domingo, março 15, 2020

Brasil e o descaso com o seu Património Cultural

O rápido e desordenado crescimento das cidades no Brasil, com uma progressiva perda e descaraterização do património histórico, traz à tona uma importante reflexão acerca da constante necessidade de transformação dos espaços urbanos, juntamente com implicações referentes à qualidade ambiental e preservação do património construído. A falta de valorização do património cultural, causada pela realidade económica, social e política,  põe em risco não apenas a memória coletiva mas também o poder de realização e de expressão verdadeiramente cultural da comunidade.
Para preservar o património, a Constituição Federal Brasileira afirma que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, deve promover e proteger o património cultural, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação. Porém, a falta de interesse no ato de valorização destaca-se principalmente na perda de edificações significativas. Falta de manutenção e verbas para tesouros nacionais iguais ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro, mostram o descaso das autoridades competentes.
  Nos últimos 10 anos, o Brasil tem perdido praticamente um valor patrimonial por ano. Com a crise financeira derivada principalmente do sistema de corrupção instalado no governo, o Brasil teve muito de seu Património Cultural abandonado. Incêndios, roubos e reformas mal feitas ou até mesmo abandonadas trascreveram o cenário de terror de perda de alguns dos símbolos nacionais.
Outro fator que destaca o abandono desses simbolos arquitetónicos é o abandono das obras de restauração. O Museu do Ipiranga, por exemplo, que foi inaugurado em 7 de setembro de 1895, está fechado para reforma desde agosto de 2013. Com isso, demonstra-se não só o descaso com o Património Cultural como seu uso para o superfaturamento de uma obra pública, algo bem comum nas administrações do setor político no Brasil, pois a previsão de gastos para seu restauro foi calculcada primeiramente em R$ 21 milhões, subindo posteriormente para R$ 100 milhões. Apesar das obras terem começado em 2019, com reabertura prevista para 2022, os prazos deste tipo de obras não costumam ser cumpridos.
A prática de preservação pouco se transformou nos últimos 80 anos, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), orgão federal que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, teve planos diretores que falharam como forma de controle da dinâmica de transformação dos setores tombados e de incentivo à produção de legislações municipais mais amigáveis em relação ao património. Assim, o tombamento permanece o principal instrumento de preservação do patrimônio no Brasil, apropriado como instrumento de política urbana, diante da crescente incapacidade do poder municipal de promover ou manter a qualidade de vida nas cidades por meio do planejamento urbano e dos seus instrumentos.
Na maioria das cidades e conjuntos urbanos tombados encontram-se sem articulação com as instâncias e leis municipais, sem normas, critérios ou regulamentos de preservação publicados, e com o exame e o licenciamento de intervenções feitos sem o apoio de um conhecimento mais fino da morfologia desses sítios, não tendo na maioria dos casos, vínculo com o planejamento urbano global das cidades.
O panorama das práticas de preservação do património mostram a urgência da articulação entre património, política e planejamento urbano, mas não da maneira eventual, fragmentada e insuficiente com que tem sido feita até ao momento, mas em bases legais e institucionais sólidas e permanentes. O ideal seria que existisse no Brasil uma política de tombamento mais criteriosa e uma supervisão profissional adequada para a preservação e conservação.

Wanessa Batista Menezes[1]

Bibliografia
ANNA, Marcia Sant (2015). Preservação Preservação como prática: sujeitos, objetos, concepções e instrumentos. Ed. Rio de Janeiro. Brasília.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan. Disponivel em: http://portal.iphan.gov.br/. Acesso em: 25/01/2019.
Revista Veja. Incêndios destroem um patrimônio cultural por ano no Brasil. Disponível em: https://veja.abril.com.br/. Acesso em: 28/12/2018.
Revista Galileu (03/09/2018). Descaso com museus não é novidade no Brasil: relembre outros incidentes. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/. Acesso em:28/12/2018.


[1] Aluna do Mestrado de Património Cultural da Universidade do Minho no âmbito da Unidade Curricular de Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional, do ano letivo 2019/2020, Licenciada e Bacharel em História pela Universidade Católica de Santos em 2007.

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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