Actualmente, sobretudo pela globalização emergente, assiste-se à
estandardização das especificidades culturais, acabando por se desprezar as
características intrínsecas de uma região, tornando-as comuns às restantes
províncias portuguesas. É fulcral destacar as especificidades de cada área
geográfica, celebrando as suas qualidades, e eternizar as suas distinções.
Assistimos, cada vez mais, à crescente desertificação do interior e,
com a migração da população para o litoral, são esquecidos os seus costumes e
tradições - a população envelhecida já não pode dar continuidade à produção do
artesanato, à gastronomia, aos jogos tradicionais (…). O fluxo de jovens a
abandonar as áreas do interior, nomeadamente de Trás-os-Montes e Alto Douro,
contribui para a extinção de práticas culturais, que, com falta de atenção e
cuidado, morrem com quem a fez nascer.
O fabrico de Olaria Negra de Bisalhães não é excepção. Cada vez menos
são os homens que praticam esta actividade, talvez pela dificuldade do ofício
ou pela pouca vontade de aprender dos mais jovens. Iniciada em Lordelo, esta
arte estendeu-se à aldeia de Mondrões, chegando, posteriormente, a Bisalhães - um dos principais centros oleiros do norte do país.
O processo de fabrico é único e muito complexo:
inicialmente, o barro é desfeito e colocado à luz do sol para secar.
Seguidamente é transportado para os ‘pios de pedra’, sendo moído e reduzido a
pó fino, e amassado com água. O que dá a cor negra ao barro de Bisalhães é a
cozedura numa ‘soenga’, um forno escavado no chão. O barro é esculpido pelo
oleiro, que usa pedras do rio para polir as peças. Este artesanato servia como
meio de troca para outros produtos, nomeadamente alimentos e peças de roupa.
Ainda hoje, as peças são utilizadas para cozer alimentos - louças churras para
o forno, assadeiras, alguidares para o arroz e tachos. No entanto, a peça que
suscita maior curiosidade aos compradores é, indubitavelmente, a bilha do
segredo. Esta peça possui um pequeno orifício na base superior, que pode ser
utilizado para beber, mas também “esconde” uma série de aberturas por onde
brota água. Para se poder beber dela, é necessário tapar um furo escondido por
trás da pega e sorver o líquido pelo buraco superior, de modo a evitar que água
caia para o chão.
Este produto tradicional é, ainda hoje, vendido à entrada
da cidade de Vila Real, embora em menor escala do que antigamente. Os
fabricantes de louça negra também se reúnem nesta cidade, anualmente, na
célebre Feira dos Pucarinhos, realizada
em Junho, que, embora sem as dimensões doutros tempos, continua a merecer
visita.
Vivendo nesta região, noto que a importância dada a esta
terra é cada vez menor. As tradições estão a ser, sem dúvida, esquecidas. A
gastronomia é elaborada com menos frequência, talvez por serem pratos complexos
e demorados. O artesanato é desprezado. A divulgação desta e outras práticas
que, em tempos, eram consideradas essenciais à sobrevivência das famílias
transmontanas, é muito escassa, o que contribui para a falha da sua
continuidade. Deveriam, sem dúvida, existir incentivos para estes trabalhadores
continuarem a fabricar estas peças, por exemplo, através subsídios para a
produção, pagamento de custos de participação em feiras nacionais de
artesanato, criação de feiras artesanais em aldeias com a participação de
celebridades, entre outros, de modo a estimular as camadas mais jovens e mais
velhas à celebração desta actividade.
Adriana
Isabel Carneiro Morais de Sousa
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