de roteiros e no próprio modo de visitar os equipamentos culturais, de acordo com uma abordagem estática que contribuirá para o desinteresse na experiência e para a redução, ou ausência, de espírito criativo dos visitantes.

Neste sentido, e para tentar responder às crescentes exigências turísticas e aos novos padrões de consumo, torna-se pertinente apostar em vertentes do turismo que tenham em conta as diferentes valências territoriais e que suscitem interesse por locais menos visitados e por outro tipo de experiências, alternativas e igualmente enriquecedoras, que visem a desobstruição das zonas “turisticamente valorizadas” e a diversificação dos produtos culturais.

De facto, o turismo criativo pode assumir-se como uma alternativa viável para a recuperação do turismo face à pandemia que atravessa o mundo, na medida em que permite o contacto com novas experiências, conhecimentos e realidades culturais. Tal como caracterizam Duxbury e Richards (2019), o turismo criativo “oferece aos visitantes a oportunidade de desenvolver o seu potencial criativo através da participação ativa em cursos e experiências de aprendizagem que são caraterísticas do destino de férias onde são realizadas”, o que vai permitir não só uma relação ativa com os elementos patrimoniais mas, também, um contacto direto e efetivo entre os visitantes de um local e a sua produção artesanal, numa lógica de transmissão de conhecimentos e aptidões, vantajosas do ponto de vista da fruição turística.

A aposta no turismo criativo por parte das entidades regionais pode representar uma mais-valia para os territórios porque permite uma mudança de paradigma na atividade turística, estabelecendo um vínculo obrigatório entre os agentes turísticos e os diversos atores locais (agricultores, artesãos, artistas, aposentados) que se veem incitados a continuar a desenvolver as suas atividades caraterísticas, face a um artesanato massificado e reprodutor. De facto, se os visitantes não fossem conhecedores do processo de produção artesanal na íntegra, provavelmente, não se sentiriam motivados a comprar produtos artesanalmente elaborados nas oficinas locais – o trabalho manual envolvido e a qualidade associada à sua produção podem implicar um aumento do valor final do produto.

Apesar de ser uma vertente do turismo relativamente recente, a sua aplicação tem-se revelado eficaz na promoção dos territórios onde se desenvolve, permitindo uma diversificação da oferta (associada à otimização dos recursos), o empoderamento das comunidades locais e uma coesão social proporcionada pela partilha de experiências e conhecimentos entre os visitantes e a comunidade local.

Em Portugal, já são várias as marcas e empresas especializadas em experiências criativas, como o caso da TRY Portugal (trabalha com programas personalizados, também no âmbito do turismo criativo), a In2South (especializada em ecoturismo e turismo criativo na região do Algarve, desenvolvendo parcerias com as autarquias locais) e a Douro-Welcome (experiências culturais e criativas no Norte de Portugal e Galiza); mas também iniciativas participativas como Passear e “azulejar”, no Porto, onde os visitantes têm oportunidade de elaborar o seu próprio azulejo ou produzir uma jóia na zona do Bonfim, Fazer a própria folha de papel, no Museu do Papel de Paços de Brandão/Santa Maria da Feira ou preparar a própria refeição, como um peixe grelhado no restaurante “O Xarroco”, em Matosinhos, uma pizza em Lisboa ou uma cataplana de peixe e marisco, em Faro.

Independentemente da área geográfica onde o turismo criativo se manifeste, este dependerá sempre de um conjunto de fatores que se interligam: o desenvolvimento turístico da região, o seu ambiente económico, a vontade política e os fatores culturais locais. Posto isto, é absolutamente essencial que sejam estabelecidas medidas no âmbito da política pública que incentivem os diversos agentes a explorarem dignamente o (seu) território – porque a riqueza cultural e os recursos territoriais são evidentes e perfeitamente identificáveis, contudo carecem de instrumentos de gestão e apoios institucionais para que a componente criativa e recompensadora da experiência turística se posicione como ‘fundo’ (ver/comprar), mas também como ‘atividade’ (aprender/provar).

 

Filipa R. D. F. Santos

Referências Bibliográficas:

. Richards, Greg (2018): Panorama of Creative Tourism Around the World. Breda University, pp. 1-5

. Ferreira Almeida, Josara Simone (2019): Turismo Criativo: uma nova visão do Turismo, uma nova geração de experiências e emoções. Tese de Mestrado, Instituto Superior de Gestão de Lisboa

. Site Creative Tourism Network. Disponível em: http://www.creativetourismnetwork.org/?lang=pt-pt  

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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