O pão-de-ló é um doce à base de ovos,
açúcar e farinha de trigo. Em Portugal, existem diversas variedades regionais
de pão-de-ló, que se tornaram símbolos das respectivas regiões de origem, como
o de Alfeizerão, o de Ovar, o de Margaride e o de Arouca. Existem também outras
partes do Mundo em que este género de doce é bastante apreciado. Na Itália,
este designa-se de Pan di Spagna (Pão de Espanha). Na
cozinha inglesa e americana, o bolo mais parecido com o pão-de-ló é o Sponge
Cake (Bolo Esponjoso). Os primeiros portugueses que chegaram ao
Japão no século XVI levaram também consigo uma receita semelhante à do
pão-de-ló, na altura chamado de Pão de
Castela. Essa mesma receita, refinada ao longo dos séculos, tornou-se
num dos doces mais típicos do Japão, o Kasutera.
A
região portuguesa de Ovar é então conhecida pelo seu pão-de-ló particular, uma especialidade
regional que é considerada um dos ex libris da cidade. Não se conhecem concretamente
as razões do surgimento desta iguaria em Ovar, mas apenas que esta é de origem conventual,
especulando-se que uma freira vareira tenha divulgado a sua receita a algum
familiar ou amigo residente em
Ovar. Esta especulação tem em conta que as comunidades conventuais
em Portugal, nomeadamente as femininas, eram integradas por devotas oriundas das
melhores famílias do Reino, e que estas ocupavam o seu tempo conferindo
originalidade e requinte à doçaria exótica destinada aos seus ilustres
convidados.
Sabe-se,
no entanto, que a confecção do pão-de-ló de Ovar é anterior ao século XVIII, sendo
esta receita referida na obra Os Passos,
da autoria do Padre Manoel de Oliveira Lírio: "Em 1781, são obsequiados com Pães-de-Ló de
Ovar os Padres que levaram o andor na procissão dos Passos". A
iguaria encontra-se igualmente referida na obra Aveiro e seu Distrito de Marques
Gomes, num excerto
relativo à então vila de Ovar: "Na confeitaria tornam-se notáveis o
pão-de-ló e os ovos-moles, rivais dos de Aveiro".
Já no
século XIX, a iguaria era confeccionada, com uma ou outra variação, por várias
das famílias de Ovar, destacando-se a família Arrota, a Virgílio, a Guedes e a
Presódias. Havia várias receitas de pão-de-ló, que se diferenciavam bastante
umas das outras. A mais característica era a que apresentava mais Ló, ou seja, aquela que possuía maior
humidade de ovos na parte superior da broa. Luíz de Oliveira Gomes, membro da
família Arrota, criou o hábito de, nas quadras festivas do Natal e da Páscoa,
presentear os seus clientes e amigos com pães-de-ló de Ovar, que eram então transportados
em canastras próprias, cobertas com lona. Esta prática deu origem a que o
fabrico da iguaria registasse um significativo crescimento no segundo quartel
do século XIX. Esse fabrico de dimensão familiar teve continuidade na pessoa da
sua cunhada, Rosa de Oliveira Duarte e mais tarde dos seus filhos.
Até
ao final do século XIX, o seu fabrico era artesanal: a massa era batida à mão
durante duas horas em alguidares de barro vermelho com uma pá de madeira, e seguidamente
cozida, em formas também de barro, forradas com papel de linho branco, em fornos
de lenha aquecidos com pinhas ou ramos secos. Para testar a temperatura do
forno, era na altura utilizada uma vara comprida, levando na extremidade uma
tira de papel de linho branco, devendo esta permanecer no interior do forno
durante o tempo de orar um pai-nosso, ocasião em que se invocava uma boa
cozedura. Uma forma de tamanho médio levava cerca de 500 gramas de açúcar, o
que naquele tempo correspondia a um arrátel (antiga unidade de peso). Era ainda
tradição que as pessoas da vila fornecessem ovos, açúcar e farinha de trigo,
levando para si as claras restantes e pagando apenas os chamados fabrico e
feitio. Para o transporte dos pães-de-ló eram utilizados cestos ou tabuleiros aproveitados
exclusivamente para esse fim e guarnecidos por panos de linho bordados.
Ao
longo dos tempos as técnicas e as características deste doce foram sofrendo
ligeiras alterações. Do processo original de fabrico do pão-de-ló de Ovar,
ficaram apenas as formas de barro forradas a papel, tendo o restante processo
sido industrializado. No entanto, esta iguaria não perdeu o seu paladar único,
que o distingue dos restantes pães-de-ló, sobretudo pela sua textura cremosa,
que lhe é conferida pelos ovos-moles.
O pão-de-ló de Ovar tem então o formato de uma
broa, de massa muito leve e fofa. Na parte superior destaca-se uma finíssima
côdea húmida, de cor levemente acastanhada, circundada por uma orla de massa
cremosa em tom amarelado, com uma fragrância característica.
Dentro da gastronomia portuguesa, a doçaria,
nomeadamente a conventual, merece de facto um destaque. Grande parte da nossa
doçaria teve origem nos conventos e mosteiros e em muitos casos a sua confecção
varia consoante a região, o que torna os produtos tão particulares. Dos pastéis
de Belém, que apesar de serem uma das imagens mais reconhecidas da nossa
doçaria não são o único artigo digno de nota, ao tradicional pão-de-ló de Ovar
ou às fatias de Tomar, há muito por onde escolher e de grande qualidade. De
norte a sul temos doces fabulosos que quer os portugueses quer os estrangeiros
procuram sempre saborear.
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